Há 44 anos, a Tupi dava início à exibição de um de seus últimos sucessos: Aritana. A novela de Ivani Ribeiro – então contratada dos Estúdios Silvio Santos e “emprestada” à emissora pioneira – retratava as diferenças sociais entre os índios e a sociedade que se diz civilizada, através da disputa de terras de Aritana (Carlos Alberto Riccelli), da tribo Kamaiurás, e seu tio por parte de pai, Nhonhô Correia (Jayme Barcellos), senhor de terras.

Para conceber o enredo, Ivani contou com a assessoria dos irmãos Villas-Bôas – Cláudio, Leonardo e Orlando – que, em 1943, engajaram-se na defesa da causa dos índios e trabalharam pela criação do Parque Indígena do Xingu (no Mato Grosso).

As gravações transcorreram, com o apoio da Funai, na tribo Kamaiurás, a 250 quilômetros de Barra da Garça; dentre as tribos instaladas por ali, os Yawalapitis também prestaram auxílio à equipe. Participaram das tomadas por lá os diretores Atílio Riccó e Luís Gallon – profundo conhecedor da cultura dos índios – produtor, câmeras, operadores de VT e de som e os protagonistas Bruna Lombardi (Estela) e Carlos Alberto Riccelli, que se envolveram durante a produção e estão juntos até hoje.

Autora foi acusada de distorcer causas indígenas

Não faltaram vozes para acusar a autora de distorcer a discussão sobre as causas indígenas: enquanto antropólogos alegavam que Ivani havia convertido Aritana num herói estereotipado, empresários e políticos se queixaram da defesa à demarcação de terras. Para serenar os ânimos, a Tupi exibiu o especial O Caso Aritana, Uma Novela à Parte, com depoimentos do diretor artístico Carlos Zara, atores, índios, populares e representantes de órgãos ligados aos direitos indígenas.

Notando o interesse crescente do público pela celeuma, a emissora também alterou o horário da novela, no início de dezembro, fugindo da concorrência com Dancin’ Days, que a Globo exibia às 20h. Inicialmente colada em O Direito de Nascer (19h40), Aritana passou de 20h20 para 20h50; esta meia-hora de “atraso” foi coberta pelo Grande Jornal, antes exibido às 22h35.

Em entrevista à revista Sétimo Céu, Carlos Alberto Riccelli – parceiro de Ivani também em A Viagem (1975) e O Espantalho (1977) – relatou detalhes de sua preparação para o folhetim: instalado no posto de apoio da Funai no Xingu, ele seguia a pé todos os dias em direção à tribo onde vivia o cacique que inspirou seu personagem.

No primeiro contato com os índios, Riccelli se despiu, permitiu que pintassem seu corpo e cortassem seu cabelo (com uma faca de dentes de piranha), dançou o jacuí e quarup e provou do mingau de mandioca. Ele ainda aprendeu a cavalgar, com o auxílio de Jorge Dória – exímio cavaleiro, intérprete do fazendeiro Boaventura. Pelo desempenho, Carlos Alberto foi premiado com o APCA de melhor ator de 1978.

Homem de coração puro, Aritana decide deixar o Xingu quando pressente que o território de seu povo está ameaçado. Filho de uma índia com um branco, ele é surpreendido pelo desejo do tio Nhonhô – Jayme Barcellos, também premiado com o APCA – de vender as terras que lhes foram deixadas por seu pai para um grupo americano.

A favor do fazendeiro está a veterinária Estela (Bruna Lombardi), decepcionada com os homens após ser rejeitada por Lalau (Tony Corrêa, que despontou na TV em Locomotivas, no ano anterior, na Globo). Ciente da paixão de Aritana por ela, Estela se aproxima do índio para agradar o irmão Danilo (John Herbert), que estabelece um acordo com Nhonhô – que lhe garante o dinheiro necessário para o operar o filho que tivera com Inês (Maria Estela), o adolescente Marquito (Haroldo Botta), deficiente mental que se comportava como uma criança.

