Perdemos neste domingo (19) um dos maiores nomes da história da TV brasileira – também com carreira no cinema e teatro: Luis Gustavo, ícone de várias gerações de telemaníacos. Tatá, como era carinhosamente chamado, deu vida a tipos memoráveis que povoam o imaginário popular: Beto Rockfeller, Mário Fofoca, Victor Valentim, Juca Pirama, Vavá e tantos outros.

O ator tinha 87 anos e morreu em decorrência de complicações por conta de um câncer no intestino, em Itatiba, no interior de São Paulo.

Eu já o conhecia da TV, mas foi como o detetive trapalhão Mário Fofoca, da novela Elas por Elas, em 1982, que fixei seu nome em minha memória afetiva. O personagem fez tanto sucesso que rendeu ao ator prêmios, um filme e um seriado de TV. A princípio, Mário Fofoca seria apenas uma participação na novela. O autor Cassiano Gabus Mendes o criou para apenas 5 ou 6 capítulos e nem havia pensado em um nome de peso para interpretá-lo.

Ao contar sobre sua próxima novela ao amigo Tatá, Cassiano fez o ator interessar-se por Mário Fofoca. Luis Gustavo narrou ao livro “Gabus Mendes, Grandes Mestres do Rádio e Televisão”: “Falei [a Cassiano]: deixa eu fazer esse personagem, desse detetive, mas não me mata no sexto capítulo, não me tira fora. Eu quero fazer esse detetive atrapalhado, um personagem que seja gago mentalmente.”

Mário Fofoca permaneceu a novela inteira, roubou a cena e tornou-se um dos maiores sucessos das carreiras do ator Luis Gustavo e do novelista Cassiano Gabus Mendes. Embora o personagem tenha sido criado por Cassiano, Tatá contribuiu muito para a composição de Mário Fofoca. O paletó xadrez lilás, por exemplo, foi um achado do ator no guarda-roupa da Globo.

Muito antes de Mário Fofoca, o ator viveu o lendário Beto Rockfeller, na novela idealizada por Cassiano, produzida pela TV Tupi entre 1968 e 1969, considerada um marco da teledramaturgia nacional, divisora de águas na história de nossa TV. Foi a partir de Beto Rockfeller que a telenovela brasileira modernizou-se e ganhou a cara que tem hoje, pela qual é reconhecida internacionalmente.

Beto, o Bicão, era o anti-herói, o mocinho sacana, de caráter duvidoso, mas que, carismático e encantador, com sua lábia conquistava mocinhas e o público. De quebra, é atribuído a Luis Gustavo o primeiro merchan em uma telenovela, em uma época em que não existiam regras que regiam esse tipo de comercialização em programas de TV.

Como o personagem bebia muito uísque, Luis Gustavo fez um acordo com o fabricante do Engov, remédio contra ressaca, e faturava cada vez que engolia o produto em cena. O combinado do ator com a empresa era: cada vez que Beto dissesse a palavra “Engov”, o ator ganharia 3 mil cruzeiros (o salário da Tupi era de 900 por mês). “Só num capítulo, falei 33 vezes, sendo 22 num telefonema!”, contou Tatá ao Estadão em 2008.

Pouca gente sabe, mas o Sai de Baixo foi uma ideia de Luis Gustavo oferecida ao diretor Daniel Filho quando os dois trabalharam juntos na série juvenil Confissões de Adolescente (1994), em que o ator vivia Paulo, o amoroso pai das garotas.

No Sai de Baixo, Tatá era Vavá, o dono do apartamento no Arouche para onde se mudam Cassandra, Caco e Magda no primeiro episódio. A partir da segunda temporada, depois de ter fechado a sua agência de turismo Vavatur, Vavá passou a ser um empreendedor, aparecendo a cada episódio com um negócio novo, mas que nunca dava certo: Vavatumba, Vavonha, Vavópera, Vavantiquário, Petroquímica Vavóil, Lavavá Melhor, Vavatores, etc.

Luis Gustavo Sanches Blanco nasceu em Gotemburgo, na Suécia, em 2 de fevereiro de 1934, quando o seu pai, um diplomata espanhol, estava trabalhando no país. Veio para o Brasil ainda criança e sua família estabeleceu-se em São Paulo. Foi nos primórdios da TV Tupi que Tatá iniciou sua carreira na televisão, já na companhia de Cassiano Gabus Mendes (diretor artístico da emissora), casado com sua irmã, Elenita Sanches. Primeiro foi contrarregra, depois auxiliar de iluminação, cinegrafista, assistente de direção e, por fim, ator, tendo atuado em várias peças da lendária série de teleteatros TV de Vanguarda.

Durante toda a década de 1960, Luis Gustavo permaneceu na TV Tupi, onde atuou em várias novelas, diárias sou não. Beto Rockfeller, em 1968-1969, entrou para a história e consagrou o ator como ídolo nacional. Entre os maiores sucessos desse período, estão também as novelas O Direito de Nascer (1964-1965) e Os Inocentes (1974). A estreia na Globo foi pelas mãos de Cassiano, recém-contratado da emissora, em Anjo Mau (1976), em que viveu o playboy Ricardo Medeiros.

Aliás, partiu de Cassiano os melhores papeis de Tatá em novelas. Além de Beto Rockfeller, Mário Fofoca e Ricardo Medeiros: o cego Léo de Te Contei? (1978), o costureiro Victor Valentim de Ti-ti-ti (1985-1986), o inglês Charles Miller, uma participação em Que Rei Sou Eu? (1989), e o aspirante a mafioso Toni em O Mapa da Mina (1993), último trabalho de Cassiano.

Outro personagem muito lembrado de sua carreira é Juca Pirama, da novela O Salvador da Pátria (1989), de Lauro César Muniz. O nome do personagem foi sugerido pelo próprio ator. Inicialmente, seria Juca Santana. Ao ler o roteiro, Tatá perguntou a Lauro se ele poderia se chamar Juca Pirama, inspirado na poesia de Gonçalves Dias “I-Juca-Pirama”, de onde tirou o bordão que marcou seu personagem: “Meninos, eu vi!”.

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Na televisão, foram mais de 30 participações em novelas, além de duas temporadas de Malhação, séries e casos especiais. Outros trabalhos marcantes foram Duas Vidas, Cara a Cara, Mico Preto, O Beijo do Vampiro, Começar de Novo, O Profeta, Três Irmãs, Cama de Gato, o remake de Ti-ti-ti e Joia Rara.

No cinema, foram 10 filmes: O Sobrado (1956), Casinha Pequenina e Mord in Rio (1963), Beto Rockfeller, o filme (1970), Amada Amante (1978), Sede de Amar (1979), As Aventuras de Mário Fofoca (1983), O Casamento de Romeu e Julieta (2005), Os Penetras (2012) e Sai de Baixo, o filme (2019).

Luis Gustavo era irmão de Elenita Sanches, mulher de Cassiano Gabus Mendes, logo, tio de Tato e Cássio Gabus Mendes. Era casado com Cris Botelho e deixa dois filhos – Luis Gustavo, do relacionamento com Heloísa Vidal, e Jéssica, do casamento com Desireé Vignolli – e uma neta, Marina.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor