Zamenza

A atual novela do Globoplay vem fazendo um merecido sucesso. Todas as Flores lidera os acessos na plataforma de streaming da Globo desde que a segunda parte estreou, após um hiato de três meses por conta do BBB 23.

Todas as Flores - Regina Casé
Reprodução / Globoplay

A trama expõe o que João Emanuel Carneiro tem de melhor: a habilidade em criar um suspense que envolve o público no enredo central, além de suas carismáticas vilãs louras – neste caso, Zoé, interpretada por Regina Casé (foto acima). Porém, a produção também tem reforçado o que o autor tem de pior: as histórias paralelas.

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Mudança de estratégia

João Emanuel Carneiro
João Cotta / Globo

O folhetim, vale lembrar, foi planejado para a televisão aberta. No entanto, a Globo mudou os planos e decidiu transformar os 175 capítulos do enredo em 85 e colocá-lo como um produto exclusivo do Globoplay.

O intuito era seguir com as novelas inéditas na plataforma, após o imenso sucesso de Verdades Secretas 2, que marcou a estreia da leva de folhetins exclusivos. A mudança repercutiu nas redes sociais e na imprensa. Alguns jornalistas consideraram até uma espécie de rebaixamento ou um desrespeito com a carreira do escritor (foto acima).

A verdade é que João tirou a sorte grande. Todo novelista sonha com uma trama mais curta e, até hoje, o desejo não foi (e nem será) realizado na grade da emissora por questão de gastos.

A redução de capítulos implicou na mudança da narrativa e no destaque de alguns personagens, o que ficou visível. E justamente por conta disso que João Emanuel Carneiro se beneficiou: os núcleos secundários perderam relevância, o que é ótimo no caso do autor.

Nem tudo é perfeito…

Todas as Flores - Douglas Silva

Mesmo com todo o sucesso, as tramas paralelas se mostram desinteressantes e prejudicam o conjunto da obra. Embora carismáticos e bem interpretados, os personagens protagonizam situações repetitivas e a função da comicidade nunca foi alcançada. Há uma quebra brusca de ritmo quando qualquer um aparece e a vontade de adiantar as cenas é grande.

A família de Oberdan (Douglas Silva, foto cima) representa uma espécie de fetiche de João Emanuel Carneiro: o homem que não resiste e trai a esposa com várias mulheres. No caso, há até um desserviço em torno do ‘priapismo’. Embora o nome da enfermidade – que consiste em ereções involuntárias e dolorosas – não seja citada de forma explícita, acaba o tempo todo sendo mencionada subliminarmente como uma espécie de justificativa para as traições do pagodeiro.

O personagem protagoniza quase sempre a mesma situação, que resulta em barracos com a mulher, Jussara (Mary Sheila). Para culminar, o filho do casal, Celinho (Leonardo Lima Carvalho), é um menino tímido que se orgulhava da virgindade até transar com Brenda (Heloísa Honein, foto abaixo) e se dizer ‘abusado’ por ela.

Heloísa Honein
Estevam Avellar

A única transa com a interesseira provoca uma mudança radical em sua personalidade: ele se transforma em um galinha feito o pai. As cenas são constrangedoras de tão ruins. Aliás, Brenda é uma clara reedição da Suellen (Isis Valverde), de Avenida Brasil – mas, embora muito bem interpretada por Heloísa, uma grata revelação, a personagem não desperta interesse porque está sempre inserida na mesma situação: querendo pegar qualquer homem que apareça na sua frente.

Pouco interessante

micheli machado

Outro núcleo secundário que se esgota pela repetição é o da Gamboa, bairro boêmio conhecido do Rio de Janeiro. A família de Darci (Xande de Pilares) nunca protagonizou conflitos interessantes e todas as situações criadas para a comicidade não atingem o objetivo.

Chininha (Micheli Machado, foto acima) sempre sonhou em ser atriz e acabou traindo o marido com o malandro Joca (Mumuzinho), um aproveitador de mulheres que se escorava no dinheiro de Mauritânia (Thalita Carauta), irmã de Chininha. A ex-prostituta e atriz pornô largou o 171 depois que herdou a fortuna de Raulzito (Nilton Bicudo), mas o sujeito acabou indo morar na casa de Darci, que aceitou o chifre sem problemas.

Há ainda a matriarca Darcy, vivida pela ótima Zezeh Barbosa, e Javé (Jhona Burjack), filho de Darci com Patzy (Suzy Rêgo). Infelizmente, os personagens nunca despertaram interesse. A exceção era Mauritânia, que roubou a cena na primeira parte, exibida ano passado, e virou um dos trunfos de Todas as Flores, principalmente ao passar a integrar o núcleo central. No entanto, na atual segunda parte, a personagem se apagou quando se interessou pelo sobrinho, Javé.

Agora, apenas protagoniza cenas de beijo com o rapaz e caiu muito fácil no golpe de Humberto (Fábio Assunção), que roubou sua herança. Aparece bem menos. É preciso citar também a ótima dobradinha que Thalita fazia com Suzy Rêgo anteriormente e que perdeu força. Suzy tem sido bem desvalorizada.

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Mesmos erros

O fato é que o autor sempre tropeçou em seus enredos paralelos. Da Cor do Pecado, Cobras & Lagartos, A Favorita (foto acima) e A Regra do Jogo foram novelas com enredos centrais ótimos e secundários muito ruins.

No caso de Segundo Sol, João fracassou até no enredo principal e pouco se salvou de seu pior folhetim. Já em Avenida Brasil houve um inédito conjunto de acertos, onde até mesmo as histórias dos coadjuvantes eram divertidas – embora o núcleo Cadinho (Alexandre Borges) tenha sofrido uma avalanche de críticas.

Com a ida de Todas as Flores para o streaming, era esperado que os conflitos secundários fossem extintos e apenas o principal fosse contado. Mas ficou evidente que a alteração ficou apenas no quesito tempo de tela. Caso a novela estivesse na grade da Globo, os núcleos de Oberdan e Darci teriam muito mais destaque, o que seria bem pior para a produção.

Todas as Flores - Nicolas Prattes
Estevam Avellar / Globo

É importante ressaltar que a atrativa saga de Diego (Nicolas Prattes, foto acima) não se enquadra em história secundária porque está diretamente ligada ao pilar do folhetim, que é a organização criminosa que trafica crianças e pratica trabalho escravo.

João Emanuel Carneiro é um autor talentoso e não precisa mais provar nada para ninguém. O sucesso de Todas as Flores é merecido e marca a volta em grande estilo do autor, após o fracasso da problemática Segundo Sol.

Ainda assim, a atual novela do Globoplay deixa explícita a dificuldade do escritor em criar tramas paralelas tão envolventes quanto as centrais. Pelo visto, sempre serão seu ponto fraco.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor