A Record, que hoje coleciona feitos inéditos com Os Dez Mandamentos e A Terra Prometida e se prepara para lançar O Rico e o Lázaro, começou a investir em histórias bíblicas há exatamente 20 anos. Entre 1997 e 1998, foram exibidas dez atrações de cunho religioso, entre novelas e minisséries, mas longe da repercussão (e da qualidade) que alcançou recentemente com a saga de Moisés (Guilherme Winter) e sua luta pela libertação dos hebreus.


PATRÍCIA DE SABRIT (REPRODUÇÃO/YOUTUBE)

Naquela época, a produção que mais chamou a atenção do público e da crítica foi a trash A Filha do Demônio, que chegou a alcançar cinco pontos no Ibope. As histórias eram baseadas em depoimentos de fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus.

Com direção de Atílio Riccó, A Filha do Demônio inaugurou a “safra”. Foi ao ar entre 3 e 7 de março de 1997, às 20h, dentro da faixa Série Verdade. No elenco, tinha Patrícia de Sabrit, João Vitti e Luiz Carlos de Moraes. Sabrit interpretava uma jovem que teve a alma vendida ao Diabo pelo pai.

Matéria de Daniel Castro na Folha de S.Paulo de 2 de março daquele ano informava que a própria emissora assumia que a produção era trash: “A minissérie é assumidamente ‘mexicana’. Assim como as novelas da Televisa, a produção que marca a volta da Record à teledramaturgia tem atuações carregadas, às vezes grotescas e caricatas, e texto que se sustenta na dicotomia bem versus mal. O esforço pela ‘mexicanização’ acabou deixando a minissérie mais trash do que os dramalhões da Televisa”.

A Filha do Demônio tinha cenas chocantes, mas, ao mesmo tempo, hilariantes: um bebê acordando no berço com seu corpo todo coberto de minhocas e vermes, uma menina matando um cachorro e bebendo seu sangue (“tão aguado que mais parece suco artificial”), ou o diabo bebendo o sangue de uma moça em ritual satânico (“só que a moça, embora esfaqueada no coração, continua respirando”).


A FILHA DO DEMÔNIO (REPRODUÇÃO/YOUTUBE)

Na mesma Folha de S.Paulo, três dias depois, Marcelo Rubens Paiva destacou que a minissérie “era tão ruim que era ótima”. “Os cenários são escarnecidos, os efeitos especiais, grotescos, os diálogos, impagáveis. A Record descobriu a pólvora. Com suas limitações, não dá para imitar a Globo. Não há recursos para uma produção sofisticada. Resolveu, então, partir para um estilo próprio, escancarado. Está de parabéns. E engole em seco aquele que imaginava que o gênero havia se esgotado”, escreveu.

Na sequência, foram produzidas as minisséries Olho da Terra, Por Amor e Ódio, O Desafio de Elias e Alma de Pedra e novelas como Janela para o Céu, Velas de Sangue e A Sétima Bala.

À revista Contigo de 14 de outubro daquele ano, os autores Paulo Cabral e Lilinha Viveiros declararam que não era obrigatório citar a Universal em todos os capítulos. “A ideia da religiosidade está embutida. A salvação deles sempre acontece de forma cristã, sem especificar a doutrina”.

A última produção do gênero foi a primeira versão de A História de Ester, exibida entre 14 e 25 de dezembro de 1998, com dez capítulos.

Em 1999, a Record deixou essas tramas de lado e produziu Louca Paixão, remake de 2-5499 Ocupado, primeira novela diária da televisão brasileira. O gênero bíblico foi retomado em 2010, com nova versão de A História de Ester. E com orçamento e pretensões muito mais abundantes…

Confira no vídeo abaixo um capítulo completo da minissérie:


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Thell de Castro

Apaixonado por televisão desde a infância, Thell de Castro é jornalista, criador e diretor do TV História, que entrou no ar em 2012. Especialista em história da TV, já prestou consultoria para diversas emissoras e escreveu o livro Dicionário da Televisão Brasileira, lançado em 2015 Leia todos os textos do autor