Fiasco: um dos maiores pesadelos da Globo começava há quatro anos
12/11/2021 às 18h45
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A Globo viveu um grande pesadelo no horário nobre durante os quase sete meses em que O Sétimo Guardião esteve no ar, entre 12 de novembro de 2018 e 17 de maio de 2019. E a emissora já estava ‘traumatizada’ com as igualmente equivocadas Babilônia (que afundou a faixa em 2015) e A Lei do Amor (2016).
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Mas impressionou o conjunto de equívocos do folhetim de Aguinaldo Silva, que acabou deixando a emissora, e os vários problemas que ocorreram nos bastidores da produção. Não é exagero afirmar que absolutamente tudo deu errado. Não por acaso há uma sensação de alívio com o final da história, tanto para os profissionais envolvidos quanto para o público.
O autor já enfrentava uma batalha judicial antes mesmo da estreia da novela. Isso porque um dos alunos de Aguinaldo, Silvio Cerceau, moveu uma ação contra ele exigindo a coautoria da trama. Pouco tempo depois, ainda conseguiu o apoio de outros colegas do curso administrado pelo escritor (o Master Class), que também exigiram reconhecimento – todos alegaram que criaram a sinopse junto com Aguinaldo em plena sala de aula. Em virtude da questão com a Justiça, o autor chegou a desistir de escrever O Sétimo Guardião e já trabalhava em outra sinopse. Mas Silvio de Abreu, responsável pelo setor de teledramaturgia, acabou o convencendo a retomar o projeto.
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Os dois, obviamente, devem ter se arrependido amargamente. Até porque o enredo que marcou a volta de Aguinaldo ao realismo fantástico – visto nos sucessos Roque Santeiro(1985), Tieta (1989), Pedra Sobre Pedra (1992) e A Indomada (1997) – só poderia ser um sucesso ou um fracasso. Não tinha possibilidade do meio termo em uma trama sobre uma fonte milagrosa e um gato preto que virava homem.
Infelizmente, foi um fracasso
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Infelizmente, foi um fracasso. O pior que é o autor nem explorou os elementos mágicos de sua história. As poucas situações apresentadas foram gratuitas e toscas, como a chegada de Firmina (Guida Vianna) em um tornado, as visões forçadas de Luz (Marina Ruy Barbosa) e o carro voador de Ypiranga (Paulo Betti), por exemplo.
A produção, inclusive, parecia mais um festival de autoelogios de Aguinaldo, vide as cidades vizinhas da fictícia Serro Azul, onde o enredo era ambientado: Greenville (de A Indomada) e Tubiacanca (de Fera Ferida). As referências não tiveram função alguma no roteiro. Aliás, ficou difícil entender que história era contada. No início o contexto era baseado na escolha do famigerado sétimo guardião da fonte, mas quando Gabriel (Bruno Gagliasso) aceitou a missão nada mais fez sentido. Inclusive, o rompimento do mocinho com Luz não provocou comoção alguma porque o casal não teve a menor química e o romance dos protagonistas foi um fiasco. Os perfis eram antipáticos e sem qualquer carisma. A tentativa de conserto do autor ficou ainda pior porque Luz e Júnior (José Loreto) também não funcionou e o par se mostrou tão ruim quanto.
A grande vilã também foi um erro completo. Valentina Marsalla até parecia uma boa personagem, mas seu único grande feito foi ter tentado matar o gato León. Lília Cabral, uma das atrizes preferidas de Aguinaldo, ganhou um de seus piores papéis e a mãe de Gabriel foi perdendo espaço no enredo em virtude da falta de função. A perda de rumo do autor se evidenciou quando Valentina foi transformada em uma pessoa bacana e aliada do filho na proteção da fonte sem nenhuma explicação plausível.
Lamentavelmente, inclusive, Lília não foi a única. Tony Ramos também ganhou um vilão sem densidade e totalmente deslocado na trama. O grande ator era usado até como mera ‘orelha’ de Valentina durante um bom tempo. Nem mesmo na reta final o empresário inescrupuloso ganhou destaque. O rompimento da parceria com a ‘vilã’ tinha tudo para provocar uma boa virada, mas nada aconteceu de relevante. Revoltante ver dois profissionais tão respeitados em papéis tão dispensáveis.
