Herança deixada por autor acabou nunca sendo usada pela Globo
22/02/2023 às 11h31
Vítima de um acidente automobilístico em maio de 1999, o autor Dias Gomes deixou uma espécie de herança para a Globo: uma minissérie inédita aos cuidados da emissora.
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A trama sobre os dias que antecederam o suicídio de Getúlio Vargas foi proibida pela Censura do regime militar na década de 1980. Depois, ela foi resgatada por Dias Gomes quando o canal o incumbiu de escrever e supervisionar produções em homenagem aos 500 anos do Brasil.
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Para o projeto, intitulado Vargas, a Globo recontratou o diretor Walter Avancini, então à frente da dramaturgia da Manchete.
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Um tiro no coração
A sinopse de Gomes compreendia os últimos dias de Getúlio Vargas. O Presidente da República cometeu suicídio em 24 de agosto de 1954, enquanto pressões por sua renúncia se acumulavam – em meio ao inquérito que ligava o governo de Getúlio ao atentado contra o líder abolicionista Carlos Lacerda.
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“A peça ‘Vargas’ foi escrita em 1968 e é um musical. Já a minissérie ‘Um Tiro no Coração’ é de 1982 e tem outra linguagem. Na ocasião, sua exibição foi proibida, pois não havia ainda um distanciamento para mexer no assunto. Hoje, 17 anos depois, já há uma visão mais distanciada. Acrescentei algumas coisas no texto”, adiantou Dias em entrevista ao jornal O Globo, em 16 de maio de 1999.
Na mesma edição, o periódico anunciou o convite de Daniel Filho, então diretor da Central Globo de Criação, a Walter Avancini (foto acima), que aguardava os desdobramentos da situação da Manchete, aplacada pela crise que culminou com a falência da emissora e a transferência da concessão para a RedeTV!.
A partida de Dias Gomes
Além de assinar os oito capítulos de Vargas, o dramaturgo coordenava outras quatro minisséries: uma sobre a presença dos holandeses em Pernambuco (de Ferreira Gullar e Marcílio Moraes), outra sobre o líder negro Chico Rei (assinada por Sérgio Marques), a biografia de Castro Alves (por Lauro César Muniz) e a adaptação de A Muralha, de Dinah Silveira de Queiroz (a cargo de Maria Adelaide Amaral).
A empreitada foi interrompida pelo trágico acidente que vitimou Dias Gomes na madrugada de 18 de maio de 1999 – dois dias após o depoimento ao Globo. O táxi onde ele estava com a esposa Bernadeth Lyzio (na foto acima com Dias) fez uma conversão proibida na Avenida 9 de Julho, em São Paulo, e foi atingido por um ônibus. O dramaturgo, sem cinto de segurança, foi arremessado para fora do veículo.
A decisão da Globo
Após o sepultamento de Dias Gomes, Marluce Dias da Silva (foto acima), então diretora-geral da Globo, assegurou a produção de Vargas.
“A minissérie, no meu entender, já estava pronta, mas sabe como são os poetas, eles nunca estão satisfeitos com as suas obras… Temos outros textos inéditos de Dias, como sinopses, ideias para novelas e minisséries, mas nosso projeto prioritário é a minissérie ‘Vargas’ porque era o que mais Dias queria realizar”, declarou ao jornal O Globo de 20 de maio de 1999.
“Estávamos trabalhando para estrear no ano que vem e vamos nos esforçar para que isso aconteça”, garantiu Marluce.
Boas propostas na gaveta
Uma das produções inéditas em questão atendia por Ninguém é de Ninguém, minissérie de 20 capítulos sobre a geração que testemunhou a liberdade sexual e a repressão militar dos últimos anos da década de 1960. Assim como Vargas, a obra ficou restrita ao papel.
A Globo engavetou Vargas ainda em 1999, pelo custo elevado de produção e por enxergar proximidade entre o roteiro e a minissérie Agosto, de 1993.
Os outros projetos voltados à celebração dos 500 anos de Brasil também foram suspensos, com exceção de A Muralha (2000, na foto acima) – de 12 capítulos. A adaptação de Maria Adelaide Amaral passou para 51, tomando o espaço cogitado para as demais tramas.
Walter Avancini, por sua vez, foi deslocado para o horário das seis, onde respondeu pela direção de O Cravo e a Rosa (2000).