Era uma noite chuvosa em São Paulo. O dia era 26 de março de 2012. Depois de uma intensa divulgação na programação, com chamadas atraentes, o autor João Emanuel Carneiro estreava sua segunda novela no horário das 21 horas: Avenida Brasil. O autor vinha de três sucessos. Escreveu Da Cor do Pecado e Cobras & Lagartos para a faixa das 19 horas, dois dos maiores sucessos da década de 2000.

Em 2008, fez A Favorita, sua primeira no horário mais nobre da Globo. Teve um início complicado, é verdade. Mas logo se consolidou como sucesso e como uma das mais bem elogiadas tramas da década passada, com uma vilã inesquecível: Flora, interpretada por Patrícia Pillar.

As expectativas naquela ocasião eram as melhores possíveis. O problema é que nem o mais fanático por novelas iria imaginar que, naquela noite, uma novela que faria história entrava no ar. Foi a última dos fenômenos globais na faixa das 21 horas, algo que não chegou nem perto de se repetir posteriormente.

Foram 179 capítulos e uma audiência de 39 pontos de Ibope na Grande São Paulo. Pode não ser uma grande explosão, mas, para os padrões atuais, é algo excelente. Mais do que isso: Avenida Brasil foi um fenômeno de massa, sociológico, que virou mania. Algo que, cada vez mais, parece ser extinto da nossa televisão.

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Avenida em números

Logo após o fim da novela, a Globo começou as vendas para o mercado exterior. O sucesso estrondoso é visto até hoje. Anos depois, Avenida Brasil foi licenciada para mais de 150 países e traduzida para 19 idiomas, incluindo mandarim e coreano. Até mesmo o Iraque se rendeu à trama de Carminha e Nina.

No total, Avenida só não foi mais vendidas que duas tramas no mundo: Betty, A Feia (1999) e Kassandra (1992) – cada uma delas foi vendida para 180 países e traduzida para 25 idiomas, recorde imbatível até hoje.

Avenida Brasil é a novela mais lucrativa da história. Segundo a Forbes, a Globo lucrou cerca de US$ 2 bilhões apenas com licenciamento dos direitos de exibição da obra, tamanha a sua procura. Em todos os países em que foi exibida, Avenida Brasil foi uma mania maluca como no seu País natal.

Na Argentina, foi mostrada entre 2013 e 2014 e virou a grande campeã de audiência da TV daquele país. O último capítulo foi exibido em um telão para 6.000 pessoas na casa de eventos Luna Park, em Buenos Aires. Na média, a telenovela registrou 27,1 pontos de audiência, segundo dados consolidados. Ou seja, mais de 2,7 milhões de argentinos assistiram ao último capítulo da produção brasileira.

No México, onde novelas brasileiras nunca tiveram grande penetração, Avenida Brasil quebrou obstáculos. A trama elevou em 62% a audiência da TV Azteca, principal concorrente da Televisa. O sucesso fez com que a Azteca investisse em folhetins do Brasil – Verdades Secretas, por exemplo, também foi mostrada por lá com muito êxito.

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Será que foi mesmo uma unanimidade?

O saudoso Nelson Rodrigues (1912-1980) já dizia que “toda unanimidade é burra”. Mesmo sendo elogiada pelo público por todos os cantos, Avenida Brasil não foi 100% querida, muito pelo contrário. Muitos críticos as dividem em três atos.

O primeiro, até o capítulo 100 da novela, é considerado o melhor, que é a escalada até Nina se vingar totalmente de Carminha. O segundo ato, do 100, até o 150, o folhetim acaba caindo em marasmo, com Carminha tentando dar a volta por cima.

Por fim, os últimos 30 capítulos compõem o tal “terceiro ato”, quando o pai de Carminha, Santiago, se torna vilão. Muitos dizem que, neste terceiro ato, a novela cai de qualidade e fica conservadora, contrariando o ar de inovadora que teria na teoria.

O fim de Carminha, com a vilã se redimindo de seus pecados, foi bastante criticado. Além disso, o ritmo diferente e popular da novela não agrada a todos.

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A importância de Avenida

Mesmo não sendo 100% de unanimidade, é impossível negar que Avenida Brasil é, até hoje, um fenômeno de massa. Seu último capítulo parou o Brasil, a ponto de a Globo fazer uma reportagem em pleno Jornal Nacional para mostrar que as ruas estavam ficando vazias por conta do final.

A Avenida Paulista, coração financeiro de São Paulo e sempre movimentada, foi mostrada “quase vazia” para os espectadores. Após a exibição do capítulo, a Globo fez até algo que não costuma fazer: divulgar números de audiência em seus jornais.

O Jornal da Globo do dia 19 de outubro de 2012 disse que “o último capítulo foi um dos maiores fenômenos da TV nos últimos anos. Alcançou 51 pontos de audiência, segundo dados preliminares”. O fato foi narrado por William Waack, o que aumenta ainda mais o ineditismo da situação.