Maioria do elenco não foi valorizada
O pior que é a maioria do elenco não foi valorizada. Até os atores que viveram os guardiães ganharam perfis rasos e que não tinham conflitos convidativos. Leopoldo Pacheco (Feliciano), Zezé Polessa (Milu), Dan Stulbach (Prefeito Eurico), Ailton Graça (Padre Ramiro), Paulo Rocha (Aranha), Milhem Cortaz (Joubert), Eduardo Moscovis (Murilo) e Ana Beatriz Nogueira (Ondina) não conseguiram brilhar.
Aliás, a história nunca ter explicado a razão da escolha desses guardiões para a fonte foi uma falha grave. Todos ficaram avulsos e as conversas sobre o futuro do tal local sagrado cansaram rapidamente. Mas vários outros intérpretes sofreram do mesmo problema. Como aceitar o subaproveitamento de Carol Duarte, após o sucesso de Ivana/Ivan em A Força do Querer? A prostituta Stefânia era gaga, se curou do nada, se envolveu com João Inácio (Paulo Vilhena) e praticamente sumiu da trama.
Flávia Alessandra foi uma figurante de luxo e o único objetivo de Rita de Cássia era posar de biquini em uma cachoeira — ou então transar com o marido Joubert, que tinha tara por usar calcinhas (outro contexto equivocado). Caio Blat e Bruna Linzmeyer até formaram um casal bonitinho, mas Geandro e Lourdes Maria estavam sempre deslocados. Já beato Jurandir (Paulo Miklos) foi um dos muitos tipos que perdeu relevância ao longo do enredo desgovernado, assim como Leonardo (Jaffar Bambirra), Louise (Fernanda de Freitas), Neide (Viviane Araújo), Josefa (Guida Vianna), Raimunda (Julia Konrad), Socorro (Inês Peixoto), Sóstenes (Marcos Caruso), Robério (Heitor Martinez) e Clotilde (Adriana Lessa) – os dois últimos simplesmente desapareceram da história.
Por sinal, vale lembrar que Luz era para ter sido a filha perdida de Neide. Mas o autor mudou de ideia e colocou a antipática mocinha para ser filha de Ondina. Nem assim conseguiu destacar um pouco Ana Beatriz Nogueira e terminou de enterrar a participação de Viviane Araújo na novela. A cafetina, inclusive, era dona do bordel mais desanimado da história da teledramaturgia. O núcleo nunca apresentou conteúdo relevante e nem mesmo Adamastor, perfil que prometia bons momentos para Theodoro Cochrane, conseguiu um destaque.
Demais núcleos seguiram a mesma regra
E os demais núcleos, infelizmente, seguiram a mesma regra. Todas as tramas paralelas foram uma negação. Um amontoado de personagens soltos e com dramas descartáveis. Carolina Dieckmann e Marcelo Serrado protagonizaram o pior conflito secundário de longe. O drama de Afrodite, que era humilhada e agredida pelo marido machista Nicolau, era insuportável. O autor ainda engravidou a personagem mesmo depois da separação do casal em uma recaída deprimente. Nem a paixão de Bebeto (Eduardo Speroni) pela dança e de Diana (Laryssa Ayres) pela luta – para o horror do pai Nicolau – despertou interesse. A vilania gratuita de Rivalda cresceu na reta final e também não funcionou, mas ao menos destacou o bom desempenho de Giulia Gayoso.
Até o único núcleo que apresentava qualidades em virtude do ótimos embates entre Mirtes (Elizabeth Savalla) e Stela (Vanessa Giácomo) se perdeu. O clichê de sogra e nora que se odeiam nunca falha, mas Aguinaldo não desenvolveu a trama e estagnou a rivalidade, que se esgotou. Com o intuito de transformar a beata cruel na grande vilã da novela, em virtude do fiasco de Valentina, o autor resolveu inseri-la nos outros conflitos – vide o protesto humilhante porque o delegado usava calcinhas, as fofocas feitas na internet sobre a população ou a intervenção na vida de Lourdes Maria -, mas nem assim conseguiu proporcionar uma virada. Acabou, indiretamente, apagando a personagem de Vanessa (é preciso lamentar também a cura milagrosa do alcoolismo de Stela). E o escritor perdeu a chance de aproveitar outro enredo que prometia: a evidente química entre os talentosos Matheus Abreu e Giullia Buscacio. O romance de Maltoni e Elisa tinha tudo para ser o mais interessante do folhetim, mas a relação mal foi explorada.
