Zamenza

É raro existir uma novela perfeita. Até os maiores sucessos de todos os tempos tiveram suas falhas. É algo normal na teledramaturgia e em qualquer produção de teatro ou audiovisual. Dá para contar nos dedos os roteiros impecáveis.

Pantanal foi um fenômeno da Rede Manchete e entrou para a história por conta dos personagens marcantes, cenas de nudez e ter ameaçado a liderança da Globo em 1990. Porém, o folhetim de Benedito Ruy Barbosa teve seus equívocos e muitos nunca foram esquecidos. A realização de um remake era a chance para aperfeiçoar um produto tão querido pelos telespectadores.

Pantanal

Mas Bruno Luperi, neto do autor e responsável pela adaptação, jogou no lixo a oportunidade de ouro que teve. Ou foi obrigado pelo avô a jogar no lixo, é importante levantar a dúvida. Isso porque o remake vem se mantendo praticamente idêntico ao produto original, exibido há 32 anos.

Foram pouquíssimas mudanças até o momento. Uma das raras foi a alteração na personalidade de Jove (Jesuíta Barbosa). O mocinho de Marcos Winter era sarcástico, de pavio curto e machista. O atual é militante, introspectivo e ‘zen’. Já algumas falas hoje vistas como homofóbicas, sobre Zaquieu (Silvero Pereira), também foram minimamente reformuladas.

Racismo

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A outra pequena mudança foi a segunda família de Tenório (Murilo Benício). Em 1990, era formada por atores brancos e agora foram escalados intérpretes negros para uma representatividade, já que na história original só tinha um negro no elenco. Todavia, na prática, a mexida não provocou nada de diferente no roteiro. Tudo segue exatamente igual ao texto de 32 anos atrás.

As raras alterações em cima da temática do racismo ficaram sem qualquer nexo. Renato (Gabriel Santana) e Marcelo (Lucas Leto) disseram umas quatro vezes que o pai não os levava para o Pantanal porque eram negros. Só que não houve qualquer cena que mostrasse o vilão sendo racista. Pelo contrário, sempre ficou evidente que o sujeito tinha uma clara preferência pelos três filhos homens do que pela única filha mulher.

E qual a razão de não ter sido gravada alguma cena de Tenório sendo preconceituoso? Porque alteraria, ainda que infimamente, a obra original. Então, para não desagradar Benedito, é mais fácil jogar uma frase solta no texto ao invés de provocar uma mudança maior. O resultado é um tema sério abordado de forma superficial e irrelevante – até porque o assunto nunca mais entrou em vigor.

Sem sentido

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E voltando aos erros de Pantanal original, alguns deles ocorreram por conta dos imprevistos e não por culpa de Benedito. Ítala Nandi resolveu abandonar a novela porque tinha um filme para realizar e o autor não a perdoou até hoje, segundo a própria em entrevistas. O plano era a mãe de Jove sofrer um grave acidente de avião, mas sobreviver e ser cuidada pelo Velho do Rio (Claudio Marzo), o que implicaria em uma nova visão de mundo da personagem que só pensava em si mesma.

Mas a decisão da intérprete transformou a cena do acidente em algo fatal. E sem despedidas emocionantes. Ela simplesmente desapareceu. Os personagens sofreram por dois capítulos, no máximo, e logo depois já esqueceram dela. O remake era a chance de Luperi realizar o que o avô não conseguiu. Até porque Karine Teles estava fazendo um baita sucesso na pele de Madeleine e o retorno da perua renderia uma excelente virada na trama. Mas tudo foi mantido fielmente igual ao original.

E o que comentar a respeito do conflito insuportável entre Juma (Alanis Guillen) e José Lucas (Irandhir Santos)? O personagem foi criado na época porque os telespectadores se indignaram com a saída de Paulo Gorgulho, que vivia Leôncio na primeira fase. Então o autor criou um novo filho do protagonista para o ator voltar. Por isso os personagens falavam tanto da semelhança entre os dois. Luperi se negou a mudar até o texto, o que deixou a situação sem sentido.

Mais equívocos

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Irandhir não lembra em nada o Marcos Palmeira. E muito menos o Osmar Prado. Em 1990, Lucas lembrava porque foi o Gorgulho que viveu o Leôncio na primeira fase. E em que o amor de Lucas por Juma movimentou o roteiro? Em nada. Ainda deixou a novela maçante por semanas, incluindo o pós-casamento dos mocinhos porque a onça brigou com Jove e foi morar na tapera com Lucas. Arcos equivocados que poderiam ter sido alterados sem maiores problemas.

