Criada às pressas para segurar o fenômeno Pantanal (1990) exibido pela Manchete, a Globo contra-atacou com a minissérie Riacho Doce, que usou dos mesmos artifícios do folhetim apresentado pela concorrente: locações paradisíacas, muitas cenas de sexo e nudez. No entanto, muita gente se sentiu enganada pela emissora, pois foi usada uma dublê nas cenas de Vera Fischer.

A minissérie escrita por Aguinaldo Silva e Ana Maria Moretzsohn, foi baseada no romance homônimo de José Lins do Rego e concebida às pressas para tentar conter o desastre que Pantanal vinha fazendo na programação da Globo naquela época.

A trama se passa na fictícia Riacho Doce, lugarejo litorâneo do Nordeste, e narra a conflituosa história de amor entre a bela Eduarda (Vera Fischer) e o pescador Nô (Carlos Alberto Ricelli), um homem que possui o “corpo fechado” contra o amor de qualquer mulher. A culpa era da avó do rapaz, Manuela (Fernanda Montenegro), mulher mística e poderosa que lidera o povoado.

Aguinaldo Silva

Para as gravações, o diretor Paulo Ubiratan foi pessoalmente para a Ilha de Fernando de Noronha, no litoral norte do Rio Grande do Norte, buscar locações paradisíacas que seriam usadas durante a produção.

Curiosamente, a Manchete enviou o diretor Jayme Monjardim para a mesma localidade para gravar a nova produção da emissora, a minissérie O Canto das Sereias, exibida dentro do programa Fronteiras do Desconhecido.

Ameaça de greve

A exibição de Riacho Doce quase foi prejudicada por uma ameaça de greve promovida pelos funcionários da Globo.

Essa ameaça ocorreu por conta de funcionários que trabalhavam em um esquema de operação-padrão, o que acarretou um atraso para a realização dos programas. Por isso, dos 40 capítulos planejados, apenas 15 estavam gravados.

Mesmo com toda a corrida contra o tempo, a direção da emissora bateu o martelo e anunciou que estrearia a produção na data marcada (30 de julho de 1990), mesmo com a possibilidade da greve, que se ocorresse deixaria o canal sem capítulos para colocar no ar.

Atriz reclamou das cenas de nudez

Interprete de Eduarda, Vera Fischer afirmou que estava se sentindo constrangida de ficar nua na TV e responsabilizou a briga por audiência entre as emissoras pela exploração de tanta nudez.

“Não estou me sentindo usada. Mas pedi, logo no início, para ser preservada. Acho um horror embarcar nessa história de sexualidade. Já fiz muita coisa. Tirei a roupa numa época que acho que tinha a ver. É uma pobreza ver como as pessoas ainda gostam de ver gente pelada. O ator não tem que ficar nu para dar audiência”, afirmou Vera à Folha de S.Paulo em 29 de julho de 1990.

Para minimizar as reclamações da atriz, a Globo contratou a modelo gaúcha Marta Moesch durante três meses para ser dublê de corpo da personagem de Vera na minissérie. No entanto, os jornais destacaram o fato e muita gente reclamou, sentindo-se enganada.

Filha de um deputado e irmã de um padre, Marta entrava em ação nas cenas onde Vera tinha que mergulhar, isso porque a atriz estava proibida de fazer mergulho por problemas no tímpano. Além disso, ela afirmou que preferia que a modelo entrasse em cena mais vezes pois, segundo ela, não “tinha saco” para ficar nadando.

O mesmo aconteceu com Carlos Alberto Ricelli, que era substituído pelo mergulhador Randal Fonseca, morador de Fernando de Noronha que realizava as cenas que eram filmadas a mais de cinco metros de profundidade.

Vera Fischer também precisou de uma dublê durante as cenas em que tocava no piano a melodia Tristesse, de Chopin. As mãos que foram focalizadas eram da pianista Monique Aragão, que precisou ter ela maquiadas, além de usar unhas postiças para que se tornassem parecidas com as da atriz.

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Reclamação

Com relação a audiência, Riacho Doce até que conseguiu desviar as atenções do público que acompanhava Pantanal no mesmo horário. Uma prova disso foi a cena em que Eduarda tomava um banho nua e deixava os pescadores enlouquecidos.

No confronto direto com Pantanal, a Globo atingiu 25,5 pontos, contra 24 da Manchete. Mesmo assim, o diretor Reynaldo Boury reclamou que havia um exagero nas cenas de nudez das duas produções e que, na sua opinião, por causa de Pantanal a Globo mudou a sua “filosofia” e acabou “abrindo demais o campo.”

Ele afirmou, em entrevista à Folha de S. Paulo em 19 de agosto de 1990, que a Globo iria reduzir as cenas de nudez de seus programas por que existia dentro da emissora uma corrente que achava que tinha que diminuir e que tudo estava “um pouco demais para os padrões da empresa.”

Ao final, Riacho Doce se consagrou como uma boa opção e que bebia da mesma fonte usada e aclamada em Pantanal. A obra, que chegou a ser reprisada no Vale a Pena Ver de Novo entre abril e maio de 1991, e depois entre fevereiro e março de 1998, nos finais de tarde da emissora, foi lançada em vídeo nos anos 1990 e DVD em 2010.

Atualmente, a minissérie se encontra disponível no Globoplay.

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Sebastião Uellington Pereira é apaixonado por novelas, trilhas sonoras e livros. Criador do Mofista, pesquisa sobre assuntos ligados à TV, musicas e comportamento do passado, numa busca incessante de deixar viva a memória cultural do nosso país. Escreve para o TV História desde 2020 Leia todos os textos do autor