“Meu nome é Ponga… Araponga”. Quem já via TV em 1990 certamente se lembra desta apresentação no melhor estilo James Bond. Sim, a teledramaturgia brasileira teve a versão tupiniquim e um tanto quanto inusitada do agente secreto 007.

E ninguém menos do que o saudoso Tarcísio Meira (1935-2021) a interpretou. Sem a menor sombra de dúvida, foi um de seus papéis mais cômicos e, ao mesmo tempo, controversos, dada a repercussão negativa entre público e crítica da novela que levava o codinome do personagem, um tiro que saiu pela culatra da Globo contra o sucesso avassalador de Pantanal, da então concorrente direta Manchete.

Araponga

A produção teve problemas desde o início, a começar pelo timing: inicialmente planejada para substituir Rainha da Sucata no segundo semestre de 1990, Araponga teve que entrar na disputa pela audiência em 15 de outubro, antes do previsto, sendo por isso inserida em um horário alternativo para os padrões da época (21h30), ou seja, logo após a novela de Silvio de Abreu, que estava em sua reta final (terminou no dia 27 do mesmo mês). No lugar de Rainha da Sucata, entrou Meu Bem, Meu Mal, de Cassiano Gabus Mendes.

Mas nem mesmo a trinca respeitável de autores, formada por Dias Gomes, Ferreira Gullar e Lauro César Muniz, foi capaz de deter Pantanal, um dos marcos da carreira de Benedito Ruy Barbosa.

Com uma proposta alternativa, mais alinhada com a dinâmica de um seriado, Araponga causou estranhamento e, naquela situação, ainda em sua fase inicial, era facilmente batida pela concorrência, que estava no auge de seu enredo. O alívio só veio em dezembro, com o fim da produção da Manchete, mas o estrago já estava feito.

Mamadeira no colo

Araponga

Mesmo exposto em um contexto tão desfavorável, o fracasso da novela não arranhou a imagem consagrada de galã de Tarcísio Meira. Encarando a repercussão negativa com naturalidade e bom humor, ele apreciava interpretar o atrapalhado detetive, cujo verdadeiro nome era Aristênio Catanduva.

Boa parte das críticas vinha do tratamento que a mãe, Dona Marocas (interpretada por Zilka Salaberry), dispensava ao filho, mimando-o a ponto de lhe servir mamadeira no colo.

Em uma entrevista ao jornal O Globo, publicada em novembro de 1994, o ator falou sobre personagens dele que sofreram com críticas, a exemplo daquele que interpretava à época, o vilão Raul Pellegrini, de Pátria Minha.

“Era ridículo. As pessoas se decepcionavam, ficavam indignadas. E talvez até com razão. Já as crianças adoravam. Era como se fosse o pai delas tomando mamadeira. Eu gostava”, declarou Tarcísio ao relembrar Araponga.

Contudo, em outra entrevista, desta vez concedida ao Jornal do Brasil em março de 1996, revelou o que sentia com algumas das críticas que recebeu por esses personagens.

No caso de Araponga, também recordou sua contrariedade quando este foi transformado em um romântico, ou seja, mais próximo do que se vê nos folhetins tradicionais.

“Me sinto incomodado porque as pessoas tendem a confundir as coisas. Teve aspectos no Raul Pellegrini execráveis. O racismo dele era intolerável. Foi dificílimo fazer. Mas era coisa do papel. O Araponga era uma delícia de fazer. As crianças adoravam. Uma pena que, depois, o personagem ficou sério, romântico, uma porcaria”, criticou.

Teorias da conspiração

tarcisio meira e taumaturgo ferreira - araponga

O personagem representava o anacronismo dos espiões que trabalhavam para o antigo Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de inteligência mantido pelo regime militar (1964-1985).

Os codinomes adotados por eles normalmente eram nomes de pássaros, como é o caso da araponga, que emite um som alto (chamado de “martelada”). Acaba sendo, portanto, uma ironia que ridicularizava esse tipo de profissional.

Com a extinção do SNI, decretada em 1990 pelo então presidente Fernando Collor de Mello, os espiões ficaram sem ter onde trabalhar. No caso de Aristênio, a alternativa passou a ser a prestação de serviços à Polícia Federal.

Mesmo em outra realidade, ele continuava a manter a mesma linha de pensamento dos tempos da ditadura, apoiada em teorias da conspiração que tinham como ponto central o combate ao comunismo, já agonizante naquele período, marcado pela queda do Muro de Berlim (1989) e pelo iminente fim da União Soviética, formalizado em dezembro de 1991.

Christiane Torloni

Interessada em revelar a aventura amorosa do senador Petrônio Paranhos (Paulo Gracindo) com a jovem Arlete (Carla Marins), a jornalista Magali Santanna (Christiane Torloni) quer entrevistá-lo, mas para isso se viu obrigada a aceitar uma imposição – a conversa teria que acontecer em um quarto de motel. No entanto, durante o encontro, Paranhos tem um mal súbito e morre.

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Araponga é então destacado para investigar o caso. Com teses delirantes, estabelecia conexões estapafúrdias na tentativa de desvendar o mistério, situação que era alimentada pelas mentiras do malandro Tuca Maia (Taumaturgo Ferreira), colega de Magali no jornal em que ela trabalhava. Com o tempo, Araponga se apaixona pela repórter, o que complica ainda mais a sua missão.

Exibida até 29 de março de 1991, Araponga teve 113 capítulos, jamais reprisados. Quem sabe, com o Globoplay, não poderemos rever Aristênio Catanduva em ação?

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Entusiasta da história da televisão brasileira, Jonas Gonçalves é jornalista e pesquisador, sendo colaborador do TV História desde a sua criação, em 2012. Ao longo de quase 20 anos de profissão, já foi repórter, editor e assessor de comunicação, além de colunista sobre diversos assuntos, entre os quais novelas e séries Leia todos os textos do autor Leia todos os textos do autor