Há 17 anos, Globo tentou fazer nova Tropicaliente, mas se deu mal

Como Uma Onda nasceu de uma encomenda da Globo ao autor Walther Negrão: a emissora ensaiava repetir os números, de audiência e de vendas para o exterior, alcançados por Tropicaliente (1994), também escrita por ele. A temática “praiana” é recorrente na carreira de Negrão: em Top Model (1989), havia o núcleo do surfista Gaspar (Nuno Leal Maia), instalado nas areias do Rio de Janeiro, ambiente comum a Sol Nascente (2016); já Flor do Caribe (2013) explorou as paisagens do Rio Grande do Norte.

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Em ‘Onda’, optou-se por explorar o litoral de Santa Catarina; especificamente, a capital, Florianópolis. Talvez esteja aí a grande diferença para Tropicaliente – e a razão do êxito de uma e do insucesso da outra: as praias do Sul não pareciam tão convidativas quanto as do Nordeste. O clima do Ceará soava mais propício à exploração de corpos seminus, flamejando em chamegos a beira-mar.

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Em comum com a “novela inspiradora”, o pescador Manjubinha (Paco Sanches). Em Tropicaliente, o personagem contava com um núcleo familiar, formado pelas filhas Benvinda (Giovanna Antonelli) e Berenice (Daniela Escobar). Em Como Uma Onda, servia de “orelha” ao saliente Pedroca (Tato Gabus), que flertava com todas as turistas, driblando a vigilância da esposa Idalina (Louise Cardoso).

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Outras particularidades da obra de Walther Negrão, além da ambientação, puderam ser notadas aqui. Figuras comuns em seus elencos – Elias Gleizer (Velho Bartô), Herson Capri (Sandoval) e Laura Cardoso (Francisquinha), como exemplos; nomes de personagens recorrentes – Lenita (Mel Lisboa), de Cavalo de Aço (1973, com Arlete Salles), Despedida de Solteiro (1992, com Tássia Camargo), Araguaia (2011, com Aninha Lima) e Sol Nascente (com Letícia Spiller).

O vilão Jorge Junqueira (Henri Castelli) mantinha o hábito do autor de dar nome e sobrenome aos seus malvados com a mesma inicial: Sérgio Santarém (Marcos Paulo), em Despedida de Solteiro; Vitor Velásquez (Selton Mello), em Tropicaliente; Marco Monterrey (Herson Capri), em Anjo de Mim (1996); Max Martinez (Lima Duarte), em Araguaia; e Alberto Albuquerque (Igor Rickli), em Flor do Caribe.

J.J. também era o nome do empresário vivido por Jorge Dória em Livre Para Voar (1984); e do treinador de cavalos interpretado por João Carlos Barroso em Era Uma Vez… (1998).

Pela primeira vez, a Globo entregava o protagonismo de uma novela a um ator português. No caso, Ricardo Pereira, já experiente em seu país – tendo participado, inclusive, de A Senhora das Águas (2001), onde contracenou com os brasileiros Oscar Magrini e Juliana Baroni. O intérprete de Daniel Cascaes contou com a presença de dois conterrâneos: Joana Solnado como Almerinda, namorada de Daniel no início, conhecida por aqui devido à exibição de Morangos com Açúcar, espécie de Malhação “da terrinha”, veiculada pela Band no início de 2004. E de Antônio Rodrigues, intérprete do Almirante Figueroa, pai de Almerinda que se opõe ao namoro da moça.

A personagem de Laura Cardoso, Francisquinha, era descendente de portugueses. A atriz já havia interpretado tipo similar (Dona Carolina) em outro trabalho de Negrão, Livre Para Voar. Na ocasião, o autor colocou Portugal no circuito para reverenciar a mãe da atriz, portuguesa.

Como Uma Onda marcou o retorno de Mel Lisboa à Globo. A atriz, revelada em Presença de Anita (2001), havia sido contratada pelo SBT para protagonizar A Outra, com direito a papel duplo; por conta do orçamento, o projeto foi para a gaveta. Foi também a primeira protagonista de Alinne Moraes (Nina), após trabalhos bem-sucedidas: a estudante Rosana, de Coração de Estudante (2002); a homossexual Clara, de Mulheres Apaixonadas (2003); e a surfista Moa, de Da Cor do Pecado (2004).

Os nomes inicialmente pensados para as protagonistas Nina e Lenita, contudo, foram os de Priscila Fantin – destaque como Olga, em Chocolate com Pimenta – e Deborah Secco – vinda do sucesso de Darlene, em Celebridade (2003). Priscila, porém, estava reservada para a novela substituta, Alma Gêmea (2005); já Deborah foi recrutada para América (2005), cartaz das 20h.

Outras duas baixas: Lima Duarte, recém-saído de Da Cor do Pecado, às 19h, foi escalado para viver Sinésio Paiva, pai de Nina e Lenita; Hugo Carvana o substituiu. Isabela Garcia era dada como certa no papel de Encarnação, a bondosa irmã de JJ; grávida, deixou a produção, que convocou Bianca Byington.

Já Marcos Caruso foi escalado por conta de sua semelhança física com o Dr. Dráuzio Varela. Seu personagem, Dr. Prata, era uma homenagem ao médico.

As primeiras cenas da novela – narradas pelo ator Paulo José – foram gravadas em Portugal. Mais precisamente nas cidades de Braga, Guimarães e Porto, em locações como o Castelo de Guimarães, o Paço dos Duques de Bragança, o Mosteiro de Tibães e o Farol da Foz, no rio Douro. O Vídeo Show acompanhou as filmagens durante duas semanas.

Também serviram como locações as praias catarinenses de Armação, Barra da Lagoa e Joaquina, além da indústria de pescado Pioneira da Costa – localizada embaixo da ponte Hercílio Luz, em Florianópolis. A Globo levou para Santa Catarina cerca de 45 pessoas da equipe de produção; além de contratar mão-de-obra local, como empresas de transporte e vigilância. Para uma cena rodada na Praça XV de Novembro, a figuração especialíssima do grupo teatral Tá na Rua, de Amir Haddad. O ator foi mantido na produção: era o mendigo Menez, homem ligado ao passado de JJ e Sandoval.

A vila de pescadores, contudo, foi construída na foz do Rio Picinguaba, no canto da Praia da Fazenda, ao norte de Ubatuba, litoral norte de São Paulo. A Globo foi questionada por ter levantado sete edificações no local, pertencente a uma área de preservação ambiental, o Núcleo Picinguaba do Parque Estadual da Serra do Mar. A direção da entidade salientou que não se tratava de construções, mas de “cenários”. E que a emissora evitou o impacto ambiental impedindo a circulação de veículos na área de vegetação e contando com pesquisadores durante a montagem das casas cenográficas, feita na areia. A população local participou da trama, na figuração; já os banhistas se queixaram da interdição da praia, necessária para as gravações.

Outra cidade cenográfica foi erguida na Restinga da Marambaia, no Rio de Janeiro. E mais uma na Central Globo de Produção – antigo Projac; hoje Estúdios Globo – também reproduzindo a vila de pescadores. Destaque também para a caverna do Velho Bartô, montada numa “floresta” da CGP. E para o barco – que funcionava como uma casa flutuante – de Querubim (Dudu Azevedo) e Quebra-Queixo (Ernani Moraes).

O casarão onde morava a família Paiva já havia servido de locação para produções como Roda de Fogo (1986), O Sexo dos Anjos (1989), História de Amor (1995), Zazá (1997), Brida (1998, Manchete) e Andando Nas Nuvens (1999). Assim como as casas de JJ e Dr. Prata, a construção está localizada no Alto da Boa Vista, zona norte do Rio de Janeiro.

A caracterização apostou num visual similar ao da dupla Shazan (Paulo José) e Xerife (Flávio Migliaccio), da novela O Primeiro Amor (1972) – também de Walther Negrão – na composição do figurino de Querubim e Quebra-Queixo. Já o Velho Bartô, sempre acompanhado das crianças do elenco, pediu um vestuário de contos infantis. Dona Francisquinha tinha no escritor português Eça de Queiroz a inspiração para suas vestimentas: meias pretas e sapatos de freira.

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Quebra-Queixo estava sempre acompanhado de Cachorra, uma vira-lata que também morava em seu barco. A proximidade do animalzinho – que, na “vida real”, atendia por Afrodite – com o ator causou reações na mãe dele: ela se queixou das cenas em que a cadelinha lambia a boca de Ernani, porque “cachorro também lambe cocô”.

Laura Cardoso usou como referência o filme Perfume de Mulher (1992), de Martin Brest, estrelado por Al Pacino (como um deficiente visual), para criar a cega Francisquinha. Já Sérgio Marone (Rafael), Fernanda de Freitas (Amanda) e Nill Marcondes (Samuca) tiveram aulas de mergulho; os três eram instrutores do esporte na ficção. Maria Fernanda Cândido (Lavínia), Cauã Reymond (Floriano) e Sheron Menezes (Rosário) fizeram aulas de zouk, dança sensual caribenha, de passos próximos ao da lambada, para as cenas em que dançavam na praia.

O autor Walther Negrão e o diretor Dennis Carvalho não trabalhavam juntos desde Nino, O Italianinho (1969), na Tupi – nos tempos em que Dennis privilegiava a carreira de ator.

Para Como Uma Onda, Carvalho levou boa parte dos profissionais que estiveram com ele em Celebridade – de diretor de fotografia a produtores de arte. Também escalou atores que fizeram pontas no folhetim para papéis de peso: Sheron Menezzes – Iara, a empregada de Maria Clara Diniz (Malu Mader) às 20h, surgia como a empoderada Rosário; Thaís Garayp – que, em Celebridade, vigiou a porta do banheiro para que Maria Clara surrasse Laura (Cláudia Abreu) “em paz” – vivia Biga, a fiel escudeira dos Paiva, “dona do segredo” sobre a origem de Lenita.

