André Santana

O sucesso de Vai na Fé (2023) e o fiasco de Fuzuê (2023) deve ter feito a Globo entender que o público aceita melhor tramas com o pé menos fincado na comédia na faixa das sete. Isso deve ter levado o canal a vender Família é Tudo como um dramalhão familiar.

Nathalia Dill em Família é Tudo
Nathalia Dill em Família é Tudo

As chamadas em tom sóbrio indicavam uma novela mais parecida com a obra de Rosane Svartman e menos com o folhetim de Gustavo Reiz. Porém, bastou o primeiro capítulo entrar no ar para revelar que, na verdade, Família é Tudo é uma comédia romântica bem ao estilo de Daniel Ortiz. A Globo, então, “enganou” o público no lançamento da novela.

Drama familiar

Inicialmente, Família é Tudo se chamaria A Vovó Sumiu. O título já indicava que se tratava de uma comédia. Mas, com a troca de nomes, essa impressão se perdeu. Já era o primeiro indício de que a Globo não queria entregar de cara que se tratava de uma grande comédia.

Além disso, o novo título reforça que a história trata de relações familiares. E foi exatamente assim que a Globo “vendeu” a novela na campanha de lançamento da trama. Os personagens e o enredo foram mostrados com um pé no drama, mostrando que a novela giraria em torno de uma família separada que precisava retomar uma relação.

O tom sóbrio da locução de Dirceu Rabelo, a mais antiga “voz padrão” da Globo nas chamadas, também ajudou a reforçar a ideia de que Família é Tudo não era uma comédia rasgada. Mas sim um drama familiar com toques de comédia.

Não era bem assim

Haja Coração - João Baldasserini, Malvino Salvador e Mariana Ximenes
João Baldasserini, Mariana Ximenes e Malvino Salvador em Haja Coração (Divulgação / Globo)

Mas o primeiro capítulo de Família é Tudo mostrou que, na verdade, a novela carrega todas as características do autor Daniel Ortiz. O novelista, que assinou Alto Astral (2014), Haja Coração (2016) e Salve-se Quem Puder (2020), volta à comédia romântica que o consagrou.

As novelas de Ortiz são conhecidas por emplacarem casais românticos e por triângulos amorosos variados. Em Haja Coração, por exemplo, o casal Shirley (Sabrina Petraglia) e Felipe (Marcos Pitombo) caiu nas graças do público. Ao mesmo tempo, os espectadores se dividiram entre o “time Apolo (Malvino Salvador)” e o “time Beto (João Baldasserini)” na disputa por Tancinha (Mariana Ximenes).

Mas, além do romance, as obras de Ortiz são caracterizadas pela boa e velha “farofa”. Basta lembrar que, em Salve-se Quem Puder, Alexia (Deborah Secco) chegou a se disfarçar de “Betty, a Feia”. E Kyra (Vitória Strada), outra das protagonistas, sempre se metia em situações insólitas.

Típica novela das sete

Vitória Strada e Deborah Secco em Salve-se quem Puder
Vitória Strada e Deborah Secco em Salve-se quem Puder

Família é Tudo, então, não é nada diferente das obras anteriores de Daniel Ortiz. O autor mescla romance, aventura e comédia, construindo uma típica novela das sete. E não se furta em “chutar o balde” para trazer sequências engraçadas ao público.

Isso ficou claro na apresentação de Júpiter (Thiago Martins), um dos protagonistas, mostrado como um narcisista bem acima do tom. E, principalmente, Andrômeda (Ramille), uma personagem over em todos os sentidos – e dona das melhores piadas do primeiro capítulo, diga-se.

Ou seja, a Globo estava com vergonha de assumir que Família é Tudo é uma novela das sete tradicional. E tudo bem! Daniel Ortiz já constatou que a fórmula, quando bem feita, funciona. Basta lembrar o sucesso de audiência que foi Salve-se Quem Puder, que manteve os números da faixa das sete em alta mesmo sendo interrompida pela pandemia. Isso pode acontecer de novo.

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André Santana é jornalista, escritor e produtor cultural. Cresceu acompanhado da “babá eletrônica” e transformou a paixão pela TV em profissão a partir de 2005, quando criou o blog Tele-Visão. Desde então, vem escrevendo sobre televisão em diversas publicações especializadas. É autor do livro “Tele-Visão: A Televisão Brasileira em 10 Anos”, publicado pela E. B. Ações Culturais e Clube de Autores. Leia todos os textos do autor