Esquecível e boba, Pega Pega não honrou sua ótima audiência

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A estreia de Claudia Souto como autora solo, após anos trabalhando como colaboradora de vários escritores – entre eles Walcyr Carrasco -, fez a alegria da Globo no horário das sete. Pega Pega teve uma audiência acima de qualquer expectativa e terminou com uma média geral de 29 pontos, maior índice desde o fenômeno Cheias de Charme (2012). Um feito e tanto. Ou seja, o objetivo da emissora foi cumprido: lançar um novo roteirista, recebendo um bom retorno em faturamento. Porém, o enredo não honrou essa média elevada e a repercussão da trama foi baixa, não acompanhando os impressionantes números.

A história já começou equivocada com o amor súbito e pouco convincente de Eric (Mateus Solano) e Luiza (Camila Queiroz). Os mocinhos se apaixonaram perdidamente no primeiro capítulo e ainda na estreia se declararam perdidamente loucos de amor, com direito a transa e passeio de helicóptero romântico. Impossível ter comprado o romance dessa forma tão rasa. O resultado dessa construção apressada foi o fracasso do par, que não teve química alguma e não demorou para perder importância no folhetim ao longo dos meses. Para culminar, os perfis também eram desinteressantes e insossos.

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Luiza, por exemplo, não teve um drama particular sequer. Seu único conflito foi a falência do avô, Pedrinho Guimarães (Marcos Caruso), depois que o Carioca Palace foi roubado durante a venda. Ainda assim nem era um problema dela e, sim, do avô. Suas brigas bestas com Eric também não acrescentaram em nada, dando a clara impressão de preenchimento de tempo dos capítulos.
Os desentendimentos, aliás, se mostravam pouco críveis, vide a desconfiança dela a respeito da morte misteriosa da esposa de Eric. A neta do dono do hotel só se preocupou em investigar o namorado depois que se casou com ele. Um pouco tarde, não?

A saída da autora para criar algum tipo de drama para o personagem de Solano, inclusive, foi colocá-lo como ‘ajudante’ da polícia na investigação do roubo do Carioca Palace. Porém, não deu certo. Ele acabou virando um mero intrometido que atrapalhava o trabalho dos investigadores e ainda seduziu Sandra Helena (Nanda Costa) e Maria Pia (Mariana Santos) para desmascará-las, expondo a hipocrisia do seu discurso em prol da honestidade – vale lembrar que o empresário pagou pelo hotel em dinheiro vivo, cedendo aos apelos de Pedrinho, que queria se livrar dos impostos do governo.

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Sandra e Maria, por sinal, foram as melhores personagens da trama. As duas tinham falhas de caráter, mas eram humanas e nunca foram meras vilãs. A primeira foi seduzida pelo dinheiro fácil, sendo uma das integrantes da quadrilha que roubou o hotel, e a segunda aproveitou o roubo para chantagear Malagueta (Marcelo Serrado) com o intuito de finalmente conseguir ficar com Eric, seu eterno amor platônico.

Duas figuras insensatas e carismáticas. Nanda Costa cresceu na novela merecidamente, roubando a cena várias vezes, principalmente na época que a ladra herdou uma fortuna de uma hóspede querida, ficando milionária. Já Mariana acabou deslocada uma boa parte do tempo, lamentavelmente, só ganhando importância na reta final. Mas, ainda assim, conseguiu brilhar e formou o melhor casal de Pega Pega com Marcelo Serrado.

É preciso também citar o Malagueta. Mentor do roubo de 40 milhões de dólares, convencendo os amigos Sandra, Júlio (Thiago Martins) e Agnaldo (João Baldasserini), o vilão foi bem construído pela autora e o ator se saiu muito bem, imprimindo até uma gargalhada característica para o papel.

Arrogante e inteligente, Vitor no fundo só queria mostrar para o pai criminoso (Timóteo – Cacá Amaral) que poderia ser tão ‘genial’ no crime quanto ele. Pena que o enredo envolvendo esse famigerado roubo se esgotou rapidamente. Não conseguiu ficar atrativo nem por dois meses. Tanto que Claudia estendeu o quanto pôde a revelação da identidade do quarto ladrão, só usando essa carta na manga nas semanas finais. A enrolação em torno disso ficou nítida e nem mesmo as prisões de Júlio, Agnaldo e Sandra Helena provocaram bons conflitos.

Por falar no quarteto, é uma pena que o casal Sandra e Agnaldo não tenha sido aproveitado como deveria. A paixonite dela por Eric se mostrou forçada e o par acabou perdendo relevância, até mesmo durante a fase da ex-camareira rica. Esse par e o formado por Maria Pia e Malagueta foram os únicos bons do enredo e poderiam ter rendido muito mais. Afinal, além do romance sem sal de Eric e Luiza, a relação de Júlio e Antônia (Vanessa Giácomo) era irritante.

