Há exatamente 46 anos, no dia 26 de agosto de 1975, terminava na Globo uma novela que fez sucesso, mas, curiosamente, é pouco lembrada. Escalada, escrita por Lauro César Muniz, pode ser considerada ousada para os padrões da época. Tinha a premissa de narrar parte da história do Brasil do século 20 por meio da vida do protagonista Antônio Dias, vivido por Tarcísio Meira, da juventude à velhice.
Era uma novela até pretensiosa se considerarmos que a trama abrangia 35 anos muito ricos para o país, inclusive com desdobramentos políticos marcantes, como a construção de Brasília. Para narrar a saga do protagonista, a novela dividiu-se em três fases: em 1940, no interior de São Paulo; entre 1956 e 1957, no Rio de Janeiro; e entre 1963 e 1965, também no Rio. O último capítulo mostrou os personagens na atualidade (1975), de volta ao interior de São Paulo, onde tudo começou.
Outro aspecto – que poderia ser considerado de risco – foi o fato de Escalada fugir da receita melodrámatica com a qual Janete Clair solidificou a dramaturgia da Globo na primeira metade dos anos 1970 – padrão este que, à época, vinha sendo duramente criticado.
Novela realista e trama masculina
A novela de Lauro César Muniz tinha uma pegada mais realista, não era moldada em entrechos meramente folhetinescos e sua trama era considerada “masculina”, com um protagonista de personalidade forte, mas de caráter dúbio e cheio de imperfeições. Fora que o autor fugiu dos pares românticos idealizados, com mocinhas virginais, heróis valentes e vilões terríveis.
Antônio Dias, papel de Tarcísio, era seu próprio vilão: trapaceava para se dar bem e para alcançar mais facilmente o topo de sua escalada social. Era um arrivista, o que justificava o título da novela. A mocinha Marina, personagem de Renée de Vielmond, era uma mulher moderna, que inclusive se une a outro homem e não ao seu amor, enquanto Antônio se casa por interesse com Cândida – Susana Vieira.
Aqui, um outro ponto que sublinha a “modernidade” da produção: a Globo abandonava uma prática daqueles tempos, de unir em novelas sempre os mesmos casais românticos, como uma receita de sucesso, principalmente se o casal de atores era casado na vida real. Tarcísio Meira passava a atuar sem a companhia de sua mulher Glória Menezes, depois de seis anos e cinco novelas consecutivas interpretando com ela o casal romântico (Rosa Rebelde, Irmãos Coragem, O Homem que Deve Morrer, Cavalo de Aço e O Semideus).
Palmas do público e da crítica
Primeira novela de Lauro César Muniz no horário nobre da Globo, Escalada é considerada a melhor do autor. “Um dos raros momentos em nossa televisão onde tudo atingiu a tônica certa”, afirmou Ismael Fernandes em seu livro “Memória da Telenovela Brasileira”. A trama foi inspirada na trajetória profissional do pai do autor, Renato Amaral Muniz, um imigrante português que construiu a vida no Brasil trabalhando com algodão.
Escalada caiu nas graças do público e da crítica especializada, que estava acostumada a defenestrar as tramas das oito da noite de Janete Clair, enquanto festejava as novelas de Dias Gomes, do horário das dez. Lauro tinha muitas similaridades com Dias: trama masculina, pegada realista (ou surrealista, no caso de Dias) e crítica social, quando a censura do Governo Federal permitia – e quase nunca permitia.
Censura e divórcio
Por a trama abranger também o período do Golpe Militar, o autor foi extremamente podado por Brasília, já que o país ainda vivia sob o jugo da Ditadura. Apesar da referência à construção de Brasília, por exemplo, o nome do presidente Juscelino Kubitschek não era mencionado por imposição dos censores. JK era persona non grata do Regime.
O autor narrou ao jornal O Globo, em 2014: “Tentei usar [a sigla] JK. Fui impedido. Tentei Nonô, apelido de juventude. Nada! (…) O que fiz? Coloquei o personagem de um deputado assobiando ‘Peixe Vivo’, a música-símbolo do JK, da juventude do presidente em Diamantina, quando fazia serenatas”.
Fabio Sabag, um dos diretores, lembrou que a Censura Federal chegou a vetar uma cena em que o personagem Horácio (Otávio Augusto) lia a carta-testamento de Getúlio Vargas – a passagem era fundamental para a trama. O diretor Daniel Filho, no entanto, ignorou o veto e a cena foi para o ar. Ninguém reclamou.
A questão do divórcio, levantada por meio da crise conjugal entre Antônio e Cândida, foi de tal forma aprofundada na novela que passou a haver um debate amplo a respeito da ausência de leis que regulamentassem de maneira sistemática a separação de casais. A Lei do Divórcio acabou aprovada no Brasil dois anos depois, em 28/06/1977, permitindo extinguir os vínculos de um casal e autorizando que as pessoas casassem novamente.
Remake disfarçado
Em 2006, Lauro César Muniz já não estava mais na Globo, mas pretendia reeditar Escalada. Assim o fez na concorrente Record, ao escrever um “remake disfarçado” de sua novela. Entre março e novembro de 2006, a emissora levou ao ar Cidadão Brasileiro, com Gabriel Braga Nunes como Antônio Maciel, personagem equivalente ao Antônio Dias de Tarcísio Meira em Escalada.
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