Sábado (17/06), recém-acordado e pensando no final de semana inteiro pela frente, começo a procurar algo na Netflix e me deparo com As Telefonistas. Penso: “que raio de série é essa?”. Gosto de assistir filmes e séries assim, sem nunca ter ouvido falar. Aliás, eu era daqueles que ia à locadora muitas vezes e escolhia alguns filmes apenas pela capa. Claro que eu lia a descrição depois, mas a capa fazia a primeira ‘venda’.

Comecei a assistir a série (em inglês com legendas), mas nos primeiros closes nos personagens achei estranho, não me parecia a linguagem correta. Pesquisei no Google e vi que o nome real do seriado era Las Chicas del Cable, o primeiro original da Netflix na Espanha. Mudei o áudio para o correto e voltei a assistir, sem saber mais nada sobre a série.

Ela é ambientada nos anos 20 e mostra a história de 4 mulheres espanholas que enfrentam lutas diárias contra o sexismo em uma sociedade nitidamente machista, onde a mulher tem que obedecer o marido ou o pai e ponto final. Mais precisamente, Las Chicas del Cable acontece entre 1929 e 1930 e, naquela época, as mulheres não podiam votar e nem pedir o divórcio, por exemplo.

Veja abaixo um breve perfil das 4 personagens principais:

Lídia Aguillar – Na verdade, seu nome é Alba, a personagem principal da série. É uma ladra atormentada pelo seu passado, que após um infortúnio do destino, anos atrás, viu-se separada do seu grande amor. De lá para cá sua vida é um constante rebuliço, vagando em golpes aqui e acolá. Ela sabe do impacto da sua imagem, é uma mulher estonteante, e também é especialista na arte de enganar as pessoas. Desvios de caráter a parte, no fundo ela se preocupa com os outros mais do que aparenta.

Carlota – Filhinha de papai, na realidade, de Coronel, Carlota está longe de ser mimada e de querer a comodidade que sua família tenta impor na condição de que ela se aquiete. Briga com o pai, com a mãe, e com Deus e o mundo para ter sua liberdade, para fazer o que quer sem ter que pedir permissão para ninguém. Ela está disposta a pagar qualquer preço para ser livre.

Ángelez – Boazinha além da conta, Ángelez é a funcionária mais antiga da empresa de telefonia dos Cifuentes. Casada com um marido machista, que quer que ela deixe o emprego para ficar em casa cuidando da filha (na verdade, ele tem outros interesses que não vou contar para não estragar a história), ela está disposta a ajudar suas novas amigas, fazendo o que for preciso, até correr o risco de perder seu tão amado trabalho.

Maria Immaculada, Marga – Deixei a pequena Marga por último, mas até aqui é minha preferida. Moça ingênua, vinda do interior, Marga é simples, humilde, acredita no melhor das pessoas e tem vergonha de tudo. Nunca tinha bebido algo alcoólico até começar a trabalhar com as meninas acima, por exemplo. Rende a mim, até aqui, os momentos mais doces, ingênuos e engraçados da série. A intérprete da Marga é a espanhola Nadia de Santiago, uma graça devo dizer (a personagem, pelo menos). Me pega por tudo que disse acima e para mim tem também “um quê” de Audrey Tautou em Amélie Poulain. Sei lá se é o cabelinho cortado quase no estilo da Amélie ou se são as caras e bocas. Enfim, me encanta.

Pois bem, quando comecei a acompanhar Las Chicas del Cable, após os primeiros episódios comentei que parecia novela mexicana, mas não em sentido pejorativo, de maneira alguma. A série lembra os dramas mexicanos porque me vem na mente aquelas imagens dos filhinhos de papai engomadinhos que se acham suprassumos e melhores que as mulheres. Sem falar no idioma, claro, que faz a gente (pelo menos eu) lembrar algum dramalhão mexicano. “María la del Barrio soy” – quem não lembra, diz aí?!

Ok, lembra mesmo uma novela, talvez por isso seja tão viciante e a gente não consiga parar de assistir, mas Las Chicas del Cable vai muito além. É muito bem feita, com fotografia, trilha sonora e atuações ricas e, claro, o tema central também é bastante profundo.

É sempre interessante ver a luta de pessoas discriminadas, colocadas por uma sociedade opressora em um “nível abaixo”. Ver como elas buscam sair da situação e conquistar os seus direitos é sempre inspirador. Mais interessante que acompanhar essa trajetória, é parar para pensar no cenário atual da sociedade como um todo. O que mudou de lá para cá? Realmente algo mudou de fato?

Ouvi dizer por aí que toda mulher deve assistir Las Chicas del Cable, mas eu discordo, acho que todo homem também deve. Por mais que tenhamos evoluído enquanto sociedade, ou pelo menos que os direitos sejam mais igualitários entre homem e mulher, é preciso pensar sim na forma como lidamos com a mulher no dia a dia desse século XXI. Machismo existe, sim, e é tolice tapar o sol com a peneira. E é claro, também, não é preciso “apenas” repensar o modo como o homem lida com a mulher, mas com qualquer semelhante, com o meio em que vive e por aí vai…

Assistam Las Chicas del Cable, vejam como é importante tomar consciência da vida, entender a situação adversa e, com sentimento e força, sair dela, lutar para sair a qualquer custo. Isso valia em 1929 e vai valer em 2029.

A luta para fugir do pré-estabelecido vai ser eterna, sempre terão regras gerais, tentarão impor o que é bonitinho e lindo para a sociedade, as pessoas sempre vão ser discriminadas por pensarem diferente. Mas, graças aos Céus, sempre vai ter gente com força para enfrentar tudo e mudar a realidade de vida de si própria e de muita gente! Não tenho dúvidas!


Marga <3

Pensando bem agora, para encerrar a coluna, é até engraçado que o formato da série esteja sendo criticado por algumas pessoas por parecer uma novela, ter elevado nível de drama, etc. e tal. A série é feminista, tem como missão mostrar a emancipação da mulher, sua luta árdua para ser vista como igual e ter seus direitos justamente reconhecidos. Então, para quem critica tanto o formato, que tal começar a quebrar o estigma parando com essa baboseira de desmerecer a trama por parecer uma novela?

Gosto de novela (hoje MUITO menos que anos atrás), é viciante, é envolvente, enfim… Assistam Las Chicas del Cable e depois me digam o que acharam!

P.S: Ah, a primeira temporada tem oito episódios e já foram confirmadas mais duas temporadas. Viva!!!


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Inquieto e ansioso desde 1987, Jônatas Mesquita é jornalista e viu o TV História dar os primeiros passos, das viagens regadas a tubaínas e FIFA à audiência europeia. Vive em Lisboa e não precisa de dublagem para assistir às novelas portuguesas Leia todos os textos do autor