A autora Rosane Svartman, continua passando por apuros na hora de escrever as cenas de Vai na Fé

Muita coisa avançou na teledramaturgia brasileira depois que Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) se beijaram no último capítulo de Amor à Vida (2013). O beijo entre pessoas do mesmo sexo não chegou a ser naturalizado, mas ganhou vez em todas as faixas, da extinta Malhação à novela das onze.

Vai na Fé - Reprodução / Globo
Jean Paulo Campos em cena de Vai na Fé; autora recebeu ordem para cortar cenas de romance gay – Foto: Reprodução / Globo

Porém, a Globo parece bastante disposta a recuar neste avanço em Vai na Fé. Após vetar os beijos entre Clara (Regiane Alves) e Helena (Priscila Sztejnman), a emissora teria solicitado que Rosane Svartman pegasse mais leve nas cenas de afeto entre Yuri (Jean Paulo Campos) e Vini (Guthierry Sotero).

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Não pode beijar

Regiane Alves em cena de Vai na Fé - Reprodução / Globo
Regiane Alves em cena de Vai na Fé – Reprodução / Globo

Vai na Fé tem uma abordagem bastante ousada no que tange à diversidade sexual. A novela das sete da Globo apresentou de uma forma bastante natural a descoberta da bissexualidade, tanto por meio de Clara quanto de Yuri.

No entanto, a boa abordagem da temática vem esbarrando nas restrições impostas pela direção da Globo. A novela das sete até já havia mostrado um selinho entre Yuri e Vini, mas, depois, vetou cenas de beijo entre Clara e Helena. Por fim, a censura chegou até o casal de meninos, já que o mais recente carinho trocado pelos estudantes também foi vetado.

Ao que tudo indica, a restrição não deve ter fim. De acordo com o site de Leo Dias, a direção da Globo teria pedido que Rosane Svartman “pegasse mais leve” no romance envolvendo os dois jovens. Ou seja, a história de amor que começou progressista agora caminhará de forma conservadora. Um retrocesso.

É o que tem

A autora de Vai na Fé, Rosane Svartman, em cena de Cara e Coragem - Foto: João Miguel Júnior / Globo
A autora de Vai na Fé, Rosane Svartman, em cena de Cara e Coragem – Foto: João Miguel Júnior / Globo

Ainda segundo o site de Leo Dias, a orientação da direção da emissora à autora fica evidente em uma rubrica escrita por Rosane Svartman num dos capítulos de Vai na Fé. Numa cena prevista para ir ao ar em 19 de junho, Vini chega feliz até Yuri para dar uma boa notícia e aborda o rapaz de forma carinhosa.

“Ele já abraça Yuri, quase o derrubando e dá o melhor beijo que o horário permitir”, escreveu a autora em sua indicação no capítulo.

A cena, aliás, marca o início de um novo conflito no relacionamento dos jovens. Depois que Guiga (Mel Maia) inventa uma gravidez para tentar separar Yuri de Vini – plano que dá errado e ela acaba dizendo que perdeu o bebê -, o estudante de comunicação chega todo feliz ao namorado para contar que conseguiu um estágio na Universidade de Yale. Yuri, então, ficará abalado, já que o amado vai passar uma temporada fora do país.

Passo atrás

Toda a situação envolvendo Vai na Fé indica que algo mudou na direção da Globo. Até pouco tempo atrás, não havia tantos vetos a cenas de beijo entre casais do mesmo sexo. Tanto que, como já foi dito, Yuri e Vini já haviam se beijado na trama das sete.

Quando o veto do beijo entre Clara e Helena veio à tona, acreditava-se que a proibição fosse atribuída a uma espécie de excesso de zelo, já que Clara é uma mulher madura e casada. No entanto, o veto agora chega ao casal de meninos, dois jovens desimpedidos, o que expõe um retrocesso real da Globo.

Rosane Svartman e a equipe de roteiristas de Vai na Fé até protestaram contra a censura. Há alguns dias, a novela exibiu uma sequência em que aparecem vários casais da novela se beijando enquanto Theo (Emilio Dantas) e Lumiar (Carolina Dieckmann) cantavam “Piedade”, de Cazuza. O único casal que apareceu sem se beijar foi Clara e Helena, justamente enquanto se ouvia o verso “vamos pedir piedade, Senhor piedade, pra essa gente careta e covarde”.

Mas de nada adiantou. Vai na Fé, que poderia ficar marcada como a novela que melhor naturalizou a sexualidade fluida, vai ser lembrada mesmo como a trama que fez a Globo retroceder.

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André Santana é jornalista, escritor e produtor cultural. Cresceu acompanhado da “babá eletrônica” e transformou a paixão pela TV em profissão a partir de 2005, quando criou o blog Tele-Visão. Desde então, vem escrevendo sobre televisão em diversas publicações especializadas. É autor do livro “Tele-Visão: A Televisão Brasileira em 10 Anos”, publicado pela E. B. Ações Culturais e Clube de Autores. Leia todos os textos do autor