No dia 15 de dezembro de 1987, Jô Soares encerrava sua primeira passagem pela Globo, já acertado com o SBT, para onde levou seu Viva o Gordo – então intitulado Veja o Gordo -, “aquecimento” para a transição, no ano seguinte, para o talk-show ‘Onze e Meia’.


JÔ SOARES NO VIVA O GORDO (MEMÓRIA GLOBO)

Em outubro de 1987, Jô tornou-se o artista mais bem pago da televisão brasileira naquela época. O humorista estampou manchetes por causa de uma transação milionária: deixou a Globo, onde estava desde o início dos anos 1970, para ingressar no SBT, atendendo a convite de Silvio Santos, que interrompeu um telejornal para anunciar a contratação.

Os primeiros rumores da negociação surgiram no início de outubro de 1987. No dia 8 daquele mês, Carlos Augusto Manhanelli, então supervisor de comunicação do SBT, anunciou à imprensa que o contrato estava fechado, causando um enorme rebuliço, ainda mais em uma época que não existiam a internet e as redes sociais para confirmar ou desmentir informações desse tipo.

Não há dúvidas de que Jô Soares fica na Globo“, declarou Roberto Irineu Marinho, atual presidente do Grupo Globo, então diretor da emissora. Silvio Santos rebateu, novamente pela imprensa, afirmando que realmente existia um compromisso entre ele e o humorista.

A contratação, enfim, foi oficializada pelo próprio Silvio, no dia 23 de outubro, quando, às 19h15, interrompeu o telejornal Noticentro, entrando ao vivo. “Quero anunciar uma reviravolta na televisão brasileira“, destacou.

Mesmo tendo novo compromisso com o SBT, Jô cumpriu seu contrato normalmente com a emissora carioca e atuou no humorístico até 15 de dezembro de 1987. A saída dele forçou a Globo a criar uma nova opção para a faixa, surgindo a Tela Quente, para exibição de filmes inéditos – o humor foi repaginado com a criação do TV Pirata, também em 1988.

A Folha de São Paulo informou os motivos que levaram Jô Soares a deixar a emissora. “Jô conseguiu no SBT algo que há muito tempo ambicionava: um programa de entrevistas. Junto com a estreia do humorístico, nos moldes do atual Viva o Gordo, Jô apresentará também um programa diário de entrevistas no horário das 23h30“, disse a reportagem.


SÉRGIO MALLANDRO E JÔ SOARES (DIVULGAÇÃO/SBT)

Exigências e detalhes da negociação

A revista Veja de 28 de outubro trouxe alguns detalhes da negociação. O humorista acertou um salário de 2 milhões de cruzados por mês, uma fortuna na época, três vezes mais do que ele ganhava na Globo, além da certeza de ganhar o tão sonhado talk show. “Esperei anos e anos na Globo pela possibilidade de fazer esse programa, e nunca consegui“, declarou.

Na lista de exigências que Jô fez para Silvio Santos, todas foram aceitas: levar os redatores Max Nunes e Hilton Marques, boa parte do elenco de apoio do Viva o Gordo, a contratação de um alfaiate que trabalhasse em tempo integral na confecção de suas roupas, 45 chamadas semanais para anunciar seus shows e passagens da ponte aérea Rio-São Paulo, já que morava no Rio e atuaria em São Paulo, onde fica o SBT.

O título Viva o Gordo não poderia ser utilizado na atração, mas Jô registrou Gordo Vivo e Veja o Gordo – prevaleceu o segundo. O humorístico ficou no ar até 1990. Já o Jô Soares Onze e Meia iniciou sua trajetória dia 17 de agosto de 1988 e foi até 30 de dezembro de 1999, com 6.927 entrevistas realizadas em 2.309 edições.

Estratégia

A contratação de Jô Soares marcou o início de uma agressiva estratégia de Silvio Santos para qualificar a audiência do SBT e atrair a atenção dos maiores anunciantes do País. A emissora tinha certo Ibope, mas ainda não registrava grande faturamento, principalmente devido aos seus programas popularescos.

Foi o início da fase de ouro do SBT, que, satisfeito com a vice-liderança no ranking das emissoras, partiu para cima da Globo, ação semelhante a executada pela Record a partir de 2004. Em 1986, um ano antes de Jô Soares, foi contratada Hebe Camargo. Em maio de 1987, estreou A Praça é Nossa, com Carlos Alberto de Nóbrega, e, em 1988, chegaria Boris Casoy com o TJ Brasil, entre outras novidades.

O Chico Anysio seria muito intelectualizado para o público do SBT e, se eu levasse Os Trapalhões, diriam que sou popularesco, disse Silvio Santos à Veja na época.

A Globo, por sua vez, achou melhor perder Jô Soares, talvez pensando que ele voltaria pouco depois, como aconteceu com Sérgio Chapelin e outros nomes, e também para não ter prejuízo com outros artistas. “Achamos oportuno não fazer uma contraoferta milionária a Jô, pois todos os grandes nomes do elenco global pediriam equiparação de salário“, declarou Edvaldo Pacote, da direção da emissora, também à Veja.

A revista fechou a reportagem com uma observação pertinente, mas que não vingou nesse caso. “A Jô Soares cabe apostar em seus novos programas e torcer para que não recaia sobre ele a maldição que acomete a maioria das estrelas que deixam a Globo – ter que voltar à antiga casa para não perder o brilho e o público“. Ele voltou para a Globo somente em 2000, onde comandou o Programa do Jô até dezembro de 2016.


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Thell de Castro

Apaixonado por televisão desde a infância, Thell de Castro é jornalista, criador e diretor do TV História, que entrou no ar em 2012. Especialista em história da TV, já prestou consultoria para diversas emissoras e escreveu o livro Dicionário da Televisão Brasileira, lançado em 2015 Leia todos os textos do autor