Nany People foi um acerto
Todavia, uma produção repleta de equívocos também consegue apresentar ao menos alguns pontos positivos. Foi o caso da escalação de Nany People. A estreia como atriz na Globo foi uma grata surpresa para o público. Nany divertiu na pele do desbocado Marcos Paulo e a sua dobradinha com Lília Cabral deu certo. Que venham novas oportunidades em outras novelas.
Letícia Spiller também convenceu como Marilda – o sotaque exagerado combinou bem com o papel -, enquanto Marcello Novaes teve boas cenas como Sampaio. E Isabela Garcia é outro êxito da novela. A intérprete se destacou merecidamente e sua Judith era mais eficiente do que todos os guardiões juntos. Uma pena que o desfecho da personagem tenha sido tão sem lógica – ela ser a assassina a mando do espírito de Egídio (Antônio Calloni) não fez o menor sentido -, mas ainda assim Isabela brilhou.
Aliás, a história do serial killer que exterminou os guardiões foi uma última tentativa de Aguinaldo para aumentar os índices de audiência da produção. Não conseguiu. Os assassinatos misteriosos não provocaram curiosidade e muito menos interesse em acompanhar a reta final. Não por acaso, a média das últimas semanas foi a pior desde Babilônia, o maior fracasso do horário nobre.
Faltou coerência na trama da fonte
É preciso observar, ainda, a falta de coerência em tudo que cercava a fonte. Qual o sentido em esconder uma nascente cuja água tem o poder de curar doenças e ressuscitar pessoas? Nem parecia que protegiam a água e, sim, que queriam escondê-la de todos por puro egoísmo. Se fosse apenas uma mera fonte de juventude daria para compreender, afinal, se trataria apenas da vaidade do ser humano. Mas não foi o caso. Por isso mesmo os guardiões nem despertaram torcida do público. E a bagunça da nomeação dos novos protetores expôs a esculhambação que virou o enredo – até Luz e Feijão (Cauê Campos) viraram guardiões da irmandade.
A repercussão nula da novela até nos capítulos finais comprovou a total falta de interesse do público até em ver o desfecho dessa história tão mal desenvolvida. E os últimos momentos não provocaram qualquer impacto ou emoção desejada. O suicídio de Judith, logo após a confissão de ter sido a serial killer, não comoveu e nem foi culpa da ótima Isabela Garcia. A cena em si foi mal realizada.
A invasão de Olavo com máquinas para destruir a fonte também pecou pelos absurdos do contexto, como Sampaio ter atirado em Eurico de forma gratuita. Luz ter terminado sozinha e Gabriel morto foram desfechos que expuseram o fiasco do casal protagonista. Embora Aguinaldo tenha declarado que ”ousou em deixar a mocinha sozinha, todo mundo sabe que o autor apenas não admitiu a falta de química do par. O escritor foi corajoso, sim, quando deixou Tieta sozinha no final de seu folhetim de imenso sucesso de 1989. Agora não teve ousadia. Teve falta de opção melhor.
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Novela repleta de equívocos
O Sétimo Guardião foi uma novela repleta de equívocos. Além do enredo fraco, personagens sem qualquer densidade, conflitos desinteressantes, ritmo arrastado e atores desvalorizados, a produção ainda enfrentou uma avalanche de problemas nos bastidores. Nem o elogiado Rogério Gomes se mostrou feliz em seu trabalho e a direção muitas vezes parecia não dialogar com o roteiro.
Para culminar, até na última semana houve um escândalo na imprensa: Caio Blat foi acusado de assédio por uma atriz do elenco. O caso fechou ”com chave de ouro o folhetim que serviu como pano de fundo para briga judicial entre autor e alunos, discussões entre intérpretes do elenco e caso de traição – o termo surubão de Noronha chegou a virar ‘meme’.
Definitivamente, a trama não deixou saudades nem para os profissionais envolvidos e muito menos para o público. A média geral foi de 29 pontos. Um fracasso em todos os aspectos. Chegou ao fim em clima de ‘já foi tarde’.