Prestes a finalizar o seu ciclo, A Força do Querer foi uma novela essencialmente feminina. Como é tradição na trajetória da autora Glória Perez, as mulheres ditam o tom das tramas e dos núcleos, em que os personagens masculinos quase sempre giram em torno delas. E não foi diferente na atual história das 21h. Desta vez, Glória trouxe três protagonistas: Ritinha (Isis Valverde), Jeiza (Paolla Oliveira) e Bibi (Juliana Paes), personagens riquíssimas que fomentaram várias discussões sobre suas atitudes e foram brilhantemente defendidas por suas intérpretes.
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Ritinha, garota de Parazinho, é a mais ambígua do trio. Ama a si mesma acima de tudo – o que a torna um tanto egoísta – e gosta do fascínio que exerce sobre os homens. Inconsequente e sedutora, não tem noção do certo ou do errado, por isso acredita que não há maldade em suas ações. Prestes a se casar com o caminhoneiro Zeca (Marco Pigossi), ela provoca o mauricinho Ruy (Fiuk), despertando a fúria do então noivo.
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Grávida do ex, ela manipula a família do jovem carioca, fazendo-os pensar que Ruyzinho (Lorenzo Souza) é filho do rapaz e despertando a desconfiança da sogra Joyce (Maria Fernanda Cândido). Por ter se casado duas vezes, tem medo de ser processada e passa a importunar o caminhoneiro, que levou um tiro do playboy. Numa analogia com a figura mitológica da sereia, a quase tragédia representa o mal que as sereias causam após seduzir os homens, o que a fará sofrer as consequências.
Jeiza, por sua vez, é o ponto de equilíbrio entre as três. Policial militar do Batalhão de Ações Com Cães da PM do Rio de Janeiro, é feminista por convicção e sonha em se tornar campeã de MMA – e não deixa de ser feminina e sensual nas horas vagas. Seu caminho se cruza com o de Zeca durante uma operação policial e a antipatia inicial logo deu lugar a um relacionamento quente e intenso, no melhor estilo tapas e beijos, marcado pelo conflito da visão empoderada da policial versus o machismo do paraense.
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O relacionamento deu tão certo que o “marrento”, como ela carinhosamente o chama, passou a rever parte de suas posições machistas e torcer pela amada. Apesar disso, a influência de Ritinha sobre Zeca fez com que o namoro terminasse após Jeiza descobrir que a sereia beijou o ex-noivo. Sentindo-se traída, a policial tem se envolvido com Caio (Rodrigo Lombardi), ex de Bibi, em um relacionamento puramente de fuga, embora o roteiro deixe claro que ela ama o caminhoneiro (e vice-versa).
Ao longo da história, Jeiza também foi vista desempenhando inúmeras funções, inclusive sendo DJ no ônibus de festa de Zeca e fazendo o parto de Ritinha em meio a uma operação policial. Por tudo isto, a personagem pode ser considerada uma Mulher-Maravilha dos tempos atuais, desdobrando-se em inúmeros papeis e enfatizando a mensagem de que a mulher pode fazer o que quiser sem se intimidar.
Bibi, promissora estudante de direito, trocou o amor seguro ao lado de Caio pela adrenalina da paixão por Rubinho (Emílio Dantas), que se tornou traficante. Tamanho desejo a fez também se enveredar pelo mundo do crime, a ponto de defendê-lo cegamente e perseguir Jeiza, responsável por sua prisão – mesmo sendo iludida pelo canalha, que passou a traí-la com a ninfeta Carine (Carla Diaz).
Inspirada na história de Fabiana Escobar, ex-mulher de um traficante, Bibi é a personagem que mais provoca discussões por sua conduta – a ponto de setores conservadores acusarem a novela de apologia ao crime, argumento que se quebra com a presença de Aurora (Elizângela), mãe da ex-futura-advogada, que se desespera com o comportamento criminoso da filha e precisa ser uma mãe em dobro para o neto Dedé (João Bravo), filho do casal.
É ao lado da mãe, inclusive – e de Caio, a quem Aurora considera o genro ideal -, que Bibi demonstra sinais de arrependimento por ter entrado nesta vida, apesar de não querer admitir. Mais recentemente, a ex-estudante começou a perceber que Rubinho não era o homem que ela idealizava, ao ouvi-lo confessar que a traiu várias vezes.
