Entre 2013 e 2014, a Globo teve duas reações em relação à Além do Horizonte. Expectativa em 3 de novembro de 2013, quando a trama estreou, e alívio em 2 de maio de 2014, portanto há sete anos, quando terminou.

A novela dos estreantes Carlos Gregório e Marcos Bernstein foi mais uma tentativa de sair da mesmice e ousar para apresentar algo diferente ao telespectador. A emissora aprovou a sinopse da dupla de autores que resolveu contar uma história bem diferente das comédias românticas do horário das sete. Mas, lamentavelmente, a ideia não funcionou e nada saiu como o esperado. O resultado foi um conjunto de erros que prejudicou o desenvolvimento da trama, ainda que tenha sido amenizado após algumas mudanças ao longo dos meses.

A premissa da história era o mistério que envolvia o desaparecimento de várias pessoas, que sumiam após a busca de um suposto caminho para a felicidade. Paralelamente a isso, havia Tapiré, uma cidade interiorana (vizinha da Comunidade onde habitavam todos os ‘desaparecidos’), dominada por uma espécie de milícia, liderada por Kleber (Marcello Novaes), que amedrontava o povo espalhando boatos de uma ‘besta’ que vivia na mata e assassinava todos que iam até a floresta. Mas a tal besta era ele, um sujeito que não tinha pena de eliminar suas vítimas.

Ou seja, o enredo principal da novela não era nada leve e muito menos cômico, como o público do horário estava acostumado. Portanto, para prender a atenção e conquistar novos telespectadores, a história precisava envolver quem assistia através de vários conflitos, bom ritmo e ganchos interessantes. Porém, não foi o que aconteceu.

A trama, além de inicialmente confusa, demorou muito a engrenar e a lentidão incomodava. As explicações filosóficas a respeito do que era a felicidade só ajudaram a afastar ainda mais o público, prejudicando os números de audiência de forma gradativa.

Ainda faltava um envolvimento amoroso que realmente empolgasse. O par principal (Lili – Juliana Paiva e William – Thiago Rodrigues) não funcionou e, apesar do bom trabalho da atriz, o ator, ao contrário dela, não convenceu em cena e nem conseguiu aguentar o peso de um protagonista. Para culminar, os demais personagens centrais (Paulinha – Christiana Ubach e Rafa – Vinícius Tardio) não tinham nada que despertasse algum interesse e os intérpretes (que viraram meros coadjuvantes) também não ajudavam. O único que se salvava era Marlon, um cientista tímido e inteligente, bem interpretado por Rodrigo Simas.

Outro problema foi a demora na entrada dos atores veteranos. Antônio Calloni, Carolina Ferraz, Alexandre Nero, Cláudia Jimenez (afastada logo depois por problemas de saúde) e Cássio Gabus Mendes, por exemplo, só entraram na novela após algumas semanas e a ausência de pelo menos alguns nomes de peso acabou sendo mais um ponto negativo na obra. Não foram poucos os que criticaram o excesso de atores inexperientes no elenco.

E mais um erro facilmente identificado foi a falta de relevância dos núcleos paralelos. Ficava claro que todas aquelas histórias haviam sido criadas exclusivamente para ‘encher linguiça’, ou seja, ganhar tempo enquanto o núcleo principal não se desenvolvia como deveria, já que os segredos e ‘mistérios’ precisavam ser guardados pelo menos até a metade da trama. A impressão causada, inclusive, era de que aqueles personagens —– Heloísa (Flávia Alessandra), Thomaz (Alexandre Borges), Inês (Maria Luisa Mendonça), Marcelo (Igor Angelkorte), Priscila (Laila Zaid), Fernanda (Day Mesquita), André (Caco Ciocler), Sandra (Karen Coelho), Álvaro (Rômulo Estrela) e (Guilherme Fontes), por exemplo —– estavam em uma novela à parte. Os atores citados, inclusive, não tiveram oportunidade de destaque.

Entretanto, os autores conseguiram melhorar o folhetim com algumas mudanças. A união de Marlon e Lili foi um grande acerto e a trama finalmente passou a ter um casal que valia a pena torcer. Aproveitando-se da química entre Rodrigo Simas e Juliana Paiva (vista em “Malhação” com Bruno e Fatinha), a história ganhou muito em termos de romance. E a junção de Priscila com Marcelo foi outra boa sacada. O par também funcionou e a dupla ainda virou o principal foco de comicidade, outra característica que estava faltando na obra.

As irmãs de Tapiré —- Ana Selma (Luciana Paes), Ana Rita (Mariana Xavier) e Ana Fátima (Yanna Lavigne) —-, que nos primeiros meses ficaram sem muita função e as situações pretensamente cômicas que as envolviam não eram nada engraçadas, ganharam importância quando as três vieram para o Rio de Janeiro. Foi a partir desta mudança que o trio ficou interessante. Enquanto Fátima começou a ter sua própria trama dramática, Selma e Rita se transformaram em uma dupla impagável, que tentava ser famosa a todo custo gravando vídeos para a internet.

E as situações envolvendo o núcleo da Comunidade começaram a ficar bem mais atraentes através da vilania de LC, que virou um dos grandes atrativos da produção com o show de Antônio Calloni. Esse personagem, inclusive, é o melhor de sua carreira na televisão. A parceria dele com Carolina Ferraz (Tereza) também foi ótima, assim como as cenas ao lado de Juliana Paiva.

Porém, as mudanças feitas na história, mesmo sendo muito positivas, causaram uma espécie de efeito colateral. Alguns personagens simplesmente desapareceram da trama sem grandes explicações e com isso atores foram desrespeitados. O caso de maior gravidade foi com o talentoso ator e dublador Isaac Bardavid, intérprete do pescador alcoólatra Klaus. O papel sumiu e só foi reaparecer novamente na reta final. Ainda assim, em poucas cenas. Outros personagens que desapareceram, ou ficaram sem função, e só ressurgiram nos capítulos finais foram: Matias (Begê Muniz), Romildo (Eliseu Paranhos), Jéssica (Jacqueline Sato), João José (Diego Homci), José João (Tiago Homci), Osvaldo (João Camargo), Olívia (Cristine Peron) e Flávio (Guilherme Fontes).

Apesar deste desagradável reflexo das alterações realizadas na obra, os resultados positivos foram muito maiores e este fato foi comprovado na reta final da novela. Os capítulos estavam eletrizantes e repletos de sequências tensas, com direito a vários embates, conflitos e brigas. Todo dia havia a sensação de que o telespectador estava assistindo ao último capítulo. A cena da invasão da Comunidade foi feita com maestria e os atores deram um show. Parecia um bom filme de aventura.

O último capítulo conseguiu encerrar a novela em grande estilo. O desfecho de LC foi grandioso e honrou a importância do vilão e o talento de seu intérprete. Antônio Calloni brilhou absoluto no momento final, quando o mentor da Comunidade injeta a droga alucinógena nele mesmo e entra na máquina da felicidade, que explode em seguida. A cena de todos os personagens estáticos e chorando, vendo o lugar, que em tese daria alegria às pessoas, em chamas, também impressionou.

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Já os casamentos coletivos em Tapiré divertiram, assim como o hilário nascimento dos quadrigêmeos de Priscila e Marcelo. O momento em que Tereza acorda do transe e percebe que está na cadeia foi outro grande desfecho escrito pelos autores. E a cena final primou pela emoção. Juliana Paiva e Rodrigo Simas estavam claramente emocionados na sequência onde Marlon revela que encontrou a cura para o efeito da máquina e se declara para Lili. O casal, que virou um dos destaques da história, se beijou ao som de Receive, de Alanis Morissette, e foi bonito de se ver. Vale aplaudir ainda a última cena, relembrando a infância de Lili com LC, onde a filha dizia que amava o pai e ele também declarava seu amor. Um fim que evidenciava a felicidade do grande vilão, que arruinou sua vida e a de outras pessoas justamente por causa da busca por algo que já tinha.

E os grandes destaques da novela foram: Antônio Calloni, que viveu seu melhor momento na carreira; Juliana Paiva, que honrou a posição de protagonista; Rodrigo Simas, que virou o mocinho da novela graças ao seu desempenho; Mariana Rios, que defendeu uma brava Celina com competência; Carolina Ferraz, que deu um show na pele da odiosa Tereza; Luciana Paes e Mariana Xavier, que se destacaram com as impagáveis Ana Selma e Ana Rita; JP Rufino, que foi uma grata revelação vivendo o esperto Nilson; Cássio Gabus Mendes, que soube imprimir um tom ingênuo ao Líder Jorge; Alexandre Nero, que fez um agressivo Hermes; Laila Zaid e Igor Angelkorte, que funcionaram plenamente juntos; e Marcello Novaes, que interpretou um Kleber maquiavélico e depois regenerado com o mesmo talento. Pena que atores talentosos como Flávia Alessandra, Caco Ciocler e Maria Luisa Mendonça foram desperdiçados e só conseguiram boas cenas no final da trama.

Dirigida por Gustavo Fernandez e escrita pelos estreantes Carlos Gregório e Marcos Bernstein, “Além do Horizonte” terminou com uma média geral de 21 pontos, índice pífio e o pior do horário das sete até então —- “Sangue Bom” e “Guerra dos Sexos”, outras novelas que não foram bem sucedidas, ficaram com 25 e 23 pontos, respectivamente. O fracasso, no entanto, se deve principalmente ao início fraco e confuso, onde quase nada de interessante acontecia para prender o telespectador.

Após as mudanças, a trama melhorou significativamente e a reta final empolgante provou que o enredo funcionaria melhor em uma série com pouco menos de 30 capítulos, do que em uma novela com mais de 100. Foi uma história central certa e inovadora em um formato errado.

Mas, apesar dos equívocos e de todos os problemas, o folhetim chegou ao fim apresentando um saldo bem melhor do que era esperado. A ousadia, no fundo, valeu a pena e deixou lições importantes para futuras produções que venham a buscar um caminho diferente na teledramaturgia.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor