O autor baiano Dias Gomes (1922-1999) estava preparando uma minissérie que abordaria um paralelo da história do Brasil enfocando o período das Diretas Já, passando pela morte de Tancredo Neves e se encerrando durante o impeachment de Fernando Collor de Mello. Tratava-se de Decadência, produção exibida pela Globo de 5 a 22 de setembro de 1995, em 12 capítulos. A produção, no entanto, fez Edir Macedo perder a paciência.

O mote central era o envolvimento de Mariel (Edson Celulari), que foi adotado pela família Tavares Branco ainda criança e que tempos depois foi trabalhar como motorista do patriarca, o jurista Tavares Branco (Rubens Corrêa).

Mariel se envolve com a neta mais nova de Tavares, a idealista Carla (Adriana Esteves), e acaba sendo expulso da mansão. Levado por Jandira, a empregada dos Tavares e apaixonada por ele, a uma igreja evangélica, ele decide ascender socialmente, tornando-se um pastor evangélico e, posteriormente, enriquecendo seu patrimônio através da exploração da fé alheia num plano de vingança contra Carla e os Tavares Branco.

Provocação

Sucesso de audiência, não demorou muito para que setores da ala evangélica se sentissem atacados com uma visão, segundo eles, deturpada dos cultos evangélicos e, principalmente, os membros da Igreja Universal do Reino de Deus, que viram na figura de Mariel, uma representação infame do bispo Edir Macedo, líder e fundador da Universal.

A Central Globo de Produção e a vice-presidência de Operações da Rede Globo, a fim de não levantar polêmicas, resolveram incluir na abertura da minissérie um texto lido pelo ator Edson Celulari, enfatizando que a emissora, em momento algum, teria a pretensão de criticar os evangélicos e nenhum de seus líderes. E concluía dizendo que Decadência era uma obra de ficção.

Decadência

Nada disso adiantou. A Record, que se sentiu mais atacada com toda a repercussão em torno da minissérie, resolveu contra-atacar. O pastor Ronaldo Didini anunciou que a emissora paulista iria produzir uma mininovela de 40 a 50 capítulos sobre um homem que vivia em um país latino americano, herdava um jornal medíocre do pai e ganhava poder e prestígio colocando o veículo a serviço de uma ditadura. O título provisório era Chantagem.

Troco

Romero Machado

O autor da sinopse era o jornalista Romero Machado (foto acima), que escreveu alguns anos antes o livro Afundação Roberto Marinho, no qual, segundo ele, denunciava atos de corrupção na Fundação Roberto Marinho e na Globo, além de negócios com carros roubados, emissão de notas frias e edição de livros pornográficos.

Romero, que foi auditor da emissora e controller da Fundação Roberto Marinho, deixou a empresa em 1987, após recomendar a demissão de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, na época vice-presidente das operações da Globo.

Em entrevista ao Jornal do Brasil em 16 de setembro de 1995, o executivo disse que foi procurado pela Record depois de escrever uma crítica sobre a reportagem do Fantástico sobre os evangélicos.

“Eu vi a matéria e achei que foi mal editada e tendenciosa”, declarou.

Ele negou que a minissérie Chantagem tenha sido encomendada pelo bispo Edir Macedo.

“O tema da minissérie era o poder e como os meios de comunicação estão intimamente ligados a ele. Os personagens não eram garotas de programa, mas colunistas, humoristas e intelectuais de programa. A Globo errou na mão. Quis dar um escudo no bispo Macedo e levou um tiro de escopeta. Mexeu em vespeiro. A emissora lida ingenuamente com o poder dos evangélicos”, completou.

Encomenda?

Dias Gomes

Dias Gomes foi procurado para comentar sobre a produção da Record e, sem demonstrar preocupação, disse:

“É uma ameaça da boca pra fora”, disse ao Jornal do Brasil de 16 de outubro de 1995.

O autor achava difícil que a emissora conseguisse transformar o projeto em realidade e como exemplo citou a emissora de Silvio Santos.

“Com toda a estrutura que possui, o SBT até hoje não conseguiu fazer uma minissérie”, emendou.

Desavenças à parte, Chantagem nunca chegou a sair do papel e a rixa entre a Record com a Globo ganharia um novo round dias pouco tempo depois, quando o pastor Sérgio von Helter apareceu chutando a imagem de Nossa Senhora Aparecida em frente às câmeras, em 12 de outubro de 1995.

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Sebastião Uellington Pereira é apaixonado por novelas, trilhas sonoras e livros. Criador do Mofista, pesquisa sobre assuntos ligados à TV, musicas e comportamento do passado, numa busca incessante de deixar viva a memória cultural do nosso país. Escreve para o TV História desde 2020 Leia todos os textos do autor