O colunista Thallys Bruno afirma que essa unanimidade positiva, como foi o caso de Avenida, faz muita falta na televisão brasileira. E acrescenta: Avenida ser cultuada até hoje só reforça como o horário das 21 horas da Globo decaiu nos últimos tempos. “Essa sensação de unanimidade positiva faz falta no horário nobre, que experimenta uma decadência como há muito não se via. Avenida Brasil foi a última novela das nove de grande sucesso em todos os sentidos: público, crítica, repercussão, enredo, personagens. João Emanuel Carneiro soube movimentar o roteiro como se todo capítulo fosse o último”, afirmou o colunista.

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Transformou o gênero que parecia desgastado

Mais do que uma novela, Avenida Brasil mostrou um momento sociológico do Brasil em 2012. Ela retratava fielmente a chamada “nova classe C”, que estava extremamente em voga em 2012, por conta do bom desempenho financeiro do Brasil à época, bem longe da crise que atravessamos atualmente.

Foi em Avenida Brasil que a representação da classe média e do subúrbio carioca ganhou ares de “cult” e virou mania nacional, com muitas casas e lugares copiando o estilo excêntrico e, porque não, divertido da família de Tufão.

Tudo isso aconteceu pela construção de diversos cenários da trama, como na mansão da família, em que é evidente o estilo “novo rico”, com exageros na decoração e obras de artes caras, e no bairro fictício do Divino, com bares movimentados, camelôs e postes carregados por propagandas de jogo de búzios e outras superstições populares.

Porém, mais do que ditar modas, Avenida Brasil mostrou que a telenovela ainda pode ser um grande fenômeno de massa, como foi entre os anos 1960 e 1980, criando manias malucas e fazendo o País parar na frente da TV.

Quem concorda com isso é o escritor e jornalista Daniel César. Na época, ele relata que vivia em um processo de transição em sua vida e a trama de João Emanuel Carneiro ajudou a mostrar que o gênero de telenovela ainda não havia morrido. “Quando estreou Avenida Brasil, eu estava num processo de transição. Tentando me descobrir como escritor. A novela me mostrou que é possível criar dentro de um modelo que parece desgastado. Como telespectador, fã e estudioso de dramaturgia, considero a novela um marco importante para as telenovelas. A despeito da grande qualidade, a novela retratou um momento social e por isso considero uma trama sociológica”, afirma o roteirista.

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Revenge brasileira?

Na época, a vingança também estava em voga na televisão mundial, por causa de uma grande série de sucesso: a estadunidense Revenge, que chegou a ser mostrada pela própria Globo em 2013, quando Avenida Brasil já havia saído do ar, nas noites de domingo.

Revenge conta a história de Amanda Clarke, interpretada por Emilly Vamcamp. Quando era criança, Amanda viu seu pai ser preso sob a acusação falsa e injusta de terrorismo, sendo julgado e condenado à prisão, onde acabou sendo assassinado.

Após alguns anos, Amanda – usando o nome falso de Emily Thorne – volta aos Hamptons, onde viu o seu trauma acontecer, para se vingar das pessoas que destruíram sua família e causaram a morte de seu pai. Seu principal alvo é Victoria Grayson (Madeleine Stowe), matriarca da família Grayson, que amou e traiu seu pai.

Na época, as comparações foram imediatas, já que Avenida Brasil também conta a história de vingança de uma jovem que viu a vida de seu pai ser desgraçada por uma mulher que, supostamente, o amava, e quando se torna mais velha, decide se vingar.

Algumas revistas sensacionalistas chegam a dizer que João Emanuel Carneiro teria copiado o roteiro da novela na “cara dura”, ao ler sobre a sinopse de Revenge numa viagem aos Estados Unidos. A especulação, claro, não tem lógica, já que a sinopse de Avenida Brasil foi entregue à Globo em 2010, enquanto Revenge só começou a ser produzida em janeiro de 2011.

Mas, se baseando em roteiro, o especialista Daniel César entende que não há qualquer semelhança nas duas produções – as diferenças estão bem claras em quem assiste uma e outra. “Eu não vejo paralelo algum. Revenge tinha por base a busca cega por vingança e o preço a pagar. Avenida Brasil mostrava até onde alguém iria para fazer justiça – se a justiça com as próprias mãos muda os valores morais de alguma pessoa”, comenta o jornalista.

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Para sempre Avenida Brasil

Avenida Brasil parece continuar sendo um fenômeno eterno. Em 2017, um compacto de três meses foi exibido dentro do saudoso Vídeo Show, com média diária de 18 a 20 minutos. Foram 53 episódios mostrados, de todos os 179 capítulos originais. Isso tudo é por causa dos números de audiência. Avenida Brasil foi, na época, o pico de audiência do programa exibido pela Globo, extinto após sucessivas derrotas para o Balanço Geral da Record.

Mais tarde, em 2019, a novela voltou no Vale a Pena Ver de Novo, novamente com grande sucesso, batendo recordes de audiência. Como na exibição original, sempre que o clássico #oioioi da abertura ecoava na TV, o Twitter vinha abaixo. Postagens e mais postagens cantarolando a música de abertura aprecem do nada e lembravam como a novela ainda é querida.

O fato é que Avenida Brasil está comemorando nove anos de sua estreia, mas a sensação que fica é que seu último capítulo foi exibido ontem. A saudade sempre impera, mas o último dos fenômenos fica cravado na memória de quem gosta de novelas e de quem ama televisão.

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