A expressão sofredora constante de Thiago cansava e o discurso moralista do suposto mocinho transbordava hipocrisia, bancando a vítima e alegando que roubou para as tias não serem despejadas. Os três outros ladrões foram seduzidos pela ambição e foi fácil de comprar essa besteira que fizeram, mas a razão dele se mostrou nada convincente e rasa. As idas e vindas com a policial eram dignas de adolescentes e o par não foi nada cativante; enquanto as brigas do rapaz com Domênico (Marcos Veras) soavam absurdas, pois faziam parecer que ele era o certo e o policial, parceiro de Antônia, o errado.

Outro problema grave da novela foi o desperdício de grandes nomes. Nicette Bruno e Cristina Pereira formaram uma deliciosa dupla, mas Elza e Prazeres não tiveram relevância alguma para o roteiro e ficaram avulsas boa parte do tempo. Houve até uma cena relativamente longa das duas tentando matar mosquitos…

Ângela Vieira e Reginaldo Faria foram mais alguns ótimos atores desperdiçados e nem a revelação da vilania de Ligia e Athaíde no fim salvou. Danton Mello (Borges) e Dani Barros (Tereza) foram meros figurantes e o núcleo do Teatro de Bonecos era totalmente deslocado da história e parecia uma novela paralela. Até mesmo Milton Gonçalves não teve o destaque merecido, ainda que a trama envolvendo a adoção de Dom (David Júnior) tenha proporcionado boas cenas para os intérpretes, incluindo a maravilhosa Irene Ravache (Sabine). Aliás, Irene fez uma improvável e gostosa dupla com Jeniffer Nascimento, que viveu a interesseira Tânia. A veterana começou apagada, mas ganhou um destaque maior ao longo dos meses.

Entre os poucos acertos da produção – além dos já citados Maria Pia, Malagueta, Sandra Helena e da dupla formada por Sabine e Tânia -, é necessário mencionar Guilherme Weber. Douglas ganhou um intérprete conhecidamente talentoso e o responsável por todos os empregados do Carioca Palace foi um perfil divertido, que protagonizou boas cenas, descobrindo até um filho depois da metade da trama.

Vale elogiar também Rodrigo Fagundes, ótimo como Nelito, e Elizabeth Savalla, muito bem como Arlete, formando um casal agradável com Marcos Caruso. Valentina Herszage foi a grata revelação da novela e a atriz defendeu a problemática Bebeth com competência – pena que o drama da menina tenha sido tão chato, dando até saudades do seu canguru imaginário, tão criticado no início da história.

A reta final do folhetim apenas reforçou os problemas no roteiro e a falta de conflitos atraentes. O julgamento dos quatro ladrões durou uma eternidade, provocando tédio ao invés de empolgar. A revelação de que Júlio e Eric são irmãos soou estapafúrdia, mostrando até um certo improviso da autora, que dificilmente planejou em sua sinopse. Afinal, qual a lógica em Arlete saber que seu filho era herdeiro de um hotel luxuoso e deixá-lo endividado morando com as tias? E porque só contou muito tempo depois da prisão dele e de todos os problemas que acarretaram?

Para culminar, o único drama do enredo passou a ser o mistério em torno do assassinato de Mirela, uma personagem que o público só viu na história através de uns três flashbacks, aproximadamente. E mistério apenas para os personagens porque o telespectador já estava cansado de saber que era Lígia a autora. Tanto que as últimas semanas se arrastaram e o penúltimo capítulo não teve nada de relevante. A verdade é que já não restava muita coisa para resolver ou concluir. Ao menos a cena de Ligia e Athaíde tentando fugir de avião – em uma clara referência ao sucesso Vale Tudo (1989), mas desta vez fracassando – foi uma boa sacada.

O último capítulo valeu pela linda cena de reconciliação entre Maria Pia e Bebeth, destacando a emoção de Mariana Santos e Valentina Herszage. Ângela Vieira e Irene Ravache também brilharam no momento em que Lígia e Sabine se estapeiam na cadeia, enquanto o desfecho do casal ‘Malapia’ foi divertido com Malagueta curtindo Búzios ao lado da amada, depois de ter cumprido pena por oito anos e escondido parte da grana roubada.

O ”crossover” com Deus Salve o Rei foi outro ponto alto, surpreendendo com o sonho das crianças com Amália (Marina Ruy Barbosa) no Reino de Artena. Já o resto foi totalmente dispensável, incluindo Aguinaldo rico que não fez o menor sentido.

Pega Pega é aquele caso de que audiência e qualidade nem sempre andam juntas. A novela de Claudia Souto, dirigida com profissionalismo por Luiz Henrique Rios, fez um grande sucesso e os excelentes números comprovam isso. É um fato que precisa ser reconhecido. Entretanto, a história se mostrou rasa, boba e totalmente esquecível. É um folhetim que não será lembrado e nem engrandecerá a carreira da maioria dos atores que participaram, infelizmente.

SÉRGIO SANTOS é apaixonado por televisão e está sempre de olho nos detalhes, como pode ser visto em seu blog. Contatos podem ser feitos pelo Twitter ou pelo Facebook. Ocupa este espaço às terças e quintas


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