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Nos Tempos do Imperador, atual novela das seis da Globo, dirigida por Vinícius Coimbra, começou enfrentando muitas críticas a respeito de distorções históricas em torno do período imperial do Brasil.
Porém, folhetim não é documentário e licenças poéticas são compreensíveis. Afinal, é ficção. Nenhuma novela que retrata períodos reais do país agradará todo mundo, principalmente historiadores. O grande problema do roteiro envolve os romances centrais. Algumas observações são necessárias sobre os dois casais principais da história de Alessandro Marson e Thereza Falcão.
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Os romances são vitais em milhares de folhetins. Os autores foram muito felizes na construção dos casais em Novo Mundo, de 2017. Até conseguiram contornar bem todas as controvérsias em torno da relação de Dom Pedro I (Caio Castro) e Leopoldina (Letícia Colin), ao mesmo tempo que conquistaram o público com um casal aventureiro que representou o lado mais lúdico do roteiro: Anna (Isabelle Drummond) e Joaquim (Chay Suede). Já em Nos Tempos do Imperador houve um equívoco na condução dos dois casais.
Tanto Pilar (Gabriela Medvedovski) e Samuel/Jorge (Michel Gomes), quanto Pedro II (Selton Mello) e Luísa (Mariana Ximenes) foram formados através do amor à primeira vista. Nada contra o clichê, mas esse tipo de situação só emplaca quando há uma química gigantesca entre os atores. Às vezes nem assim. Isso porque não há construção.
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O desenvolvimento da relação fica raso para o público e fica quase impossível comprar o relacionamento ao longo da história. Não há um elo afetivo do telespectador, uma torcida. Normalmente ocorre uma rejeição ou então a perigosa indiferença.
É verdade que Ana e Joaquim, na trama passada dos escritores, também se apaixonaram à primeira vista. Todavia, o romance demorou a acontecer. Foram vários os empecilhos que os separavam a todo instante, o que despertava expectativa.
Pilar e Samuel se encantaram e logo depois já iniciaram um namoro. A situação foi até parecida com Ana e Joaquim, que também se conheceram em uma fuga. Mas na atual trama fica difícil torcer por um casal onde tudo aconteceu rápido demais. Aliás, a relação nem parece muito conturbada, o que é um absurdo em se tratando de uma menina branca e um jovem negro em plena sociedade de 1864, onde a escravidão ainda existe.
No início da trama, os dois passeavam como namorados pela cidade e encaravam apenas alguns olhares atravessados. Todos do círculo de amizade deles encararam a relação como natural. Realmente, é maravilhoso viver em um mundo sem preconceitos. Mas se até hoje o racismo é um câncer que está presente na sociedade, imagine na época.
Seria até mais interessante ver o par sofrendo e precisando enfrentar tudo isso. Ou até mesmo a própria Pilar ter uma resistência inicial em assumir esse amor por conta dos costumes e seus próprios preconceitos, afinal, foi criada em torno deles.
Mas os autores criaram uma mocinha sem preconceitos, feminista, progressista, moderna e que se tornou a primeira médica do Brasil (frase dita em quase todos os capítulos das primeiras semanas). É uma pessoa perfeita, o que a torna inverossímil e reflete no enfraquecimento do casal.
Os dois passaram boa parte da história felizes e quando tiveram um conflito maior foi por conta de uma armação besta de Zayla (Heslaine Vieira), que chantageou Pilar e a obrigou a se separar do mocinho caso contrário contaria que ele era o assassino do pai de Tonico Rocha (Alexandre Nero). A situação se arrastou.
Quando a vilã foi desmascarada, o par teve o casamento arruinado por conta de Tonico, que descobriu que Samuel era Jorge durante a guerra contra o Paraguai – vale ressaltar que as cenas da guerra foram cansativas e deixaram o folhetim entediante. A virada ao menos deu um fôlego ao enredo, mas não deixou nada em torno dos mocinhos mais atrativo. Agora Samuel está preso e Pilar indignada.
A situação não muda muito em torno da relação entre Pedro II e Luísa. Muitos questionam o romance da novela porque historiadores nunca confirmaram a existência do relacionamento. Embora o Imperador tenha realmente se encantado pela Condessa de Barral, tudo leva a crer que a paixão era platônica e foi registrada apenas por cartas. Mas todo folhetim tem a liberdade poética de criação.
Não há problema no desenvolvimento deste amor, mesmo que apenas na ficção. O problema foi a forma como Alessandro e Thereza fizeram. Novamente, apelaram para a paixão à primeira vista. Pedro II contratou a condessa para educar suas filhas e no dia seguinte já estava perdidamente apaixonado. Luísa também não demorou para assumir seu encantamento. E menos de uma semana, os dois já se beijaram e Pedro II disse que eram almas gêmeas.
Aliás, os diálogos do casal beiram a cafonice. Com todo respeito aos românticos. São frases prontas e melosas. Em pouco tempo, a Condessa já estava morando com a família real e o caso ‘oficializado’. Como despertar qualquer tipo de torcida?
Aliás, para culminar a junção forçada de Pedro II e Luísa, há Teresa Cristina (Letícia Sabatella), esposa do Imperador. Por mais que os autores reforcem a cada diálogo que o casamento foi um arranjo entre famílias – algo comum na época – e nunca houve amor, impossível o telespectador não ter ficado do lado da Imperatriz e tido empatia com sua dor nos primeiros meses de novela.
Até porque Teresa se via obrigada a fazer refeições ao lado da amante do marido e ainda lidava com as filhas, Isabel e Leopoldina, o tempo todo sob os cuidados da Condessa. É perceptível que houve uma tentativa de diferenciar Luísa e Domitila (Agatha Moreira).
Em Novo Mundo, a rival de Leopoldina acabou vilanizada ao máximo pelos escritores. Oportunista, egoísta e ambiciosa, a Marquesa de Santos foi uma vilã. A ponto de ser punida no final.
Já a Condessa é idealista, doce, abolicionista, íntegra. Ainda assim, não tem como ficar ao seu lado no romance com Pedro II. Muito menos não sentir uma certa raiva quando finge inocência diante de Teresa ou de qualquer pessoa que fale do seu caso com o imperador. Toda a rejeição em torno do casal poderia ter sido diluída com uma construção mais vagarosa. Os dois poderiam descobrir aos poucos coisas em comum com a convivência e valeria até a personagem desenvolver uma amizade com Teresa, o que aumentaria seu conflito interno sobre o futuro caso com o Imperador.
Outro equívoco envolvendo o casal foi a gravidez de Luísa. Nada contra a licença poética, mas a situação em nada acrescentou ao roteiro. Como o fato jamais existiu na história do Brasil, os autores a fizeram abortar pouco tempo depois. O drama da personagem não causou nenhum desdobramento na novela. Foi algo gratuito. Desnecessário mesmo.
E tanta pressa para o romance se mostrou um erro crasso de estratégia. Além da relação ter sido explorada apenas em breves transas escondidas e com praticamente nenhum conflito de fato, a Condessa voltou para França para cuidar de seu marido em estado terminal na atual fase da trama. Foi o único momento em que Pedro e Luísa se separaram. Porque antes sempre surgia algo que adiava sua partida do país. E vale lembrar que todos sabem que o final do par não será feliz – basta relembrar o destino de Pedro II em qualquer livro de história.
A verdade é que o famigerado amor à primeira vista deveria ser abolido das novelas. Aquele encantamento inicial sempre despertará o interesse do público, mas as declarações de amor profundo com menos de duas semanas de namoro não emplacam mais.
Vale até incluir a reprise da ótima Paraíso Tropical, no Viva, onde Daniel (Fábio Assunção) e Paula (Alessandra Negrini) se apaixonaram subitamente no primeiro capítulo. O folhetim é de 2007 e os mocinhos fracassaram.
É uma fórmula que só funciona mesmo em obras espíritas, quando as reencarnações viram tema do enredo. A autora Elizabeth Jhin é uma expert. Ou então em contos de fadas.
Já em histórias mais tradicionais, o romance construído, ainda que se apoiando em outro clichê – o das implicâncias ou brigas, por exemplo – sempre terá maior aceitação. Nada melhor do que acompanhar aquele sentimento surgindo.
Nos Tempos do Imperador falhou no desenvolvimento de seus principais pares românticos. Não à toa que Nélio (João Pedro Zappa) e Dolores (Daphne Bozaski) roubaram a cena justamente porque o par teve tudo o que os centrais não tiveram: construção.