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A reprise de A Vida da Gente pela Globo tem sido um presente para o público. A elogiada novela de Lícia Manzo, de 2011, sempre foi uma das mais pedidas para reprisar e vem sendo prazeroso demais revê-la. Em meio a tantos acertos, há a escalação de Ana Beatriz Nogueira para interpretar a controversa Eva, personagem com ares de vilã, mas que representa uma parcela do público com suas frases a respeito do casal Manuela (Marjorie Estiano) e Rodrigo (Rafael Cardoso).
À primeira vista, a personagem parece mesmo uma clássica vilã. Mas nos folhetins da autora essa classificação inexiste. Porque Lícia realmente coloca como vilã a vida. Todos os personagens, até os mais controversos, têm várias camadas e lados para serem entendidos. Eva é uma delas.
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A mãe sempre venerou apenas uma filha: a ex-tenista Ana (Fernanda Vasconcellos). E esse amor nunca foi benéfico. Era um sentimento sufocante e repleto de cobranças, exigindo uma herdeira perfeita e vitoriosa que nunca existiu. Já a filha Manuela nunca recebeu uma migalha de atenção ou carinho, apenas desprezo e ofensas.
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O relacionamento de Eva com sua mãe, Iná (Nicette Bruno), também transborda problemas. As duas nunca tiveram um bom convívio justamente porque a avó das meninas nunca tolerou o comportamento narcisista da filha. E Eva, vale ressaltar, nunca suportou Manuela porque engravidou cedo e precisou abdicar de muitos sonhos.
Também não encarou com boa vontade o fato da filha ter nascido com um problema na perna, o que exigiu muitos custos com médicos e medicamentos. O conjunto transformou Manu em uma figura rejeitada. Quando a outra filha chegou foi como se surgisse uma ‘luz’ na vida da personagem.
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É um perfil que desperta ódio em quem assiste e uma atriz menos talentosa poderia transformá-lo em uma caricatura, onde o exagero seria o protagonista. Mas Ana Beatriz Nogueira conseguiu driblar todas as armadilhas do papel e soube usar o primoroso texto de Lícia Manzo da melhor forma. A atriz entendeu a humanidade de um tipo que apresenta muito mais o lado ruim do que o bom. Tanto que uma de suas melhores cenas é o momento em que Ana acorda do coma, após anos vegetando em uma cama de hospital. Eva não saiu do lado da filha por um minuto sequer e seu choro comoveu o telespectador. Aquelas lágrimas que desciam fizeram esquecer, ao menos por um instante, todas as atrocidades que aquela mulher já fez com a outra filha.
Não é exagero afirmar que Eva foi o melhor papel de Ana na televisão. A personagem ainda teve importância para abrir os olhos dos demais autores sobre o talento da atriz, que costumava ganhar perfis de menor importância em novelas e séries, com raras exceções. Não foi coincidência as posteriores escalações para perfis de maior destaque após o bem-sucedido trabalho. Uma pena, todavia, que tenham insistido nas mães controladoras. A intérprete se saiu tão bem em A Vida da Gente que ganhou outras mães com personalidades parecidas, vide Salve Jorge (2012), Em Família (2014), Além do Tempo (2015) e Rock Story (2017). Aliás, Além do Tempo foi outro grande momento da atriz.
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Na trama de Elizabeth Jhin, ela foi Emília, amargurada mulher que precisou criar a única filha (Lívia – Alinne Moraes) sozinha, após ter sofrido nas mãos da poderosa Condessa Vitória (Irene Ravache). E a intérprete é tão talentosa que fez a autora mudar o rumo de sua história. Isso porque a personagem morreria logo no início da primeira fase (passada no século XIX) e só voltaria na segunda (ambientada em 2015), por volta do capítulo 85. Mas Ana agradou tanto que a responsável pela trama resolveu manter a mãe de Lívia viva, salvando Emília através de uma espécie de milagre feito pelo anjo Ariel (Michel Melamed). E Ana deu um show nas duas fases.
Não importa a característica da personagem, uma coisa é certa: a atriz interpretará o papel com total entrega. Em 1996, ano que começou o sucesso O Rei do Gado, Ana viveu a batalhadora Jacira, mulher sofrida, casada com o sem-terra Regino (Jackson Antunes). A esposa era companheira de jornada do marido idealista, mas sentia falta da quietude de uma casa para poder criar o filho com tranquilidade. Apesar do papel não ter sido muito grande, a intérprete emocionou; e vale lembrar que, na época, sua última importante participação em uma produção teledramatúrgica havia sido na minissérie As Noivas de Copacabana (1992), onde brilhou como Fátima, única vítima sobrevivente do temido serial killer Donato Menezes (Miguel Falabella).
É necessário recordar ainda outro grande papel de Ana: a fria governanta Frau Herta, do remake de Ciranda de Pedra, em 2008. A vilã tinha um grande destaque e a atriz foi um dos pontos altos da novela das seis escrita por Alcides Nogueira. A dobradinha que ela fez com Daniel Dantas (o vilão Natércio) foi perfeita. Esse folhetim, aliás, marcou a volta da atriz à Globo, depois de ter feito duas novelas na Record – Essas Mulheres (2005) e Bicho do Mato (2006) -, onde também se destacou.
Ana Beatriz Nogueira é uma grande profissional e tem sido maravilhoso rever diariamente o seu desempenho em A Vida da Gente. Uma boa notícia é que a atriz está em Um Lugar ao Sol, novela que Lícia Manzo escreve para a faixa das 21h e precisou ser adiada por conta da pandemia do novo coronavírus. Mas as gravações seguem e a estreia está prevista para o final do ano. Uma parceria que vale a pena ver pela terceira vez.