O autor prefere mexer em situações sem qualquer importância para o roteiro, como a relação entre Zé Lucas e Érica (Marcela Fetter). Ainda assim de forma quase imperceptível. Em 1990, a jornalista inventou uma gravidez para dar o golpe do baú em Lucas com a ajuda do pai. E não existia a figura da mãe. No remake, a mãe foi inserida para homenagear Gisela Reimann, atriz que interpretou Érica em 1990. Uma homenagem válida.

A outra mudança foi o fato da menina ter engravidado de verdade e sofrido um aborto espontâneo. Já que houve uma novidade no roteiro, mesmo que pequena, qual era a lógica? Que os rumos ao menos fossem um pouco diferentes. Afinal, o caráter da jornalista foi modificado. Mas o neto de Benedito manteve o ‘copia e cola’.

Só que conseguiu deixar o contexto pior. Isso porque Zé teve motivos para largar a noiva no altar há 32 anos. Era uma golpista. Mas abandoná-la agora apenas porque a mulher contou primeiro para o pai que tinha sofrido um aborto e não para ele? Depois de ter dito que a então noiva não ficaria sozinha em sua dor? O escritor acabou colocando Lucas como um canalha. Se queria tanto manter o abandono, por qual razão não fez o personagem descobrir sobre a corrupção do sogro? Seria uma razão bem mais plausível.

Perda de relevância

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É necessário mencionar mais um grave problema da versão original que não foi consertada no remake: a perda de relevância de Juma (Alanis Guillen). A personagem é a mocinha da novela e tem uma potência enorme nos primeiros meses. Mas ao longo da história a mulher-onça vai perdendo o destaque até virar uma coadjuvante qualquer e sem conflitos. Por que não houve uma preocupação de mudar um problema tão visível na versão de 1990 no remake? Até porque Alanis foi um dos maiores acertos da escalação. A Juma Marruá ganhou uma intérprete perfeita. Ela merecia um desenvolvimento melhor que o de 32 anos atrás. Será que Benedito e seu neto realmente não enxergam defeito algum na obra?

Agora, a comprovação final a respeito da conduta omissa de Bruno Luperi foi a saída de Trindade da novela. Em 1990, Almir Sater foi chamado para protagonizar Ana Raio e Zé Trovão, na mesma Manchete, e, como era um protagonista, não tinha como recusar. Saiu de um perfil terciário para ser mocinho. A saída de Benedito foi inventar uma crise de última hora entre o violeiro e o cramulhão, que passou a atormentar Irma (Elaine Cristina) e dizer para o peão que aquele filho que ela estava esperando era dele.

O personagem no remake ficou nas mãos de Gabriel Sater, filho de Almir, e o ator deu um show na trama. Virou um dos maiores destaques da história, algo que não aconteceu na versão de 32 anos atrás. E sua química com Camila Morgado surpreendeu. O casal ‘Trirma’ logo caiu nas graças do público. Suas cenas cantando também eram de uma sensibilidade ímpar. Vale destacar a mudança na feição de Gabriel quando o cramulhão entrava em seu corpo. O amigo de Tibério (Guito) sempre rendeu bons momentos em cena.

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Revisor de texto

Gabriel Sater

Qual a necessidade da saída de Trindade no remake? Gabriel não vai protagonizar novela alguma. E o ator pediu várias vezes para ter seu destino mudado porque não queria sair da novela. Claro que a decisão do escritor é soberana e resta ao intérprete aceitá-la, mas neste caso era uma situação que não aconteceria na obra original. Benedito só tirou o personagem porque foi obrigado. Mais uma vez era a oportunidade do neto dar continuidade a algo que o avô acabou impedido de realizar na época.

E o pior é o que vem depois do adeus do violeiro. Há o início de um desenvolvimento forçado entre Irma e Zé Lucas de Nada. A jornalista Patrícia Kogut divulgou semana passada que até a cena do casamento deles já foi gravada para o último capítulo. Detalhe: os personagens ficaram juntos no fim em 1990, mas sem cerimônia. Ou seja, Luperi resolveu mudar uma pequena situação, mas novamente para pior. É inacreditável, e ao mesmo tempo decepcionante, constatar que todas as chances de melhorar um conjunto tão bem lembrado pelo grande público foram desperdiçadas por puro ego, independente da decisão ter partido de Benedito ou do próprio Bruno.

Pantanal foi um novelão e segue sendo. O remake tem ótima audiência , além de boa repercussão. E justamente por ser uma produção de tanta qualidade que reclamações e críticas sobre uma fidelidade tacanha se tornam tão necessárias. Luperi tem se mostrado um revisor de texto e não um autor. Pena.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor