Existem diversas fórmulas para o sucesso de uma novela. Uma delas é uma boa abertura, embalada por uma grande canção. Antigamente, muitos telespectadores aguardavam o primeiro capítulo, ansiosos, para descobrir como seria a vinheta que marcaria a trama ao longo dos meses.

E de tantas aberturas já feitas e que tiveram sucesso, uma foi marcante e audaciosa: O Dono do Mundo, de 1991, que trouxe Charlie Chaplin para o horário nobre da Rede Globo. A novela terminava há exatamente 29 anos, em 3 de janeiro de 1992.

A trama de Gilberto Braga, que voltava ao horário das 20 horas após o grande sucesso de Vale Tudo, girava em torno do inescrupuloso cirurgião plástico Felipe Barreto, vivido por Antônio Fagundes, que usava seu poder para tirar a virgindade da tímida professora Márcia, papel defendido por Malu Mader.

O designer Hans Donner e Boni, então vice-presidente de operações da Globo, pensaram em muitos personagens históricos para ilustrar o personagem de Fagundes: Stalin, Hitler e Cassius Clay foram alguns.

Mas ficou decidido que Hitler seria essa figura. Donner se lembrou do filme O Grande Ditador, de 1940, no qual Chaplin protagonizava Adenoide Hynkel, uma paródia ácida e crítica do ditador alemão.

A cena de Hynkel brincando com o globo terrestre era perfeita para mostrar o caráter de Felipe Barreto – mulherengo e louco pelo poder. Usar a cena original era a vontade de Hans Donner e colocar imagens de mulheres dentro do globo foi uma ideia do Boni.

Ao contrário de outras criações, como as célebres aberturas do Fantástico, tecnologia não era o principal desafio, mas sim conseguir os direitos de exibição de um gênio do cinema mundial.

Hans ligou para Londres e falou com o executivo de cinema Mo Rothman, que, na época, cuidava dos direitos autorais das obras de Chaplin. O austríaco tentou convencer o executivo inglês de todas as maneiras, no entanto as negociações não avançavam.

Foi gravada uma abertura alternativa, com o ator Breno Moroni emulando Hitler no Palácio do Catete. Mas o designer, por conta própria, começou a executar a ideia original, mexendo nas imagens do filme. Boni viu o resultado e decretou: a abertura tinha que ter Chaplin.

Donner ligou novamente para Mo Rothman e depois de muita conversa e, claro, a definição dos valores envolvidos, a cena poderia ser usada na abertura da novela. A imprensa disse, na época, que a Globo teria pago 400 mil dólares para exibir as cenas, mas um diretor da emissora declarou que a vinheta completa custou 100 mil dólares, sendo 50 mil dólares para liberar as imagens.

“Muita gente poderá nos criticar por causa do dinheiro gasto. Mas esta abertura, somadas todas as exibições, vai ficar dez horas no ar. E ela é o cartão de visitas da novela, uma amostra indiscutível do padrão Globo de qualidade”, declarou Hans em entrevista para o jornal O Globo em 1991.

O toque final foi a música Querida, composta por Tom Jobim. Gilberto Braga procurou o maestro, que já tinha feito o tema da novela Brilhante, outra novela do autor, em 1981. A canção sobre o mar e o amor trouxe mais qualidade para o trabalho de Hans.

A novela foi vendida para outros países, porém a abertura original não foi junto. O globo com as mulheres se manteve, mas viajou pelo universo, sem a participação de Chaplin, já que os direitos valiam apenas para o Brasil e liberá-los para outras localidades ficaria ainda mais caro.

A novela teve seus altos e baixos, entretanto a vinheta ficou marcada na história da televisão, por reunir dois gênios da arte mundial: Charles Chaplin e Tom Jobim.

Confira a abertura:

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Fábio Marckezini é jornalista e apaixonado por televisão desde criança. Mantém o canal Arquivo Marckezini, no YouTube, em prol da preservação da memória do veículo. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor