Zamenza

A vida de um autor de novelas não é fácil, embora muito bem recompensada com gordos salários. Enquanto estão com alguma produção no ar, a vida dos escritores é voltada exclusivamente para a elaboração de capítulos e mais capítulos de trama. E, obviamente, quanto mais folhetins no currículo, maior a chance de ocorrer repetições de histórias.

João Emanuel Carneiro

Até porque a tentação de usar novamente um recurso que funcionou anteriormente é imensa. Portanto, todos os autores acabam se repetindo. Inevitável.

Mas o caso de João Emanuel Carneiro desperta uma certa preocupação. Afinal, ele tem ”apenas” seis novelas no currículo. Um pouco cedo para tamanha falta de criatividade.

Avenida Brasil

Rebaixado pela Globo, perdendo espaço na faixa das nove para Travessia, de Glória Perez, e enviado para o Globoplay, onde estreará Todas as Flores nesta quarta (19), várias situações vistas em sua última novela da Globo, Segundo Sol, foram parecidíssimas com outras produções do escritor e muitas com seu maior sucesso: o fenômeno Avenida Brasil, de 2012. Mas com um impacto infinitamente menor.

Falta de originalidade

Segundo Sol

Tanto que todas as reviravoltas do folhetim não deixaram marcas ou promoveram cenas memoráveis. Pelo contrário, evidenciaram a falta de originalidade de João e a deficiência do enredo, que anda em círculos através de situações repetidas exaustivamente. A tradicional virada do capítulo 100 (ocorrida, na verdade, no 103) foi uma das principais provas.

Luzia (Giovanna Antonelli), para não sair da rotina, caiu em outra armação dos vilões e foi se encontrar com Remy (Vladimir Brichta) para tentar descobrir o paradeiro da filha (que na verdade é filho). Ela acabou sendo vítima do famigerado golpe do Boa Noite Cinderela e acordou ao lado do corpo do vilão, todo ensanguentado, e segurando uma faca banhada em sangue. A mocinha entrou em desespero e logo depois chegou Beto (Emílio Dantas), flagrando a cena macabra.

Adriana Esteves

A cena ficou muito aquém do esperado e foi impossível não lembrar do icônico momento em que Nina (Débora Falabella) acordou segurando uma enxada cheia de sangue e com o corpo de Max (Marcello Novaes) ao seu lado, dando um grito assustador. Foi um dos melhores ganchos de Avenida Brasil. Claro que os contextos são distintos, mas a similaridade é evidente.

O enredo envolvendo Nice (Kelzy Ecard) e Agenor (Roberto Bonfim) também lembrou outra grande novela do autor: A Favorita, de 2008, atualmente exibida no Vale a Pena Ver de Novo. Como esquecer o drama de Catarina (Lilia Cabral), que sofria constantes agressões do violento marido Leonardo (Jackson Antunes)? Os atores brilharam na época.

A Favorita

João tentou se copiar até antes da trama, vide a situação envolvendo Domingas (Maeve Jinkings) e Juca (Osvaldo Mil) em A Regra do Jogo (2015). Porém, aquela tentativa fracassou totalmente. Em Segundo Sol, pelo menos, o contexto foi mais atrativo, embora não tenha chegado nem perto da já citada A Favorita. A diferença foi a não violência física. Agenor agredia a esposa verbalmente, mas o conjunto se assemelhou bastante.

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Tentativa fracassada

Avenida Brasil

Até a família de Beto foi uma tentativa fracassada de reeditar a clássica família Tufão, de Avenida Brasil. Se antes a diversão era uma constante na história de 2012, em Segundo Sol foi quase impossível esboçar qualquer sorriso com as trapalhadas de Clóvis (Luis Lobianco) e Gorete (Thalita Carauta), ou as idas e vindas de Naná (Arlete Salles) e Dodô (José de Abreu).

Por sinal, o autor também tentou copiar esse contexto em A Regra do Jogo, através do núcleo da família falida de Feliciano (Marcos Caruso). Novamente não funcionou.

Inclusive, um integrante da família de Segundo Sol protagonizou outra situação presente em todas as novelas do autor: o triângulo gay/hétero que sempre resulta em um trio amoroso no final.

Avenida Brasil

A relação de Maura (Nanda Costa) e Selma (Carol Fazu) nunca chegou a ser bem construída, mas ao menos tinha alguns momentos de sensibilidade. Depois que Ionan (Armando Babaioff) foi chamado para doar esperma, tudo naufragou.

Como era de se esperar, a policial traiu a esposa com o então amigo e as situações se mostraram cansativas e inverossímeis – vide Selma se sentir culpada pela separação, mesmo sabendo da traição. Os três repetiram o caso de Suelen (Isis Valverde), Roni (Daniel Rocha) e Leandro (Thiago Martins) em Avenida Brasil – ou então Tina (Karina Bacchi), Abelardo (Caio Blat) e Thor (Cauã Reymond) em Da Cor do Pecado (2004).

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Colcha de retalhos

Da Cor do Pecado

Outra prova da falta de criatividade do autor foi a cena de Karola vagando pelas ruas, desnorteada, após ter sido desmascarada. Com medo de ser escorraçada por Valentim (Danilo Mesquita), a personagem começou a apresentar sinais de loucura.

Sua conversa com uma mendiga lembrou imediatamente a fase em que Carminha pegou uma garrafa de cachaça e pediu para o motorista de um caminhão tocar pro inferno, em Avenida Brasil. Ou, então, a caminhada sem rumo de Bárbara (Giovanna Antonelli), toda suja, em Da Cor do Pecado.

Segundo Sol não empolgou em virtude da colcha de retalhos que virou a história de João Emanuel Carneiro, expondo a necessidade do autor se reciclar. Não adianta copiar várias situações que deram certo em suas novelas passadas em uma nova produção que não apresenta nem um terço dos atrativos das anteriores. Parece um folhetim sem alma.

Após algum tempo na geladeira, a Globo faz bem em colocar o autor no Globoplay, onde poderá ousar com um enredo mais pesado e enxuto – sua experiência com a macabra série A Cura (2010) foi irretocável. Infelizmente, foi necessário afastá-lo do horário nobre por uns tempos.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor