O desabamento de um prédio. Debaixo dos escombros, nove soterrados lutando pela sobrevivência. Acima deles, a barbárie que emerge da busca pelos culpados. De Elena Soárez e Luciano Moura, e direção artística de Luciano Moura, a minissérie Treze Dias Longe do Sol, uma coprodução da Globo com a O2 Filmes, narra, em 10 episódios, os 13 dias que vão mudar para sempre a vida de quem está sob e sobre as ruínas. Com um elenco que conta com Selton Mello, Carolina Dieckmann, Debora Bloch, Enrique Diaz, Paulo Vilhena, Lima Duarte, Camila Márdila, Fabrício Boliveira, Démick Lopes, Antônio Fábio, Arilson Lopes, entre outros, a obra estreia nesta segunda-feira (8) na TV – no Globo Play, está disponível, na íntegra para assinantes, desde 2 de novembro.


Selton Mello como Saulo Garcez (Divulgação)

O ponto de partida

Com linhas modernas e aspecto funcional, a imponente construção de dez andares em centro de terreno parece pronta. Por que, então, o Centro Médico Dr. Augusto Rupp ainda não foi inaugurado? Por que as centenas de consultórios médicos ainda não receberam pacientes? Por que os laboratórios de última geração não começaram a funcionar?

Se por fora tudo é sólido e bem-acabado, por dentro, uma insuspeita instabilidade reflete as disputas que o engenheiro responsável Saulo Garcez (Selton Mello) trava contra o tempo, contra os números e contra si mesmo.

A obra está atrasada. O malabarismo para reduzir o orçamento ao mínimo vai tornando o empreendimento inadministrável. E a tensão de Saulo, que não mede esforços para atingir o objetivo maior de sua vida, começa a cobrar seu preço.

Soluções precárias e temerárias vão virando um estilo naquele que era conhecido como o melhor profissional do mercado. Com a cumplicidade de Gilda (Debora Bloch), seu braço-direito e diretora financeira da Baretti Engenharia, Saulo chegou até ali. Mas no limite onde agora se joga, nem a inquebrável Gilda concebe apoiá-lo. Paciência. Saulo atingiu um ponto de não-retorno. Na fronteira em que se encontra, é matar ou morrer.

Mas, de alguma forma, sempre foi assim para ele. Vindo do interior do estado com uma única bala na agulha – a bolsa de estudos na faculdade de engenharia -, era vencer ou vencer. Sem parentes na capital, sem reserva financeira, sem nenhuma rede de proteção, Saulo tinha que vingar rápido. E vingou. Aproximou-se das pessoas certas, conseguiu um estágio na Baretti e passou praticamente a morar nas obras. O empenho daquele jovem não passou despercebido pelo dono da construtora. E, 15 anos mais tarde, o Baretti fundador lhe dava uma generosa participação acionária na construtora.

Mas Saulo não se acomodou. Na verdade, dobrou esforços, ele queria mais – queria o comando da empresa. E marchava soberano nessa direção quando o velho Baretti morre. E seu filho único, Vitor Baretti (Paulo Vilhena) – um bon vivant que mais fingia do que trabalhava no departamento de marketing da construtora -, herda as ações do pai.

O que Saulo mais temia ficou muito perto de acontecer. Baretti herdeiro coloca a construtora à venda. E tem pressa. Aquela não é a sua vida, aquele não é o seu sonho.

Hora de superação para Saulo, uma a mais. O homem que se fez sozinho sabe que pode contar consigo. Mas claro que a ajuda de Gilda conta. Igualmente devota ao trabalho na construtora, a diretora financeira vai ser sua parceira nesse desafio. A ideia é que juntos – e livres do herdeiro playboy – conduzirão a Baretti a um outro patamar.

Saulo e Gilda concebem o plano: economizar o máximo de dinheiro possível na construção daquele Centro Médico para comprar as ações do herdeiro. Mas mesmo para o destemido Saulo, a realidade, cedo ou tarde, vem se impor. E, em um dia em que já toureia com uma persistente rachadura, com um fornecedor que cobra atrasados e com a escassez de funcionários mal tapeada com a contratação de mão-de-obra informal, Saulo recebe a imprevista “visita” da filha do dono do Centro Médico – Marion Rupp (Carolina Dieckmann). A estonteante médica, com quem Saulo teve um tórrido romance bruscamente interrompido não faz tanto tempo, está ali para entender os motivos do atraso na entrega do prédio.

Desde que sumiu da vida de Saulo, Marion jogou-se na carreira médica e está há mais de um ano morando em Pittsburg (EUA), onde faz especialização em neurocirurgia. Mas quando um severo acidente cardiovascular tira seu pai, o também médico Augusto Rupp (Lima Duarte), do comando dos negócios, Marion é obrigada a retornar ao Brasil para ajudá-lo.

Chove pesado quando Saulo vê Marion chegar – ela está ali para vistoriar o prédio que já deveria estar pronto. Os ex-amantes começam pelos andares mais altos. Não precisa ser nenhum especialista para perceber uma série de irregularidades e improvisos naquele fim de obra, e Marion não deixa escapar nada. Até mesmo os cinco andares de garagem subterrânea Marion quer conferir. E conforme descem para as entranhas da terra, o ex-casal vai sendo arrastado para um passado cheio de fraturas. E esse é só o primeiro dia do resto de suas vidas.

Quando atingem o “S5”, último pavimento de garagem subterrânea, um dos operários percebe algo de muito errado: água brotando da parede. Pode ser um cano rompido, mas a água vai tomando o piso. E, assim como a água indesejada não para de jorrar, as questões do passado de Saulo e Marion insistem em retornar.

E, então, sem aviso, nem piedade, a água da pesada chuva que vinha se infiltrando silenciosamente no terreno atinge um volume crítico e pressiona uma parede de contenção de concreto. O empuxo de água com força imprevista faz ceder a contenção, o prédio entorta como um gigante que tem a perna quebrada. O monstro de concreto e ferro – ferido de morte – geme, urra, desaba. E engole quem estava dentro. Quantos feridos? Quantos mortos? O tempo dirá. De certo, ali sob os escombros: Saulo, Marion, o mestre-de-obras Jesuíno (Antônio Fábio) e outros seis sobreviventes soterrados.

Entre ferros retorcidos, grandes blocos de cimento, um teto parcialmente desabado e muita, muita poeira, os nove sobreviventes tentam entender o que aconteceu.

Depois da tragédia, o mundo se dividiu entre o povo de cima e o povo debaixo da terra. Para os soterrados, trata-se de apagar diferenças e juntar-se na luta pela vida. Para os demais – a despeito da aparente segurança da superfície – terá início uma caçada sangrenta por culpados. Gilda, Vitor Baretti e Newton da Nóbrega (Enrique Diaz) – o calculista da obra e colega de faculdade de Saulo – engendrarão um gato-e-rato para se livrar de prejuízos e culpas inescapáveis.

Lá embaixo, todos viram um; lá em cima é olho por olho, dente por dente. Onde se esperava a barbárie emerge a civilidade; e onde se contava com a civilidade, eclode a barbárie. Paradoxos e desdobramentos imprevistos antes de uma tragédia desse porte se abater sobre essas vidas.

Fazendo a ligação entre o mundo de cima e o mundo de baixo está o Tenente Coronel do Corpo de Bombeiros, Marco Antônio (Fabrício Boliveira). Embora esteja lá em cima, seu coração e mente estão com o povo de baixo. Quando toda esperança se esvai, quando os vivos já botam os sobreviventes na conta dos mortos, Marco Antônio é o único que fica de pé, mantendo o portal aberto. Se os soterrados voltarem a ver a luz do sol, muito se deverá ao incansável bombeiro.

Mas também a Saulo. Se Marco Antônio é o herói da superfície, Saulo é o líder dos sobreviventes nas entranhas do monstro de ferro e concreto. Devolver seus operários e Marion, o amor de sua vida, à luz do sol é a redenção que lhe resta.


Fabrício Boliveira como Marco Antônio (Divulgação)

Questão de sobrevivência

No “S5”, os sobreviventes estão soterrados. Física e emocionalmente. Todos, independentemente de qualquer diferença entre eles, na mesma condição: machucados, abalados, com medo e com o único desejo de sair dessa tragédia com vida. A situação-limite em que se encontram traz reações que nem sempre são calculadas, e os ânimos ficam tão instáveis quanto a estrutura que ainda resta do prédio. A princípio, a luta pela sobrevivência se apresenta como uma busca individual, quase animal, instintiva. Mas o tempo e as necessidades são implacáveis e os levam a agir como aliados, e não mais como um simples grupo, mas como um mesmo organismo que busca a luz, o ar, a vida. As diferenças sociais e pessoais tendem a se dissipar junto com a poeira. O grupo une o que resta de força sob o comando de um Saulo que agora concentra toda sua tenacidade não mais em atingir o topo do mundo, mas simplesmente em galgar os degraus que levam “S5” ao “S1”.

Se Saulo luta para tirar seu povo das trevas, lá em cima, no entanto, nem tudo é luz. Na busca por culpados, cada um só pensa em como salvar a própria pele. Gilda, parceira de Saulo no plano de economizar dinheiro para tornarem-se donos da construtora, faz de tudo para se esquivar das consequências legais do desabamento. E uma possibilidade é tentar incriminar o engenheiro que fez os cálculos da construção, Newton. Colega de Saulo dos tempos de universidade, mesmo sendo um profissional do meio acadêmico, ele aceitou ser o calculista do Centro Médico – o que vai reavivar rivalidades do passado.

Rogério (Alexandre Cioletti), assistente de Gilda, precisa dar um jeito nos operários que sobreviveram à catástrofe e que podem trazer consequências trabalhistas à empresa, uma vez que não eram registrados e recebiam salários abaixo do mercado – parte da estratégia de Saulo para economizar no orçamento da obra.

Vitor Baretti, o herdeiro de tudo, se vê no olho do furacão do qual fugiu a vida inteira, e seus planos de vender a construtora ficam tão destroçados quanto o prédio que desabou.

Mas nem tudo é ganância, covardia e traição no mundo dos que estão sobre a terra. Marco Antonio está disposto a dar sua própria vida para resgatar os soterrados. Deve isso às famílias que fazem vigília ao redor dos escombros. De índole destemida, Marco Antônio tem, no entanto, que lidar com fantasmas do passado. Da última vez que ignorou os limites de segurança para salvar vidas acabou sendo responsável pela morte de um jovem bombeiro.


Selton Mello e o autor e diretor artístico Luciano Moura (Divulgação)

A criação

Economista e antropóloga, autora de Eu Tu Eles (2000), Casa de Areia (2005) e Filhos do Carnaval (2006). Ele, por sua vez, dirigiu episódios de Filhos do Carnaval, Psi (2014), Felizes Para Sempre (2015) e o longa-metragem A Busca (2012), com Wagner Moura. Casados, Elena Soárez e Luciano Moura escreveram juntos A Busca e agora Treze Dias Longe do Sol. Luciano também assina a direção artística.

Eu leio muito jornal e é raro o dia em que não recorte algo; sempre tem uma notícia que pode servir em algum momento. Guardo tudo em uma caixa e, às vezes, a abro para tentar tirar um argumento dali. Numa dessas, vi que acabei juntando algumas notícias sobre desabamentos, sobre o caso do submarino russo que tinha sobreviventes, sobre desabamentos no Rio de Janeiro, como o Palace 2, e outros em São Paulo. E percebi que tinha um certo assunto comum entre eles, que é o confinamento, a situação-limite, as pessoas sucumbindo ou se transformando“, conta Elena.

A ideia da série foi sendo construída aos poucos. Nasceu do desejo de contar uma história com essa diferença: como as pessoas se transformam a partir de uma grande tragédia? Aqui, tem uma mescla de drama com thriller, de você ficar torcendo pelo resgate, mas com uma história emocional, com ênfase no sentimento daqueles personagens. É um grande evento que detona uma série de transformações nos personagens. Gente que se transforma, que chora, que ri, que encontra o novo sentido dentro de uma desgraça. E gente que tem esperança no final, porque existe a possibilidade de transformação real“, completa Luciano.


Lima Duarte e o autor e diretor artístico Luciano Moura (Divulgação)

Os bastidores

Em Treze Dias Longe do Sol está o que existe de mais cruel em dois mundos: aquele que está sob a terra, com a iminência da morte, e aqueles que estão sobre ela, agindo sem limites para salvar a própria pele. Chegar o mais perto possível dessa realidade foi o que motivou as equipes de cenografia, arte, caracterização, figurino e preparação de elenco durante todo o processo de pesquisa e realização da obra.

O ambiente em que os atores seriam inseridos não era nada amigável, tampouco convidativo. Era preciso criar cenários que dessem conta das necessidades técnicas de um desabamento como esse e também das necessidades dramatúrgicas. Era preciso construir a desconstrução, algo bastante complexo.

Nossa pesquisa se concentrou em fotos e vídeos de desabamentos reais e intensas conversas com agentes do Corpo de Bombeiros. Começamos desenhando tudo a partir do que seria o prédio do centro médico, seu projeto, suas dimensões e os materiais dos quais ele seria feito. E quais seriam as técnicas construtivas usadas nele. Elas deveriam atender nossas necessidades de execução e plástica, uma vez que, depois do acidente, o resultado corresponderia às exigências visuais e geraria possibilidades para o trabalho dos outros departamentos, como a fotografia, maquiagem ou o tratamento dos figurinos. A laje nervurada do teto, por exemplo, criou uma textura muito interessante para o trabalho da luz e o pó gerado pelo seu rompimento apontou as soluções de maquiagem“, conta Marcelo Escañuela, diretor de arte da minissérie.

Ele e sua equipe tiveram de criar quatro subsolos de um prédio depois de seu desabamento e, ainda, a área externa dessa tragédia. Dentro de estúdios da O2, em São Paulo, viam-se estruturas que davam a sensação de estar, de fato, em um prédio desabado. Blocos espalhados pelo chão, cabos de aço retorcidos, vigas destruídas, uma iluminação que parecia estar em constante curto-circuito e muita água. Essas eram algumas das marcas desse cenário, que ainda mudaria conforme a trama. A cada momento que os soterrados conseguiam subir para um novo pavimento do estacionamento, era preciso dar uma nova “cara” a esse lugar.

Em outro estúdio, também na produtora, foi montada uma estrutura que serviu de base para algumas cenas de ação da série, planejada para ser transformada em um duto de ar ou em um elevador, por exemplo.

Foi preciso pensar, ainda, na parte externa do desabamento, que era vista por quem estava do lado de fora. “Partir de um terreno baldio, que foi a locação que utilizamos, e construir uma cenografia que representasse um prédio demolido envolveu algumas etapas: projetamos o edifício, seu canteiro de obras em fase final da construção e então… implodimos tudo! Esta foi uma oportunidade única e sensacional. Um grande aprendizado“, continua Escañuela.

Foram necessários 30 dias e 45 profissionais para criar os subsolos, na O2, e 40 dias de construção e 75 profissionais para fazer a área externa, em um terreno da zona oeste de São Paulo.


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