A famosa expressão “o que é bom dura pouco” pode ser aplicada com facilidade em Sob Pressão. A melhor série do ano e o mais elogiado trabalho da Globo em 2017, até então, estreou no dia 25 de julho e chegou ao fim nesta terça-feira, dia 19 de setembro. Durou menos de três meses no ar, tendo apenas nove episódios. E esse tempo bastante curto foi sentido porque a trama – com direção de Andrucha Waddington e Mini Kerti, baseada no filme homônimo, derivado do livro Sob Pressão – A Rotina de um Médico Brasileiro, de Marcio Maranhão – impressionou pelas inúmeras qualidades.

A produção se mostrou uma obra-prima, provando que o Brasil sabe fazer séries dramáticas tão boas quanto as estrangeiras. Após a tentativa fracassada de Supermax, exibida ano passado, pairou uma desconfiança em torno da capacidade de elaboração de um seriado que não fosse de humor. Claro que a Globo já produziu alguns enredos fora do campo da comédia; uma de suas melhores séries é A Cura (2010), um suspense brilhante de João Emanuel Carneiro. Entretanto, sempre houve uma insegurança em se arriscar por esse caminho e as histórias cômicas eram tratadas como prioridade.

A trama médica tem tudo para ser um incentivo e tanto para outras empreitadas parecidas, valorizando o drama nos seriados. Até porque, vale observar, o contexto de Mulher, série exibida entre 1998 e 1999, que abordava a rotina de duas médicas dedicadas em um hospital particular, foi primoroso e já era para a emissora ter voltado a investir nisso há tempos. Agora, com Sob Pressão, o público acabou presenteado com uma história que se mostrou ainda melhor que a contada no filme.

Isso porque a vida dos personagens pôde ser melhor trabalhada, assim como a criação em torno dos novos casos que permearam cada episódio. O longa foca muito no conflito em torno dos bandidos que ameaçam a segurança do hospital precário e a série priorizou mais as mazelas da saúde pública do Rio de Janeiro (e do Brasil).

A realidade nua e crua foi exposta com maestria, mas sem a intenção de chocar ou provocar polêmica. Os roteiristas simplesmente mostraram com total veracidade a rotina de qualquer hospital público do país, utilizando com inteligência a ficção e personagens cativantes para prender a atenção do telespectador. Os protagonistas são tão densos que despertam uma imediata identificação com o público, que logo se vê envolvido em todos aqueles conflitos, tanto dos médicos quanto dos pacientes. Vale ressaltar, inclusive, que todo episódio tinha pelo menos um caso paralelo que se somava aos dramas de Evandro (Júlio Andrade) e Carolina (Marjorie Estiano). O mais impressionante é que tudo fluía com naturalidade, sem pressa. Era possível acompanhar todos os dramas, sem ter a sensação de situações rasas ou inseridas apenas para preencher o tempo.

A série se mostrou um uma verdadeira aula de condução de roteiro, mesclando ficção e realidade habilmente. Era fácil demais se envolver com cada drama, até mesmo os protagonizados por perfis de mínima importância, que apareciam em cenas relativamente curtas. Não houve maniqueísmo algum e a humanidade esteve presente do início ao fim, deixando todos os personagens muito críveis. Violência doméstica, pedofilia, abuso sexual, HIV, divulgação de vídeos íntimos, doação de órgãos, enfim, foram muitos os temas explorados ao longo da temporada e vale um elogio especial aos avisos de alerta no final de cada episódio, dando informações de como proceder em determinado caso. Impossível não ter se arrepiado lendo, logo após ter acompanhado o desenrolar dos conflitos.

O elenco foi irretocável. Júlio Andrade e Marjorie Estiano fizeram jus ao protagonismo, conseguindo brilhar mais do que no filme. Destaque para o penúltimo episódio, quando Evandro e Carolina reviveram seus maiores pesadelos – ele sendo acusado da morte da esposa e ela revendo o pai, que a abusava sexualmente na infância -, expondo a imensa fragilidade que sempre carregaram, embora aparentassem firmeza durante boa parte do tempo. Que entrega! Stepan Nercessian (Samuel), Bruno Garcia (Décio), Heloísa Jorge (Jaqueline), Josie Antello (Rosa), Pablo Sanábio (Charles), Emiliano Queiroz (Seu Rivaldo), Talita Castro (Kelly) e Ângela Leal (Dona Noêmia) foram outros grandes nomes que brilharam. Já Orã Figueiredo (Amir), Letícia Isnard (Violeta) e Renata Gaspar (Liliana) representavam bem a parte mais leve do enredo, protagonizando um divertido triângulo amoroso. Fora as participações especiais – como Zezé Motta, Matheus Nachtergaele, Camila Amado, Amir Haddad, Ivone Hoffman, Luis Melo, Carla Ribas (a ex-sogra de Evandro) e Laila Garin – que enriqueceram ainda mais o enredo, sendo impossível citar todos.

O último episódio ainda apresentou uma genial “volta ao passado” de Evandro, que precisou salvar a vida de Carolina, após flagrá-la ensanguentada em uma banheira, depois de ter cortado o pulso. A médica tentou se matar depois que o pai pedófilo lhe contou que a mãe sabia de todos os abusos e acabou se suicidando por isso. O cirurgião-geral entrou em desespero, se vendo na mesma situação de um ano atrás, quando não conseguiu salvar Madalena (Natália Lage) durante uma cirurgia de emergência. Desta vez, ao menos, tudo correu bem, fechando essa leva de episódios em grande estilo. Julio e Marjorie merecem muitos prêmios.

Sob Pressão é a melhor série do ano da Globo e já tem a segunda temporada garantida, com 12 episódios (apesar de ter três a mais que a primeira, segue com um número insuficiente, levando em conta a qualidade da produção). Jorge Furtado e sua equipe de roteiristas estão de parabéns. Que adaptação extraordinária conseguiram elaborar. Fizeram muito por merecer todos os elogios, incluindo da imprensa internacional, chamando a atenção da revista Variety, após a exibição no Festival de Toronto, do Canadá. Que venha o Emmy Internacional!


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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor