André Santana

Vai na Fé foi lançada recentemente pela Globo e vem chamando a atenção do público com uma trama leve, divertida e com personagens cativantes. A novela de Rosane Svartman demonstra até potencial para elevar a audiência da faixa, que vem experimentando fuga de público há tempos.

Bella Campos e Jean Paulo Campos em Vai na Fé

Mas, há algo na novela que não mereceu elogios: sua identidade visual. A logo de Vai na Fé não agradou ao espectador, que a considerou extremamente simples. Aos olhos do público, falta criatividade nesta e em outras logos de tramas recentes da emissora, como Travessia, Cara e Coragem e Amor de Mãe. Afinal, a Globo desaprendeu a fazer logos de novelas?

Era Hans Donner

Hans Donner

Na verdade, a identidade visual das novelas da Globo tem acompanhado a evolução do próprio design. Atualmente, está em alta nas artes gráficas trabalhos mais minimalistas, normalmente de tipologia chapada, que possa ser aplicável em um fundo diferente. Vai na Fé, portanto, é o ponto alto deste minimalismo em novelas: logo com fonte simples, chapada, aplicada a um fundo que retrata o cotidiano.

A escolha causa estranheza aos olhos do público noveleiro, bastante acostumado à “era Hans Donner”. Entre os anos 1970 e 2000, o famoso designer (foto acima) criou algumas das marcas mais famosas de novelas que povoaram o imaginário popular. No entanto, vale lembrar que cada uma destas obras representava bem o que era o design em sua época.

Nos anos 1990, por exemplo, o 3D, o degradê e o movimento estavam em alta. Com isso, as logos de novelas da Globo beberam desta fonte. Normalmente, eram letras com profundidade, que faziam um tipo de movimento que remetia à trama da novela. Cores “metálicas”, tipo prata e dourada, apareciam aos baldes. Sob esta ótica, marcas como as de A Próxima Vítima, A Indomada ou Laços de Família se tornaram memoráveis.

Donner criou uma identidade tão forte com esta estética “futurista” que o público se habituou a ela. Com isso, passou a entender o design adotado a partir dos anos 2010 como falta de cuidado. Mas não é bem assim. A arte da Globo apenas acompanhou a tendência que se estabelecia a partir dali.

Minimalismo

Logo Avenida Brasil

Nos anos 2010, o 3D e o tom metálico perdeu força para a tipologia mais chapada, aplicável a um fundo diverso. A logo de Avenida Brasil (foto acima) representa bem esta tendência: é branca, chapada e aparece aplicada a um fundo que reproduz luzes de uma avenida. A tipografia, com a letra V diferenciada, também remete ao caminho desta avenida. É mais simples, mas diz algo sobre a trama.

Novelas como Sete Vidas, Sol Nascente ou A Lei do Amor também repetem este estilo. Isso continua até hoje, mas de uma maneira ainda mais simples, e que nem sempre funciona. Pantanal, por exemplo, não tem um grande trabalho de tipografia: foi sua aplicação sob a paisagem da novela que lhe deu sentido.

Algo parecido acontece com Mar do Sertão, Cara e Coragem e Travessia. Nos três casos, a tipografia é trabalhada, mas minimamente. E sua aplicação traz mais elementos que remetem à trama. Cara e Coragem, por exemplo, tinha sua logo aplicada numa claquete, o que lhe deu sentido. Travessia tem sua fonte com tamanhos variáveis, formando um caminho, aplicado às águas do mar. Pode não ser a logo mais bonita (foto acima), mas faz sentido.

Conceito demais

O maior problema é quando a criação se perde num conceito. Amor de Mãe (foto acima) é um exemplo claro. A logo em si é carregada de conceitos, já que as palavras aparecem numa fonte simples, que “ultrapassam” os limites da tela. Em suma, a marca basicamente diz que o amor de mãe é algo simples e que “transborda”.

Como conceito, tudo bem. Mas o problema é que novela não é (só) conceito. Novela é um produto popular, feito para emocionar, divertir e entreter. Com isso, uma logo que também traga algo que emocione ou faça o público se envolver de algum jeito, seria o mais adequado. Uma boa trama, com uma embalagem bonita. Simples assim.

Vai na Fé vai pelo mesmo caminho. As imagens da abertura são belíssimas, remetem ao otimismo em meio ao cotidiano. É um resumo dos simples prazeres da vida. Esta simplicidade aparece na tipografia escolhida. Um conceito que faz sentido, mas que não chega ao público.

Ou seja, a Globo acerta ao seguir a tendência do minimalismo. Mas devia fazer isso sem esquecer que está criando a identidade visual de uma obra. Parece que a emissora tem vergonha de fazer novela com cara de novela, daí a quantidade de erros que vem cometendo nos últimos anos.

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André Santana é jornalista, escritor e produtor cultural. Cresceu acompanhado da “babá eletrônica” e transformou a paixão pela TV em profissão a partir de 2005, quando criou o blog Tele-Visão. Desde então, vem escrevendo sobre televisão em diversas publicações especializadas. É autor do livro “Tele-Visão: A Televisão Brasileira em 10 Anos”, publicado pela E. B. Ações Culturais e Clube de Autores. Leia todos os textos do autor