Nilson Xavier

Chegou ao fim, nesta sexta-feira (7), a saga de José Leôncio em Pantanal, remake da novela criada por Benedito Ruy Barbosa (em 1990), escrito por seu neto Bruno Luperi, com direção artística de Rogério Gomes e Gustavo Fernandez. A regravação desse sucesso da TV Manchete foi o grande acerto da Globo na retomada de produções inéditas em período de pandemia de Covid-19.

Em setembro de 2020, quando a emissora oficializou o projeto – àquela época, soando um tanto quanto ambicioso -, levantou-se uma série de dúvidas. Quem seria a nova Juma, o novo Velho do Rio, como agradar os fãs saudosistas e cooptar o público atual? Com a estreia, em março de 2022, bastaram poucas semanas para a desconfiança, do público e da mídia, dissipar-se.

Brasilidade

A Globo apresentou uma produção grandiosa, com fotografia, arte, cenários, figurinos, caracterizações e trilha sonora irretocáveis, ancorada, sobretudo, em um elenco de grandes talentos e na força da história de Benedito e de seus personagens carismáticos.

Outro grande mérito da novela foi resgatar para o horário nobre o interior do país, a brasilidade, a exuberância da natureza (como elemento narrativo), uma dose de realismo mágico e o sotaque caipira, que ressoou na boca do público em expressões como “réiva“, “ara” e “larga mão“.

No texto, assuntos de interesse social tratados na primeira versão – como o machismo, a homofobia, a preservação do meio-ambiente e a problemática da luta pela posse de terras – foram modernizados pelo adaptador Bruno Luperi, com abordagens condizentes com nosso tempo.

Deslizes

Pantanal - Karine Teles

Apesar das atualizações pontuais necessárias, Luperi pouco ousou e mal alterou a história de seu avô. Ao seguir à risca a trama original, manteve os seus deslizes, como a barriga da metade em diante. Até a saída repentina dos personagens Madeleine e Trindade foi mantida.

Se, em 1990, os atores Ítala Nandi e Almir Sater deixaram a história contra a vontade de Benedito Ruy Barbosa, desta vez, com os novos intérpretes (Karine Telles e Gabriel Sater), este não era mais um problema. Manter Madeleine desaparecida, mas viva – talvez cuidada pelo Velho do Rio, ou até mesmo como um novo elemento fantástico -, teria criado novos entrechos e dado gás à história em sua segunda metade, evitando a indesejada barriga.

Tal qual na primeira versão, a trama teve um pico de ação até a morte do personagem Levi, para, em seguida, cair em um ritmo mais lento, sem muitos acontecimentos relevantes, marcado pelo vai e vem de Juma, da tapera para a fazenda e vice-versa – o que popularizou o bordão “Quérimbora“.

Também faltou a participação de indígenas na trama, ausente na versão original da novela. Bruno Luperi perdeu uma ótima oportunidade de desenvolver o tema com ganchos dramáticos.

Trama poderosa

Contudo, apesar do adaptador replicar a barriga da trama, o público esteve fiel à história de Benedito Ruy Barbosa do início ao fim, repetindo-se assim, em 2022, o mesmo efeito de 1990.

Com tipos humanos – nada maniqueístas, mas dotados de qualidades e imperfeições – em dramas contundentes regados a entrechos sobrenaturais, o remake de Pantanal manteve a audiência cativa: da média de 22 pontos (no Ibope da Grande SP) da produção anterior (Um Lugar ao Sol), a nova versão da história de Benedito elevou em 8 pontos a audiência do horário nobre da Globo. Um feito e tanto.

Foi o encantamento pelas ambientações pantaneiras associado ao carisma da galeria de personagens o que segurou o interesse dos espectadores pela novela.

Elenco poderoso

Na receita das narrativas folhetinescas, os personagens precisam despertar em quem assiste sentimentos que gerem identificação: amor, compaixão, alegria, tristeza, revolta, “réiva“, etc. Melhor ainda se o elenco está à altura do texto e em sintonia com a proposta do roteiro e da direção. Caso de Pantanal.

Não acredito que alguma escalação tenha “deixado a desejar”. Mesmo atores que causaram algum estranhamento no início – mais por causa da memória afetiva com o intérprete de 1990 -, acabaram servindo bem aos personagens que interpretaram – Jesuíta Barbosa, por exemplo.

Da primeira fase, destaco Irandhir Santos, Juliana Paes, Enrique Diaz, Renato Góes, Bruna Linzmeyer, Letícia Salles, Leopoldo Pacheco, Selma Egrei e Malu Rodrigues.

Na fase definitiva, os talentos irrepreensíveis de todo o elenco, em especial de Marcos Palmeira, Dira Paes, Osmar Prado, Alanis Guillen, Isabel Teixeira, Murilo Benício, Juliano Cazarré, Silvero Pereira, Karine Telles, Camila Morgado, Gabriel Sater, Aline Borges e Leandro Lima.

Quatro dos nomes citados merecem figurar entre os candidatos a prêmios no calendário de 2022: Isabel Teixeira, apaixonante como Maria Bruaca; Osmar Prado, um ator espetacular; Murilo Benício, vivendo um tipo que representa o pior do Brasil de hoje; Dira Paes, que cumpriu à altura a demanda de sua personagem, Filó; e Marcos Palmeira, o melhor intérprete para o protagonista Zé Leôncio.

Isabel Teixeira merece um aparte não apenas pela brilhante interpretação de Maria Bruaca, mas também pela trajetória da personagem no texto, de vítima passiva do machismo do marido à saga pelo autoconhecimento, libertação de suas amarras e empoderamento. Um exemplo a todas as mulheres da vida real que sofrem de violência doméstica, física ou moral.

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Sequências notáveis

Foram tantas que é até difícil eleger as melhores. Desde, na primeira fase, o encontro de Zé Leôncio e Madeleine jovens, à morte do filho de Maria e Gil Marruá.

De pronto, cito também o nascimento de Juma; todas as vezes em que o Velho do Rio se transformou em sucuri e Maria Marruá se transformou em onça; as mortes de Maria Marruá, de Levi e de Tenório; o encontro de Zé Leôncio e o Velho do Rio; a transformação de Maria Bruaca em Maria Chalaneira; a violência de Tenório contra Alcides; e tantas outras, marcadas pela riqueza do texto, direção e interpretação dos atores.

Pantanal foi um acerto calculado da Globo e entrou para a galeria de remakes que deram certo – a exemplo de Sinhá Moça, Cabocla, A Viagem, Mulheres de Areia, O Astro, Anjo Mau e outras.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor