A Globo já está há um certo tempo investindo no seu serviço de streaming com o intuito de concorrer com a popular Netflix. Claro que ainda falta muito para se equiparar com a rival que vem apostando cada vez mais no mercado brasileiro, contratando, inclusive, atores da emissora, como Marco Pigossi, por exemplo. No entanto, é visível o empenho da líder em engrandecer a Globo Play com produções de qualidade inquestionável. A mais recente foi Assédio, série de dez episódios que foi disponibilizada no aplicativo no dia 21 de setembro e teve o primeiro exibido nesta segunda-feira (15/10) antes da Tela Quente.

O objetivo da Globo, claro, foi estimular a curiosidade do público e incentivá-lo a assinar a Globo Play. Estratégia parecida com a exibição de The Good Doctor, série americana disponível também no aplicativo da emissora, que teve seus dois primeiros episódios exibidos na televisão. E a emissora fez muito bem. A produção baseada no livro A Clínica: A Farsa e os Crimes de Roger Abdelmassih, de Vicente Viladarga, é um primor e despertou um grande burburinho mesmo estando disponível apenas na internet. Imagine agora que teve seu início exibido para milhões de pessoas. O número de assinaturas certamente aumentará.

Escrita por Maria Camargo, mesma autora que adaptou lindamente o livro Dois Irmãos, em 2017, e dirigida por Amora Mautner, a trama impacta do início ao fim. A história é conhecida e praticamente todos os brasileiros sabem sobre o escândalo do médico especialista em reprodução humana que abusou sexualmente de inúmeras pacientes.

Hoje, inclusive, ele cumpre prisão domiciliar, expondo a ineficiência da justiça brasileira. A preocupação em contar uma história real, mas conseguindo criar bons dramas ficcionais para enriquecer o roteiro, fica evidente a todo instante e a entrega do elenco impressiona. É humanamente impossível não se envolver e sofrer junto com todas as mulheres vítimas do médico monstro.

Antônio Calloni vive o protagonista que na história ganhou o nome de Roger Sadala, conhecido como Doutor Vida. O ator, como já era de se esperar, está magistral e imprimiu um tom sombrio ao personagem, mesclando arrogância com intimidação. Nem cabe questionar a condução mais voltada para o maniqueísmo, pois um sujeito que violenta suas pacientes enquanto estão dopadas, após o tratamento de fertilização, não poderia ser tratado como um tipo complexo. É perfeitamente natural a sua “vilãnização” no enredo. E não poderiam ter escolhido um intérprete melhor. Merece todos os elogios.

O primeiro episódio conta o drama de Stela (Adriana Esteves), mulher que convive há anos com o sofrimento de não engravidar e consegue convencer o marido a pagar um tratamento. Porém, ela não imaginava que aquela dor não era nada perto do trauma que estava por vir em sua vida. Como o formato da série se baseia no protagonismo feminino em cada episódio, há sempre o depoimento da vítima para a câmera em breves cenas que são inseridas ao longo da trama. E o desempenho de Adriana Esteves é irretocável. A atriz transmite o pânico da mulher com total entrega e seu trabalho corporal merece menção – o tremor de suas mãos chega a assustar. Já a cena em que Stela é abusada pelo médico enquanto está sob o efeito da anestesia é uma das mais fortes da série. Chega a embrulhar o estômago.

A direção de Amora Mautner é precisa, valorizando bastante os cenários e os olhares dos atores. O elenco, por sinal, é magnífico. Além do trabalho primoroso de Adriana Esteves e do show de Antônio Calloni, Mariana Lima emociona na pele de Glória Sadala, esposa do médico, e Elisa Volpatto é a grata revelação da série, brilhando em todas as cenas como Mira, repórter responsável pela investigação que arruína a carreira do monstro. Paula Possani, Hermila Guedes e Monica Iozzi são mais algumas atrizes que se destacam vivendo outras vítimas do abusador. Juliana Carneiro da Cunha (Olímpia Sadala), Paolla Oliveira (Carolina), Bianca Muller (Tamires), Denise Weinberg (Julieta), Felipe Camargo (Ronaldo), João Miguel (Odair) e Jéssica Ellen (Daiane) são nomes que também merecem menção.

Assédio é uma produção digna de Emmy Internacional e a Globo acertou em cheio quando resolveu exibir o primeiro episódio para o grande público antes da Tela Quente. Com certeza, muita gente vai se interessar em continuar acompanhar essa macabra história, lamentavelmente baseada em dramas reais. E é praticamente certo que a emissora exiba a produção em 2019 na faixa de séries. Afinal, é um produto rico demais para ficar restrito a um número mais seleto de telespectadores.


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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor