João Paulo Adour foi um dos rostos mais bonitos e expressivos das décadas de 1970 e 1980. Filho do diplomata e escritor Jayme Adour Câmara, nascido no Rio de Janeiro em 7 de novembro de 1939, João Paulo conviveu desde cedo com escritores, intelectuais e poetas como Carlos Drummond de Andrade e Vinícius de Moraes.

João Paulo Adour
Reprodução / IMDB

Adour tornou-se ator por acaso. Após a jornada escolar marcada por idas e vindas e a desistência do curso de Direito, ele declinou de uma estadia na Europa diante da aprovação num concurso para o novo espetáculo do teatrólogo Pedro Bloch – Família Pouco Família (1962) lhe rendeu o prêmio de Ator Revelação da Associação de Críticos de Teatro.

Mordido pelo “bichinho” da atuação, João Paulo Adour foi para Londres estudar arte dramática. Na volta, em 1968, subiu aos palcos em Gata em Teto de Zinco Quente; posteriormente, fez sua estreia na TV com Um Gosto Amargo de Festa (1969), novela da Record. A transferência para a Globo se deu logo em seguida…

Coadjuvante de peso

O Bem-Amado - João Paulo Adour e Maria Cláudia
Reprodução / IMDB

Na nova casa, João Paulo participou de A Ponte dos Suspiros (1969), Verão Vermelho (1969), Assim na Terra como no Céu (1970), Bandeira 2 (1971) e Selva de Pedra (1972). Em O Bem-Amado (1973, foto, com Maria Cláudia), um de seus personagens mais famosos: Cecéu, filho do prefeito Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo).

Ainda na década de 1970, Adour brilhou em Gabriela (1975), O Grito (1975) e Dona Xepa (1977); nesta última, como o arrivista Ivan. Ele reencontrou o autor de ‘Xepa’ em dois trabalhos: Brilhante (1981), na pele de Sérgio, um dos namorados de Inácio (Dennis Carvalho) – abordagem que incomodou a Censura do regime militar – e Corpo a Corpo (1984). Ainda, Olhai os Lírios do Campo (1980) e As Três Marias (1980, foto, com Maitê Proença).

As Três Marias - João Paulo Adour e Maitê Proença
Divulgação / Globo

João Paulo Adour saiu de cena após encarnar Miguel em Novo Amor (1986), folhetim de Manoel Carlos para a Manchete. O tipo em questão atraía a atenção de Lígia (Nathalia Timberg), que, até conhecê-lo, buscava no álcool a solução dos problemas envolvendo o ex-marido Marco Antônio (Carlos Alberto) e o filho Fernão (Diogo Vilela).

Negócios de família e partida solitária

João Paulo Adour
Reprodução / IMDB

O ator nunca emplacou um protagonista, mas não foi por este motivo que ele deixou a cena artística. Em entrevista à revista Contigo!, em 1994, ele atribuiu o afastamento à necessidade de assumir os negócios da família. Herdeiro de uma fortuna, João Paulo passou a vida como um autêntico playboy:

“Viajei pelos Estados Unidos e pela França. Fiz vários cursos, um filme franco – português. Fiquei indo e vindo até 1993, quando retornei definitivamente”.

O corpo de Adour foi encontrado sem vida no apartamento em que ele morava no bairro de São Conrado, Zona Sul do Rio de Janeiro, em setembro de 2018. Ele, que tinha 77 anos, foi vítima de uma parada cardíaca e não de latrocínio ou coisa parecida, como ventilou-se a princípio.

A própria família confirmou a causa da morte ao G1. O sobrinho do ator, Tomaz Adour, esclareceu que o infarto havia ocorrido há, no mínimo, 10 dias, por conta da deterioração do corpo:

“Está tudo no apartamento, relógios, quadros, pela posição em que ele estava, foi constatado que ele enfartou sozinho. Ele era cardíaco também e não gostava de seguir uma dieta, uma hora o coração não aguenta. A polícia pegou impressões digitais e não esteve ninguém lá, a casa revirada é bagunça dele mesmo. Ele morreu nu e com o livro que estava lendo na mão”.

“Foi uma das pessoas mais inteligentes e cultas que eu conheci. Era fechado, mas muito carinhoso e rascante, adorava fazer críticas ao teatro. Na casa dele há tesouros, cartas trocadas entre ele e Lima Barreto, João do Rio, Guimarães Rosa, Tônia Carrero, entre tantas outras coisas. Quem não sabe dá um livro?”, completou.

Amiga de João Paulo Adour, a atriz Patrícia Bueno, parceira de cena em Dona Xepa, foi a última pessoa com quem ele conversou ao telefone. De acordo com a artista, em entrevista ao G1, ele se encontrava bastante desesperançoso com os rumos da cultura no Brasil:

“Conversávamos sobre tudo ao telefone e, quando falávamos de cultura, ele ficava muito triste e desanimado com a falta de incentivo, de preservação, a pobreza que fica da cultura no país. Depois do fogo no Museu Nacional, não gosto nem de pensar. É uma tristeza”.

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Sebastião Uellington Pereira é apaixonado por novelas, trilhas sonoras e livros. Criador do Mofista, pesquisa sobre assuntos ligados à TV, musicas e comportamento do passado, numa busca incessante de deixar viva a memória cultural do nosso país. Escreve para o TV História desde 2020 Leia todos os textos do autor