Com duas novelas em uma, Globo se deu bem com trama que estreava há seis anos

13/07/2021 às 12h15

Por: Sergio Santos
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Após ter escrito três folhetins na faixa das seis (a boa Eterna Magia, a irregular Escrito nas Estrelas e a fraca Amor Eterno Amor), Elizabeth Jhin mandou bem. Além do Tempo estreava há exatamente seis anos, no dia 13 de julho de 2015. Alguns meses depois, em janeiro de 2016, terminava apresentando um desfecho lindo, onde todos os personagens confraternizaram em uma bela festa, com todos felizes e evoluídos, após tantos sofrimentos e mágoas.

A trama, dirigida com competência por Rogério Gomes e Pedro Vasconcelos, foi excelente e conseguiu substituir a primorosa Sete Vidas da melhor forma possível, mantendo a qualidade do horário e obtendo uma média geral de 20 pontos (um a mais que a anterior).

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A história era baseada na reencarnação, abordando o espiritismo, tema que a autora já havia retratado em suas duas novelas anteriores. O enredo se tratava de um dramalhão clássico, onde todos os clichês folhetinescos eram usados sem qualquer vergonha. Porém, Elizabeth ousou e entrou para a história da teledramaturgia contando sua trama em duas fases distintas, onde cada uma teve início, meio e fim.

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Novela teve duas fases

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A primeira foi ambientada no século XIX, por volta de 1895, e a outra contada em 2015, com todos os perfis reencarnados, com os mesmos nomes, em uma cidade fictícia do Sul. Nunca antes um folhetim sobre vidas passadas havia apresentado o roteiro dessa forma inovadora.

Foi uma novela ‘duas em uma’. Uma de época, com desenvolvimento impecável, figurino caprichado e enredo envolvente. E outra contemporânea, com um início um pouco lento, cuja quebra de ritmo pôde ser claramente sentida, mas que ganhou fôlego perto da reta final, conseguindo se mostrar tão atrativa quanto a anterior.

Aliás, a autora foi muito corajosa ao mudar drasticamente seu folhetim, mesmo com a fase ambientada no século XIX sendo tão bem aceita pelo público. E ela acabou fazendo jus ao título de sua obra, mostrando que nada é resolvido em uma vida só e que há muitos sentimentos que ultrapassam o tempo.

A trama da primeira fase teve 87 capítulos, mas inicialmente não estava previsto esse número. A fase fez tanto sucesso que acabou estendida duas vezes, durando bem mais tempo do que se imaginava. Todo o clima de época, incluindo a presença de uma elegante e poderosa Condessa, interpretada magistralmente por Irene Ravache, conquistou o telespectador.

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Mudança de rumo de Emília

Outra peculiaridade foi a mudança de rumo de Emília. A personagem estava prevista para morrer nas primeiras semanas, só voltando na segunda fase. Mas Ana Beatriz Nogueira teve um desempenho tão admirável que a autora mudou o desfecho, mantendo a atriz do início ao fim das duas fases. E fez muito bem.

O enredo ambientado por volta de 1895 era um folhetim rasgado. Os mocinhos (Lívia e Felipe – Alinne Moraes e Rafael Cardoso), ele rico e ela pobre, precisaram lutar pelo amor que sentiam enfrentando dois vilões terríveis (Melissa e Pedro – Paolla Oliveira e Emílio Dantas), passando ainda por cima da rivalidade entre as famílias, provocada pelo ódio entre Emília di Fiori e Vitória Castellini. Tudo em busca do tão sonhado final feliz. Uma situação clássica e que, quando bem conduzida, sempre atrai. A autora soube desenvolver todo o conjunto muito bem e dava gosto de assistir aos desdobramentos na vida daqueles personagens.

O figurino de época enchia os olhos, assim como o capricho dos cenários, havendo também a preocupação da luz de velas em todos os ambientes, uma vez que não ainda havia eletricidade. A frieza da Condessa e sua busca incessante pelo filho Bernardo (Felipe Camargo); o desenvolvimento do romance de Lívia e Felipe; os planos de Melissa com a mãe Dorotéia (Júlia Lemmertz) e o irmão Roberto (Rômulo Estrela); a amargura da governanta Zilda (Nívea Maria) e suas constantes brigas com o filho Afonso (Caio Paduan); a crueldade do asqueroso Bento (Luiz Carlos Vasconcelos) e sua obsessão pela cozinheira Rosa (Carolina Kasting); a comicidade presente na família de Mássimo Pasqualino (Luis Melo); o lindo amor surgido entre Gema (Louise Cardoso) e Raul (Val Perré); o imenso rancor de Emília e seus embates com Vitória; enfim, tudo funcionou a contento, fazendo da novela uma produção impecável.

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Reta final teve sequências avassaladoras

A reta final da primeira fase fez jus ao todo, presenteando o público com sequências avassaladoras. O momento que a Condessa atira no próprio filho foi impactante, ao mesmo tempo que primou pela emoção todo o desenvolvimento do imenso amor que surgiu entre Vitória e a neta Lívia. Foi a mocinha, inclusive, a responsável pelo amolecimento do coração da avó. A linda fuga da protagonista com Felipe, no dia do noivado do Conde com Melissa, remetendo aos contos de fadas, também foi uma sequência memorável. O aguardado abraço que Lívia deu em Vitória, para o desgosto de Emília, foi outro grande momento.

Já todas as cenas derradeiras do quarteto central em um penhasco tiraram o fôlego do público. O instante que Pedro e Felipe fazem um duelo de esgrima, enquanto Melissa empurra a rival desfiladeiro abaixo, impressionou pelo alto nível de tensão. O mesmo vale para a hora que o vilão mata a ex de Felipe com um golpe certeiro de espada e assassina o mocinho, fazendo o inimigo cair com Lívia abraçada a ele.

E a mudança de fase foi uma das sequências mais aguardadas da produção, honrando a expectativa do telespectador. Tanto que foi uma das maiores audiência da novela. A cena em que Lívia opta por morrer afogada ao lado do seu grande amor — em uma clara alusão ao clássico Romeu e Julieta —, sendo imediatamente engolida pelas águas, enquanto o tempo é bruscamente alterado, já exibindo os mocinhos se encontrando em uma estação de metrô (mais de 100 anos depois), foi impecável. Tudo ao som da bela música Together, do grupo The XX. Um momento que entrou para a história, sem exagero. Toda a química entre Alinne Moraes e Rafael Cardoso, aliás, ajudou a deixar aquele instante ainda mais arrepiante.

A autora conseguiu fazer uma transição de fase primorosa, deixando toda aquela situação claramente absurda e fantasiosa, (por que não?) crível. Por um momento, mesmo que rápido, até o mais cético espectador se viu tocado por uma ligeira esperança de recomeço.

E o início da segunda fase se mostrou extremamente atrativo em virtude dos reencontros de todos, com muitos deles reencarnados de uma forma diferente —- vide Zilda (extremamente amorosa), Emília (milionária e fria) e Vitória (sofrida e triste), por exemplo. Todas as cenas que exibiram esses novos (mas velhos) encontros proporcionaram grandes arrepios.

As rivalidades da vida passada reacenderam, assim como os laços afetivos e amores renasceram. As situações despertaram interesse, principalmente em torno do que viriam a se transformar na nova encarnação. E a direção acertou em cheio ao usar diálogos marcantes da fase anterior como complemento das cenas e no encerramento dos capítulos, provocando um clima de tensão maior.

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Queda de ritmo na segunda fase

Entretanto, como já mencionado, houve uma brusca queda de ritmo que foi claramente percebida. A grande demora em desenvolver as novas relações foi sentida e até mesmo Lívia e Felipe perderam o destaque que tinham. A Vitória sem o aparato de Condessa ficou mais apagada, inevitavelmente. Outros perfis também perderam a importância, como Zilda, que ficou sem história, e Luís (Carlos Vereza), que era padre na primeira fase e virou um prefeito passivo na segunda.

O enredo caminhava a passos lentos e muitas vezes não havia nada de interessante nos capítulos. O núcleo cômico, inclusive, perdeu parte do encanto, uma vez que a família de Mássimo demorou demais para se ‘reunir’ e quando todos se juntaram já não havia tanto destaque. A própria audiência decaiu, embora o horário de verão tenha colaborado um pouco, claro. Parecia que a impecável novela não era mais tão perfeita assim.

Porém, quando a segunda fase foi chegando por volta da metade —- mais especificamente quando Alberto (Juca de Oliveira) chegou em Belarrosa —- , Elizabeth Jhin voltou a contar uma história interessante, acelerando os acontecimentos. A separação de Felipe, provocando um descontrole emocional em Melissa, e a esperada revelação de que Emília era filha de Vitória, proporcionaram boas reviravoltas na trama ambientada em 2015.

Destaque, inclusive, para a dilacerante e grandiosa cena em que Alberto conta para a ex que a Mili estava viva, implicando no embate entre mãe e filha, e na fortificação do laço entre avó e neta, que foram outras excelentes sequências. Vale mencionar ainda o impactante acidente de carro de Emília, que ficou entre a vida e a morte depois que descobriu que o pai a enganou durante todo o tempo, alimentando um ódio sem fundamento.

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Dois últimos capítulos foram primorosos

E os dois últimos dias de novela foram primorosos. O penúltimo capítulo exibiu a aguardado abraço de Vitória e Emília, que finalmente se reconciliaram. Um perdão que não aconteceu na primeira fase, provocando todo um rancor na segunda, desta vez com as rivais sendo mãe e filha. A cena das duas personagens chorando copiosamente, após Emília ter saído do coma e apertado a mão de Vitória, foi lindíssima. Ana Beatriz Nogueira e Irene Ravache foram magistrais e vale elogiar ainda Alinne Moraes, que depois participou da sequência, representando as três gerações da família juntas em harmonia.

Lívia conseguiu, finalmente, juntar a mãe e a avó em 2015, depois de muito tentar no século XIX. Outras belas sequências foram os pedidos de casamento: Mássimo se declarou para Salomé, provocando a alegria de Felícia (Mel Maia), Bernardo perdoou Emília, e Anita expôs todo o seu amor para Afonso, pedindo a sua mão. Luis Melo, Inês Peixoto, Letícia Persiles e Caio Paduan se destacaram.

Já o último capítulo foi de tirar o fôlego. A morte de Alberto, que cai das escadas, pedindo perdão para a filha e não resistindo, foi emocionante. Juca de Oliveira brilhou. A cena de perseguição de Felipe a Pedro foi ótima e o momento que o mocinho coloca a sua caminhonete na frente do jatinho do vilão muito bem dirigido. E a melhor cena foi a alusão ao desfecho da primeira fase, mas com resultados bem diferentes. Lívia e Felipe foram ameaçados por Pedro com uma arma, diante do mesmo penhasco de séculos atrás, mas desta vez conseguiram escapar do fim trágico. Melissa salvou a vida do casal e, em meio a uma luta corporal, atirou em seu algoz do passado. O canalha morreu e Melissa estendeu a mão para Lívia (agora era a mocinha quem se apoiava na pedra e não Felipe). Ariel aumentou as forças da mãe de Alex, que conseguiu salvá-los, se redimindo no final. Paolla Oliveira, Rafael Cardoso, Alinne Moraes e Emílio Dantas impecáveis. Vale mencionar a música Together, tocada na primeira fase e durante a sequência, que foi mesclada com flashbacks. Arrepiou.

É preciso ainda elogiar todas as cenas restantes. O casamento de Afonso e Anita emocionou, assim como o casório de Salomé e Mássimo. O tocante conselho que Dorotéia deu para Melissa também merece menção, assim como o desempenho de Júlia Lemmertz e Paolla Oliveira. E a declaração de amizade eterna que Vitória fez para Zilda destacou o talento de Irene Ravache e Nívea Maria. O momento divertido ficou por conta do desfecho de Dorotéia, toda feliz com seu marido rico.

Já a última sequência, com todos reunidos e confraternizando —- onde personagens e atores se misturaram por alguns minutos —-, enquanto o Mestre declamava um texto lindo de amor e evolução, foi belíssima. Othon Bastos deu show. A última cena, inclusive, foi a de Lívia e Felipe se beijando, diante de uma bela vista, mostrando o amor que não cabia em uma só vida — o lema do folhetim. Ainda houve o tocante áudio de uma bela mensagem do espírita Chico Xavier, enquanto os créditos subiam, encerrando a novela com chave de ouro.

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Trama cumpriu sua missão

A trama fechou seu ciclo e cumpriu sua missão. É necessário ainda fazer uma menção ao talentoso elenco escalado, que engrandeceu o folhetim. Alinne Moraes e Rafael Cardoso tiveram muita química, Paolla Oliveira se destacou como a vilã Melissa, Emílio Dantas estreou na Globo com o pé direito vivendo o psicótico Pedro, Ana Beatriz Nogueira deu um show na pele da amargurada Emília e Irene Ravache mostrou o porquê de ser uma das mais respeitadas atrizes brasileiras com a sua nobre Vitória.

E os elogios se estendem a Juca de Oliveira (Alberto), Luis Melo, Inês Peixoto, Luiz Carlos Vasconcelos (Bento), Carolina Kasting (Rosa), Júlia Lemmertz (Dorotéia), Nívea Maria (Zilda), Romulo Estrela (Roberto), Dani Barros (Severa), Felipe Camargo (Bernardo), Letícia Persiles, Caio Paduan, Louise Cardoso (Gema), Val Perré (Raul), Zécarlos Machado (que entrou na segunda fase como o preconceituoso Queiroz), Carlos Vereza, Norma Blum (Matilde), Ana Flávia Cavalcanti (Carola), Daniela Fontan (Rita), Flora Diegues (Bianca), Wagner Santisteban (Pérsio), Marcelo Torreão (Botelho), Nica Bonfim (Neném), Klara Castanho (Alice), Maria Joana (Michele), Cadu Libonati (Mateus), Othon Bastos (Mestre), Michel Melamed (Ariel), Cassiano Carneiro (Walmir), Saulo Arcoverde (Cícero), Elisa Brites (Berenice) e as crianças Mel Maia, João Gabriel D`Aleluia (Chico) e Kadu Schons (Alex).

Além do Tempo foi a melhor novela de Elizabeth Jhin. A autora conseguiu contar uma história tipicamente folhetinesca de forma inovadora e envolvente, deixando a sua marca na teledramaturgia através da impactante cena da mudança de fases. A trama de época foi bem mais atrativa que a contemporânea, mas o conjunto se mostrou merecedor de vários elogios, principalmente em virtude da ideia ousada da escritora.

A produção chegou ao fim com um ótimo capítulo, onde a emoção e a tensão se misturaram, fazendo jus ao encerramento de toda boa novela. Os amores ultrapassaram o tempo; alguns personagens evoluíram, enquanto outros repetiram os mesmos erros; as vidas se entrelaçaram várias vezes; o perdão foi exposto de todas as formas, e o público foi presenteado com uma trama muito bem estruturada. Valeu a pena ter mergulhado nessa dupla fantasia.

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