Sob Pressão já é uma das maiores surpresas do ano. Baseada no filme homônimo, dirigido por Andrucha Waddington, a série é de uma qualidade ímpar e consegue ser melhor que o longa. Tem sido incrível (e impactante) acompanhar a saga de médicos que lutam para salvar vidas em meio aos caos da saúde pública do Rio de Janeiro (que reflete todo o Brasil). Mas, em meio a tantos pontos extremamente positivos dessa trama da Globo, coproduzida com a Conspiração, há um grande trunfo que deixa o enredo ainda mais imperdível: o talento de Júlio Andrade e Marjorie Estiano.

Nada melhor para uma boa história do que ter intérpretes competentes defendendo perfis bem construídos. E é exatamente isso o que acontece na série. Evandro e Carolina são personagens que transbordam densidade, tendo o drama como principal alicerce. Seria catastrófica a escolha de atores ruins ou até medianos. Era necessária a escalação de profissionais irretocáveis. Portanto, a seleção de Andrucha para o filme foi perfeita e a permanência de ambos no seriado comprova a tese de que em time que está ganhando não se mexe.

Afinal, como o restante do elenco mudou (menos Stepan Nercessian e Josie Antello), poderiam ter trocado todo mundo, partindo do zero, mantendo apenas a premissa. Mas, acertadamente, não tomaram essa atitude por causa desse casamento perfeito de perfis grandiosos com intérpretes dedicados.

O cirurgião-chefe de um hospital público caindo aos pedaços representa uma espécie de herói nacional, enquanto a cirurgiã vascular (que busca na fé o antídoto para miséria que enfrenta no dia a dia) funciona como um contraponto e um complemento ao colega, com quem se envolve amorosamente. São figuras que se parecem em virtude do sofrimento que carregam e se diferem na forma como lidam com isso no trabalho.

Evandro salva a vida de vários pacientes todos os dias, mas, ironicamente, não conseguiu salvar a da esposa, Madalena (Natália Lage), um ano atrás. Desde então, o médico carrega essa devastadora culpa e se enche de antidepressivos para suportar a rotina dura do hospital e lidar com suas feridas emocionais. Ele ainda risca a parede sempre que perde algum paciente, depositando ali parte da sua frustração.

Já Carolina foi abusada pelo pai na infância e até hoje carrega esse sofrimento dentro dela, além de ter desenvolvido um processo de automutilação, fazendo cortes em sua cintura sempre que está mais abalada. Ou seja, são perfis absurdamente densos, que juntos ficam ainda mais ricos dramaticamente.

Os atores deram um show no filme e estão novamente esbanjando talento na série, conseguindo agora maior destaque em função do crescimento em torno da história de vida dos personagens. No longa, por razões óbvias, não foi possível se aprofundar muito nos dramas pessoais de cada um. Na versão para a televisão tudo é diferente, valorizando bem mais os intérpretes.

Júlio Andrade e Marjorie Estiano estão brilhantes e a sintonia cênica entre os dois é visível, assim como a química do casal, que vive uma história de amor 100% real e nem um pouco voltada para o romantismo clássico de novelas ou contos de fadas. É uma relação bem crível, cujo sentimento vai surgindo aos poucos, através da admiração mútua e identificação da dor.

Júlio é um ator fantástico e nunca foi valorizado como merecia na tevê. Recentemente, conseguiu uma ótima oportunidade no canal a cabo protagonizando 1 Contra Todos, série exibida pela Fox em 2016. Mas, antes, sua carreira foi marcada por participações ou perfis secundários. Ainda assim, ele brilhava. Basta lembrar seu grande desempenho como o íntegro Firmino, na excelente Justiça (2016), fazendo uma dupla impecável com Adriana Esteves. Ou então, sua atuação como o Oswaldo, no remake da primorosa O Rebu (2014), e sua entrega como o doce Arthuzinho, em Passione (2010). Já no cinema tem uma carreira mais rica, com mais de 30 filmes no currículo.

Marjorie é a maior revelação de Malhação, firmando-se como a melhor atriz de sua geração. Coincidentemente, ela também esteve em Justiça ano passado, onde emocionou com a bailarina Beatriz. A Manu, de A Vida da Gente (2010), foi seu melhor papel até então e vale citar ainda seu desempenho em Lado a Lado (2012), Ligações Perigosas (2015), entre tantos outros grandes trabalhos.

Sob Pressão é um produto de rara qualidade e nada mais prazeroso do que acompanhar dois grandes atores protagonizando uma série tão boa. Júlio Andrade e Marjorie Estiano honram a importância de seus personagens, vivenciando todas aquelas situações fortes com extremo profissionalismo e dedicação.

SÉRGIO SANTOS é apaixonado por televisão e está sempre de olho nos detalhes, como pode ser visto em seu blog. Contatos podem ser feitos pelo Twitter ou pelo Facebook. Ocupa este espaço às terças e quintas


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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor