Não foi por falta de aviso. Conforme divulgado pelo site Notícias da TV, a reprise de Império ocupa o posto de novela das nove de menor Ibope da história da Globo, superando até Babilônia (2015). Os primeiros 65 capítulos da trama de Aguinaldo Silva registraram apenas 26,1 pontos de média, sendo sintonizados por 40,2% dos brasileiros.

Foram 203 capítulos. Império estreou em julho de 2014 e chegou ao fim em março de 2015, encerrando a saga do Comendador José Alfredo de Medeiros (Alexandre Nero), após quase oito meses de novela no ar. Silva escreveu um folhetim clássico e muitas das situações apresentadas no núcleo central lembraram Suave Veneno, produção que foi o seu maior fracasso na carreira. Mas, desta vez, o autor conseguiu conquistar a audiência e aumentou em três pontos a média geral do horário nobre, derrubado por Em Família.

Apesar do êxito nos números do Ibope, a trama pode ser classificada apenas como regular. Não foi uma obra péssima e conseguiu ser bem melhor do que o último folhetim do autor – a fraca Fina Estampa -, entretanto, esteve longe de ser uma novela ótima. A história teve muitos equívocos, mas o núcleo central sustentou bem Império, sendo o seu maior acerto. A família Medeiros teve dois perfis de destaque muito complexos (Zé Alfredo e Maria Marta) e os embates pelo comando da empresa de jóias sempre eram atrativos.

O autor foi muito corajoso ao colocar um homem repleto de desvios de conduta e extremamente arrogante como protagonista, e ainda escolher Alexandre Nero para interpretá-lo. Toda a coragem valeu a pena, afinal, o Comendador (um típico anti-herói) caiu nas graças do público, fez sucesso e o ator deu um verdadeiro show na pele do personagem que já é o melhor de sua carreira.

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O mesmo vale para Maria Marta. Lília Cabral merecia uma personagem grandiosa (depois de perfis ruins em Fina Estampa e Saramandaia) e ganhou. Apesar da imperatriz não ter sido a grande vilã prometida, a sua humanidade acabou favorecendo o perfil, que ficou muito mais rico dramaturgicamente, proporcionando primorosas cenas para a intérprete.

E a sintonia que os dois atores tiveram deixou o conjunto ainda melhor. O casal que ficava junto apenas para manter as aparências, apesar do amor sincero da esposa pelo marido, era um dos pontos fortes da novela e o destaque foi merecido. Além deles, é preciso elogiar o par João Lucas (Daniel Rocha) e Du (Josie Pessoa), que foi mais um acerto do núcleo central, incluindo ainda o mordomo Silviano (grande Othon Bastos), perfil que ganhou muita importância na reta final, se revelando o maior vilão da história. O ator conseguiu brilhar e aproveitou a oportunidade. Caio Blat também merece menção pela sua boa atuação interpretando o mimado e mau caráter José Pedro, que revelou ser o Fabrício Melgaço no antepenúltimo capítulo.

Porém, apesar de ser considerada o ponto alto do folhetim, a trama principal também teve falhas. Andreia Horta não teve o destaque que merecia com sua Maria Clara e a filha do Comendador teve sua personalidade alterada para favorecer a aceitação do casal Cristina e Vicente (Rafael Cardoso). Aliás, a mocinha insossa da história ficou apagada diante dos demais perfis do folhetim, embora Leandra Leal tenha brilhado, como de costume. E não há como mencionar estes personagens sem citar a Cora. Também vinculada ao enredo central, a irmã de Eliane (Vanessa Giácomo/Malu Galli) prometia ser a grande diaba do autor. Mas não foi.

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Marjorie Estiano esteve impecável na bem escrita primeira fase e a vilã era promissora, entretanto, após a passagem de tempo, a personagem perdeu sua força. Não por culpa da maravilhosa Drica Moraes – que fez a cena mais forte da novela, quando Cora ri e chora ao mesmo tempo depois que vê a irmã morrer -, e sim por causa da comicidade forçada implantada no papel. A mulher virou uma futriqueira amarga que cheirava cuecas e soltava pum. Seu único momento de grande vilania foi quando empurrou Fernando (Erom Cordeiro) da escada. Para piorar a situação, um problema de saúde fez a atriz se afastar das gravações, o que implicou em uma atabalhoada substituição.

E, curiosamente, foi esta troca que deu um novo fôlego à vilã. Marjorie voltou às pressas e conseguiu mais destaque do que Drica. Ela, inclusive, virou um dos pilares da história na época que o Comendador forjou a própria morte. O problema foi a solução bizarra do autor, colocando Cora vinte anos mais jovem, com todos os demais aceitando este absurdo sem problema algum. Se a trama fosse de realismo fantástico, não haveria mal algum, mas como era realista, a explicação ficou ridícula. Aguinaldo também errou ao focar apenas na virgindade da mulher (cujo maior sonho era transar com Zé), deixando de lado suas eventuais maldades. Ou seja, esta personagem, entre altos e baixos, foi uma grande decepção – não pelas atrizes, mas pela condução errônea.

Já os núcleos paralelos não funcionaram. Xana e Naná (Aílton Graça e Viviane Araújo em plena sintonia) formaram, inicialmente, uma ótima dupla, mas perderam importância ao longo da história, ficando muitas vezes deslocados. O desfecho (com eles casados e em um triângulo com Antônio – Lucci Ferreira) também deixou a desejar e a questão da adoção da criança, feita pelo casal, ficou mal conduzida. A trama de Orville (Paulo Rocha inexpressivo), Salvador (Paulo Vilhena em um bom momento) e Carmem (Ana Carolina Dias) foi a mais avulsa da novela e nunca despertou interesse, enquanto a história ao redor da escola de samba – envolvendo Antoninho (Roberto Bonfim) e Juju Popular (Cris Vianna) – só teve algum objetivo na época do Carnaval.

O drama envolvendo a bissexualidade de Cláudio (José Mayer) e a homofobia de Enrico (Joaquim Lopes) foi um dos mais atrativos no começo de Império; porém, se esvaziou depois que o filho do casal dispensou Maria Clara, humilhou o pai e viajou. Além deste fato, o romance de Cláudio com Leo (Klebber Toledo) não caiu no gosto popular, a reconciliação ficou muito forçada, e a excessiva compreensão de Beatriz (uma Suzy Rêgo em estado de graça) muitas vezes beirou o exagero. E a outra filha do casal (Bianca – Juliana Boller) nunca teve função, era apenas uma figurante. É preciso citar ainda o equívoco da escalação do inexperiente Laércio Fonseca para interpretar o obcecado cozinheiro Felipe, que apenas prejudicou uma trama que não estava indo bem. Suas cenas constrangiam.

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Além de todos os núcleos secundários equivocados já mencionados, o enredo em torno do trígamo Reginaldo (Flávio Galvão) foi outro problema. O ator muitas vezes sumia sem maiores explicações e a história nunca teve um bom destaque. Tanto que Elizângela (Jurema, cuja morte foi desnecessária), Nanda Costa (Tuane, um dos perfis que prometiam inicialmente) e Ravel Andrade (Otoniel) ficaram apagados e pouco foram aproveitados. O único que teve alguns bons momentos foi Júlio Machado porque seu Jairo virou comparsa da Cora por um tempo, antes de morrer – aliás, o vilão foi assassinado por um líder dos sem terra (Cardoso – Ravel Cabral), que desapareceu do folhetim (o autor, inclusive, resolveu apagar este crime e colocou Cora – ? – como a assassina).

E o blogueiro Téo Pereira foi um caso à parte. Paulo Betti não foi feliz na composição deste personagem que virou a caricatura de uma caricatura. E as situações vividas pelo personagem, na sua grande maioria, serviam apenas para o autor alfinetar a si mesmo (tanto que ele apareceu no último capítulo contracenando com sua criatura) ou ironizar a imprensa especializada. A crítica foi válida e o texto ácido era sempre muito bom, mas o papel não teve muito utilidade e muitas vezes caía na repetição. O casal Robertão (Rômulo Arantes) e Érika (Letícia Birkeuer), que fazia parte deste núcleo, também cansou com o tempo.

Mas nem tudo deu errado nas tramas paralelas. O casal Magnólia (Zezé Polessa) e Severo (Tato Gabus Mendes) foi um dos pontos positivos e os atores se destacaram inúmeras vezes. O entrosamento era nítido e as sacadas politicamente incorretas ajudaram no humor ferino dos trambiqueiros. Aguinaldo só se equivocou no final, criando um Mal de Alzheimer para Severo do nada. Ele deveria, ao menos, ter inserido este drama antes, facilitando a verossimilhança desta importante doença e destacando ainda mais o talento dos intérpretes – exatamente como foi feito por ele em Senhora do Destino (2004), com Glória Menezes e Raul Cortez. Mas apesar deste desfecho, o saldo do núcleo é positivo. E o outro acerto, claro, foi a hilária Lorraine (Dani Barros), que começou pequena e cresceu graças ao talento da atriz.

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A reta final foi totalmente voltada para a identificação do misterioso Fabrício Melgaço. E o momento que José Pedro revela para Silviano que é ele o tal inimigo número um do Comendador, não houve grande surpresa, já que toda a imprensa, inclusive o próprio site GShow, já havia divulgado a notícia. Aliás, esta situação deixou vários fios soltos e muitos furos. Como o filho de José Alfredo era o grande mentor se Maurílio (Carmo Dalla Vechia) o denunciou por tráfico de diamantes, sendo o responsável por sua prisão? E José Pedro faria Maurílio chantagear a própria mãe que sempre o apoiou? Por que ele roubaria o diamante cor de rosa para pagar Daniele (Maria Ribeiro) se ela estava com seu comparsa? O que Jesuína (Laura Cardoso) tinha a ver com todo este imbróglio?

Outro grande furo, aliás, foi Silviano ser pai de Maurílio. Ele, inicialmente, tinha contado para a família Medeiros que o vilão tinha roubado o laptop de Daniele contendo a gravação que incriminava Zé Alfredo. Por que ele denunciaria o próprio filho e comparsa? Enfim, ficou evidente que o autor se perdeu em seus próprios segredos. Mas o último capítulo apresentou algumas grandes cenas que merecem menção. O embate final entre o Comendador e Maurílio foi ótimo. O rival do protagonista foi assassinado e ainda ouviu um Morre, ‘fela’ da puta!. A morte de Silviano também foi um bom momento, que encerrou a participação do extraordinário Othon Bastos.

Já Alexandre Nero brilhou absoluto no instante que Zé tenta matar o filho e não consegue. Caio Blat foi outro que se destacou, assim como Leandra Leal, que interpretou sua melhor cena na novela, quando Cristina entra em desespero ao ver o Comendador ser atingido com uma bala pelas costas. Ela ainda impede que Zé Pedro cometa suicídio, praticamente obrigando o rapaz a conviver com a culpa do assassinado do pai pro resto da vida. E ironicamente, o homem de preto, que alegava ser imortal, morreu mesmo.

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Outra sequência merecedora de aplausos foi o velório do José Alfredo, com a família toda abraçada, deixando as desavenças de lado. Destaque especial para a maravilhosa Lília Cabral, que também emocionou quando Maria Marta (ao lado de Maria Isis, Maria Clara e Cristina) jogou as cinzas do imperador no Monte Roraima. A trama encerrou com a tradicional foto da família Medeiros, desta vez tendo João Lucas como o novo Comendador e Du ocupando o trono da nova imperatriz. A famigerada cena secreta era Zé (ou melhor, seu espírito) aparecendo em uma janela, observando todos. Portanto, tudo o que havia sido divulgado com duas semanas de antecedência foi confirmado e não houve surpresa. O autor perdeu uma ótima oportunidade de trazer a Cora de Drica Moraes de volta, colocando a vilã como Fabrício Melgaço. Haveria bem menos furos no roteiro, sem dúvida.

Em 2015, Império fechou seu ciclo com boa audiência e Aguinaldo Silva teve todos os motivos para comemorar, inclusive a ótima direção de Rogério Gomes. Porém, a novela apresentou muitas falhas e se não fosse seu núcleo central, dificilmente despertaria interesse. Entre altos e baixos, pode-se constatar que esta produção conseguiu ser bem melhor que a fracassada Em Família, mas ficou longe de ser considerada uma grande novela.

O Comendador José Alfredo entrou para a galeria dos grandes personagens da teledramaturgia e Alexandre Nero mereceu todos os aplausos; entretanto, a história que o cercou, no saldo geral, foi no máximo mediana. A Globo deveria ter escolhido outra novela para reprisar neste momento – boas opções, novas ou antigas, não faltavam.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor