André Santana

Mar do Sertão vem gerando muitas comparações por parte do público. Espectadores já apontaram semelhanças entre a trama de Mario Teixeira e outros folhetins do horário, como Cordel Encantado (2011) e Flor do Caribe (2013). Além disso, a abertura da nova novela das seis vem remetendo a outras obras: para parte do público, a vinheta lembra bastante as aberturas de novelas mexicanas.

Isso porque a equipe criativa da abertura de Mar do Sertão fez uso de um expediente pouco utilizado pela Globo, que é trazer a imagem dos protagonistas fazendo caras e bocas. Trata-se de um recurso estético que se aproxima mais das aberturas de novelas exibidas pelo SBT.

Normalmente, as aberturas de novelas da Globo recorrem a outros recursos, como animações, bonecos ou modelos. Nas poucas vezes em que a emissora recorreu a imagens do elenco, o fez de uma maneira mais criativa, como em Senhora do Destino (2004).

A Globo desaprendeu?

Não é de hoje que os noveleiros reclamam da falta de criatividade das aberturas dos folhetins da Globo. Antes uma atração à parte, hoje elas pecam por se render ao óbvio, utilizando recursos repetitivos.

Tanto que, das vinhetas que estão no ar, a única a ganhar elogios de espectadores nas redes sociais é a de Cara e Coragem, que traz uma animação que retrata o trabalho de dublês, temática da novela. Ainda assim, é uma vinheta que não foge do óbvio, embora seja simpática.

Hans Donner

Esta mudança no perfil das aberturas de novelas coincide com o fim da “era Hans Donner”, o famoso designer que criou o logotipo da Globo e que, por anos, era o grande responsável pelas aberturas de novelas. No seu auge, Donner produziu aberturas que eram verdadeiras peças de arte, que conseguiam contar uma história em poucos segundos e, ainda, abusavam da experimentação.

Aberturas clássicas

Neste contexto, algumas aberturas são consideradas obras-primas, como a de Deus nos Acuda (1992). Para abrir a novela de Silvio de Abreu, que trazia uma crítica social e política, Hans Donner e sua equipe criaram uma vinheta que mostrava ricaços numa festa que, aos poucos, ia mergulhando num mar de lama. No final, esta lama descia por um ralo, formando o mapa do Brasil.

Já para a abertura de Explode Coração (1995), que falava de ciganos e de internet, a equipe criativa da Globo tratou de unir os dois temas numa única peça, que contava uma história. Na vinheta, uma cigana (vivida por Ana Furtado) era “transportada” para uma sala high-tech por meio da internet. Há quem diga que Hans Donner e sua equipe previram a tela touch screen nesta abertura.

Brega & Chique

Donner também ficou famoso ao utilizar corpos humanos que se “transformavam”, como em Tieta (1989), em que Isadora Ribeiro se “contorcia” para se fundir a elementos da natureza; ou em Pedra Sobre Pedra (1992), em que um corpo feminino se transformava em paisagens. O corpo masculino também protagonizou vinhetas lendárias, como o famoso bumbum do modelo Vinicius Manne, em Brega & Chique (1988), ou ainda em O Clone (2001), em que as costas do modelo remetiam às areias do deserto logo no início.

Mesmo quando não havia uma produção suntuosa, a criatividade imperava, como em Laços de Família (2000), que mostrava cenas cotidianas formadas a partir de pinceladas de tinta, formando pinturas; ou Uga Uga (2000), que remetia à estética HQ. Enfim, havia uma maior variedade de temas e recursos, algo que foi se perdendo com o tempo.

Atualmente, a emissora parece não dar tanta importância às aberturas de novelas. A maioria delas é formada por colagens, paisagens e cenas, sem grande elaboração. A Força do Querer (2017) ou Amor de Mãe (2019), por exemplo, traziam apenas cenas aleatórias. Mesmo quando há um esforço maior, como A Dona do Pedaço (2019), ainda assim não se foge do óbvio.

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André Santana é jornalista, escritor e produtor cultural. Cresceu acompanhado da “babá eletrônica” e transformou a paixão pela TV em profissão a partir de 2005, quando criou o blog Tele-Visão. Desde então, vem escrevendo sobre televisão em diversas publicações especializadas. É autor do livro “Tele-Visão: A Televisão Brasileira em 10 Anos”, publicado pela E. B. Ações Culturais e Clube de Autores. Leia todos os textos do autor