Como Uma Onda se revelou uma aposta ousada da Globo, por vir na sequência de dois dos maiores sucessos das 18h na década de 2000, ambos “de época”: Chocolate com Pimenta (2003), de Walcyr Carrasco, com média final de 35,4 pontos na Grande São Paulo; e Cabocla (2004), remake da obra de Benedito Ruy Barbosa, com 34,1.

A trama contemporânea não correspondeu a contento. Foram 27,1 pontos de média final. O primeiro capítulo registrou 33 pontos, com share (participação no número de televisores ligados) de 52%.

Pequenas correções de rota foram feitas no decorrer da narrativa. Do ingresso de novos personagens – como a médica Virgínia (Mila Moreira) e o detetive, e ex-presidiário, Robusto (Antônio Grassi) – até o novo destino de Amarante (Kadu Moliterno); o marido de Lavínia era dado como morto após um acidente com seu barco, mas acabou ressurgindo, desmemoriado e sob os cuidados de Ylana (Amandha Lee), para formar um triângulo amoroso com a esposa e Sandoval.

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Walther Negrão acabou desistindo de fazer Júlia (Maytê Piragibe), produção independente de Lavínia, encontrar o pai. A sinopse previa uma tentativa do homem de violentar a própria filha. Obrigado a reescrever os capítulos em que esta sequência seria exibida, por conta do afastamento de Maytê por questões de saúde, o autor preferiu deixar o entrecho de lado, por considera-lo pesado para o horário.

O triângulo amoroso formado por Daniel, Nina e JJ – chantageada, ela se casa com o vilão – foi transformado em quadrado quando Almerinda, grávida de sete meses, desembarcou no Brasil. O português se reaproximou da ex, acometida por um aneurisma cerebral. Na reta final, Almerinda se acerta com João Gabriel (Leonardo Vieira), deixando o caminho livre para Daniel e Nina.

Já Lenita deixou a trama central ao ganhar, digamos, uma “paralela” para chamar de sua. Ela descobre que Biga foi sua ama de leite e, encafifada, começa a questionar a mãe, Mariléia (Denise Del Vecchio), sobre o aleitamento e a ausência de fotos dela quando grávida da “filha do meio”. Lenita descobre então ser filha de Ana Amélia (Débora Olivieri), a mãe de Encarnação e JJ – que desembarcou em Florianópolis ao saber que o herdeiro havia se casado com uma das meninas dos Paiva, julgando ser Lenita a escolhida. Nos últimos capítulos, a vilãzinha conheceu o pai, Fernando (Gracindo Jr, em participação especial).

A paraplegia de Rafael também ganhou destaque; o operador de mergulho se acidente no exercício da profissão. As dificuldades que o rapaz enfrenta acabam por unir a família, abalada pelo envolvimento de Prata com Virgínia – o que leva a esposa do médico, Alice (Débora Duarte), a deixar o lar e batalhar a própria renda e ao desequilíbrio do filho Conrado (Gustavo Haddad), envolvido com Carol (Larissa Queiróz), filha de Virgínia.

Nas últimas semanas, JJ caiu do alto de um penhasco, ao se assustar com o avanço de um caminhão frigorífico sobre ele. Nina, sequestrada pelo vilão, estava trancafiada dentro do veículo. A identidade do motorista, na hora da morte do malvado, foi mantida em sigilo até o último capítulo: foi Menez quem, na tentativa de tirar o veículo do local, acabou se atrapalhando e o jogando contra JJ. O filho do mendigo foi vítima de Jorge Junqueira num acidente de trânsito. O pai do bandido prometeu uma boa quantia e um bom advogado para que Sandoval, motorista da família, assumisse a culpa pelo ocorrido. Só que, no fim das contas, tudo não passava de um manobra do playboy e de seu genitor para afastar Encarnação de seu amado. JJ foi a principal testemunha de acusação contra o motorista, que passou sete anos na cadeia.

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Sete anos de reclusão – e a consequente liberdade condicional, com o preso partindo em busca de vingança – também é mote recorrente na obra de Walther Negrão. Situação similar ocorreu em Despedida de Solteiro, Vila Madalena (1999) e Flor do Caribe.

Apesar da pouca repercussão no Brasil, Como Uma Onda fez sucesso no exterior. Foi adquirida por 13 países em menos de um ano, após o lançamento no mercado internacional, em abril de 2005. A trama também foi reapresentada pela Globo Portugal.

Hit de Lulu Santos e Nelson Motta, ‘Como Uma Onda’, lançada em 1983, embalava a abertura. Mas nas vinhetas de intervalo, o som era de ‘Pra Você Eu Digo Sim’, versão de Cídia e Dan – revelados no programa Fama – para uma canção dos Beatles. ‘Jardim de Cores’, da banda LS Jack, também chegou a ser utilizada nas passagens para o intervalo.

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