Nhonhô se julgava espertíssimo, mas acabou ludibriado pela oportunista Yara – Wanda Stefânia, recém-saída da Globo, onde protagonizara Te Contei?, às 19h. Ela se aproveitara da surdez do velhote para tornar-se sua noiva, enquanto mantinha um relacionamento clandestino com o capataz Mateus (Othon Bastos).

O romance não era segredo para Violeta (Arlete Montenegro, substituindo Maria Viana), empregada da fazenda e apaixonada pelo pau-mandado de Nhonhô. A presença de Yara – irmã da cafetina Fani (Carminha Brandão) – também desagradava Guiomar (Márcia Real), irmã do fazendeiro e mãe de Magali (Suzy Camacho). A jovenzinha, para quem Guiomar buscava um bom partido, se envolvia com o peão Alaor (Roberto Rocco).

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Geórgia Gomide e Cleyde Yaconis se destacaram na novela

Com Éramos Seis (1977) em reprise às 13h, Geórgia Gomide pode ser vista em dois momentos distintos: à tarde, como Clotilde, mulher que se preparou a vida toda para o casamento, mas “já passou da idade” de se unir a alguém; e na novela das 20h, como Lígia, ex-Miss São Paulo, ainda apegada ao glamour da passarela e inábil com prendas domésticas. Casada com o pacato professor Homero (Francisco Milani), Lígia resolve abandonar o lar para se unir ao bandido Julião (Carlos Vereza), que a leva de volta à “terra da garoa” e passa a explorá-la. A audiência interpretou sua frustração como vilania. Pesava contra Lígia o fato de delegar à mãe já idosa, Elza (Cleyde Yaconis), as tarefas da casa.

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Cleyde Yaconis, aliás, também foi contemplada com o troféu APCA. Em dado momento, Elza é internada pelas filhas em um asilo. Aritana então passou a abordar o descaso com os idosos – que Ivani Ribeiro debateu em seu último texto, Quem é Você (1996), desenvolvido após sua morte. Elza acabou por se envolver com Boaventura – que, na sinopse original, era chamado Barbosa -, divertido coronel, amigo de Nhonhô. Além de Lígia, ela também era mãe de Ana Maria (Ana Rosa, em papel inicialmente destinado a Arlete Montenegro). Viúva, mãe de dois filhos pequenos, Ana Maria se vê cortejada pelo farmacêutico Ademar (Amilton Monteiro), mas hesita se envolver, já que ele é a paixão de sua sobrinha, Paula (Cristina Mullins).

Ainda no elenco: Marcos Caruso, como Marcelino, dono de uma lanchonete; Serafim Gonzales como Comendador Seabra, dono do hotel gerenciado por seu filho Lalau, com auxílio de Danilo; e Denis Derkian como Tuta, filho de Lígia, que herdou o desvio de caráter da mãe.

Aritana chegou ao fim em 30 de abril de 1979, uma segunda-feira, encerrando a passagem de Ivani Ribeiro pela Tupi. Na ocasião, a trama era exibida entre 19h50 e 20h45, após O Direito de Nascer, antecedendo o Grande Jornal.

A novela foi substituída por Como Salvar Meu Casamento, de Carlos Lombardi, Edy Lima e Ney Marcondes, encerrada antes da exibição de seus 20 capítulos finais, em meio à crise que culminou com o fechamento da emissora, em 1980.

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Apaixonado por novelas desde que Ruth (Gloria Pires) assumiu o lugar de Raquel (também Gloria) na segunda versão de Mulheres de Areia. E escrevendo sobre desde quando Thales (Armando Babaioff) assumiu o amor por Julinho (André Arteche) no remake de Tititi. Passei pelo blog Agora é Que São Eles, pelo site do Canal VIVA e pelo portal RD1. Agora, volto a colaborar com o TV História.