O conjunto da obra de personagens tão ricas como estas merecia intérpretes à altura. Não à toa, Isis Valverde, Paolla Oliveira e Juliana Paes honraram a missão de vivenciarem estas mulheres e brilharam absolutas em seus papeis, que exigiram até mesmo preparações específicas – Isis fez laboratório com a sereia profissional Mirela Ferraz e Paolla contou com a ajuda do Batalhão de Ações Com Cães da PMERJ, além de treinar MMA com a lutadora Érica Paes.
Isis Valverde, que estava afastada da TV desde Boogie Oogie (2014-15) e se envolveu em projetos de cinema, voltou a atuar com Glória Perez, com quem havia trabalhado em Caminho das Índias.
A atriz se entregou com competência ao perfil complexo da sereia, uma garota capaz de manipular e mentir, mesmo sem consciência dos males que provoca. Outro acerto foi sua dobradinha com Zezé Polessa (Edinalva), repetindo a divertida parceria de mãe e filha que vivenciaram em Beleza Pura (2008).
Deve-se, contudo, fazer aqui uma ressalva: a talentosa Isis merecia um parceiro de cena melhor do que Fiuk. A inexpressividade do intérprete de Ruy, de certa forma, fez com que a personagem não rendesse mais do que poderia, inclusive ficando avulsa nos últimos meses. Ainda assim, o talento de Isis foi determinante para firmar Ritinha entre os melhores papeis de sua carreira.
Paolla Oliveira, em grande fase após o sucesso da sedutora Danny Bond, em Felizes Para Sempre (2015), e da vilã Melissa, em Além do Tempo (2015-16), ganhou sua protagonista mais completa, em sua primeira parceria com Glória. Jeiza é, das três, o perfil que mais despertou simpatia do público, graças à sua competência como policial e seu perfil mais íntegro, como uma legítima heroína moderna, que se transforma em várias facetas e se mantém feminina, linda, sexy e segura de si.
O romance explosivo ao lado de Zeca foi outro ponto positivo, graças à surpreendente e avassaladora química de Paolla com Marco Pigossi. A união gerou uma grande torcida do público, que batizou o casal de “Jeizeca” (junção dos nomes dos personagens) e se manteve fiel ao par mesmo nos momentos recentes da policial ao lado de Caio, na expectativa de que os marrentos se reconciliem de vez e terminem a novela juntos – e tudo que vem sendo mostrado na novela indica justamente para isto.
Juliana Paes, por sua vez, é velha conhecida da autora – com quem trabalhou em O Clone (2001-02), América (2005) e Caminho das Índias (2009). Também em grande momento depois de brilhar em Meu Pedacinho de Chão (2014), Totalmente Demais (2015-16) e Dois Irmãos (2017), Juliana ganhou o melhor papel de sua carreira até aqui. A impulsiva Bibi, que se tornou criminosa, dominou a novela nos últimos meses, despertando a raiva do público por seu comportamento criminoso e sua letargia, deixando-se iludir por um sujeito que não está nem aí para ela.
Merece elogios também a parceria de Juliana com Elizângela, que finalmente foi valorizada como merecia após anos fazendo personagens sem muita importância. Aurora, mãe de Bibi, funciona como porta-voz do público, sempre tentando fazer a filha voltar à consciência e deixar a vida ilícita, quase sempre sem sucesso.
Ainda se destacam as dobradinhas com o talentoso João Bravo (que chama atenção pela naturalidade e protagonizou cenas comoventes) e Paolla Oliveira (nos fortes e explosivos embates entre Jeiza e Bibi), além da intensa química com Emílio Dantas – mesmo em um relacionamento abusivo – e Rodrigo Lombardi, repetindo a dupla de sucesso em Caminho das Índias.
A Força do Querer, a poucos dias de seu fim, foi uma novela feminina, repleta de boas personagens, com as mais diversas vivências. Após algumas protagonistas que não deram certo – como Sol (Deborah Secco em América, 2005) e Morena (Nanda Costa em Salve Jorge, 2012-13), Glória Perez acertou em cheio com um trio que dividiu opiniões e trouxe de volta o prazer de repercutir a história, algo que andava em falta.
A autora aprendeu com boa parte de seus erros e fez sua melhor novela em muito tempo. E o trio Ritinha, Jeiza e Bibi tem grande contribuição neste sucesso, graças à riqueza de seus perfis e à escolha acertada das atrizes que deram vida a estas mulheres.