A trilha sonora sempre foi uma parte fundamental da telenovela. Além dos personagens, casais, conflitos, mocinhos e vilões, é preciso ter também músicas complementando as cenas e integrando o conjunto do folhetim. Tanto que, ao longo de mais de cinquenta anos de novelas, foram várias canções que marcaram, virando referência de determinada trama, personagem ou casal. E o sucesso era tamanho que vários LPs (Long Play ou Disco de Vinil), e posteriormente CDs, eram vendidos aos milhares.

Exemplos, então, não faltam. Como ouvir “Dona”, do Roupa Nova, e não lembrar imediatamente da icônica Viúva Porcina (Regina Duarte) em “Roque Santeiro” (1985)? Ou então ouvir “Love By Grace” (cantada por Lara Fabian) e não pensar na marcante cena da Camila (Carolina Dieckmann) raspando os cabelos em “Laços de Família” (2000)?

A própria trama de Manoel Carlos, por sinal, virou uma das principais referências em trilha sonora. Vide “Balada do Amor Inabalável” (Skank) como tema das passagens pelo Leblon e “Man I Feel Like a Woman!” (Shania Twain) como tema dos passeios de lancha de Cintia (Helena Ranaldi), entre outros.

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Já “Palpite”, cantada por Vanessa Rangel, lembra imediatamente o casal Milena (Carolina Ferraz) e Nando (Eduardo Moscovis) em “Por Amor” (1997). “Wishing on a Star” (Cover Girls) virou uma lembrança triste da morte de Daniela Perez em “De Corpo de Alma” (1992). “Velha Infância” remete ao romance açucarado de Edwiges (Carolina Dieckmann) e Cláudio (Erick Marmo) em “Mulheres Apaixonadas” (2003), enquanto “Corazón Partido” (Alejandro Sanz) marcou a sofrida Shirley (Karina Barum) em “Torre de Babel” (1998).

“Tua Boca” (Belo) virou a identidade do par hilário formado por Catarina (Adriana Esteves) e Petruchio (Eduardo Moscovis) em “O Cravo e a Rosa” (2000). Enfim, não falta música marcante ao longo de tantos folhetins.

Porém, infelizmente, isso tudo parece ter ficado em um passado distante. De uns tempos para cá, a direção das novelas deixou de lado essa preocupação. Não existe mais um tema para personagem ou casal.

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As músicas simplesmente são inseridas aleatoriamente e viram uma espécie de complemento sem importância. A canção X pode ser usada para um par Y em determinada semana e já na outra ser utilizada para o romance Z. Não há lógica ou planejamento. E a trilha que foi explorada em uma passagem de cena, por exemplo, pode ser inserida futuramente para um personagem qualquer. E assim tem sido em praticamente todas as novelas da Globo (a principal produtora de folhetins do país).

Em “A Força do Querer”, por exemplo, “I Hate You, I Love You” (Gnash) era tema de Cibele (Bruna Linzmeyer) e Ruy (Fiuk) até virar a música de Jeiza (Paolla Oliveira) e Zeca (Marco Pigossi), que anteriormente eram embalados por “Olha”, de Alcione. Para culminar, o melhor par da trama de Glória Perez teve “I Kissed a Girl” (Katy Perry) como tema em um dos momentos finais, que nem sequer estava na trilha da novela.

“O Outro Lado do Paraíso” sofreu do mesmo problema. “Amuleto”, de Tiê, aparentava ser tema de Bruno (Caio Paduan) e Raquel (Érika Januza), mas depois foi inserida para Estela (Juliana Caldas) e Amaro (Pedro Carvalho). “K.O.” (Pabllo Vittar) era tema de Nick (Fábio Lago) e virou música do Samuel (Eriberto Leão), enquanto a linda “I Don`t Wanna Talk About It (Fernanda Takai) embalou Clara (Bianca Bin) e Gael (Sérgio Guizé) e depois foi tema de Clara e Patrick (Thiago Fragoso) —- até mudar para “Daugther” (Smother), que era de Laura (Bella Piero) e Rafael (Igor Angelkorte). O diretor da trama de Walcyr Carrasco, Mauro Mendonça Filho, chegou a dizer que faz essa mescla de propósito porque gosta de fugir do convencional. O problema é que isso tem sido o convencional ultimamente.

A importância da música virar a marca de um personagem ou casal se mostra, ironicamente, na mesma “O Outro Lado do Paraíso”. Vide “Blaze Of Glory” (Jon Bon Jovi), que virou a identidade da Clara depois que a mocinha voltou de forma triunfante em uma festa, passando a tocar sempre que a protagonista elabora alguma vingança.

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“Malhação – Viva a Diferença” também pecou nessa questão, mas ao menos conseguiu imprimir um tema para o apaixonante casal ”Gunê’ (Bruno Gadiol e Daphne Bozaski): “Fly”, de Eric Silver.

Mas, infelizmente, são casos pontuais e que viraram exceções. “Rock Story”, “Haja Coração”, “Os Dias Eram Assim” e várias outras produções relativamente recentes também podem ser incluídas na lista de trilhas sem identidade. E no caso das obras citadas, por sinal, as músicas eram ótimas. O problema é mesmo a distribuição aleatória nas histórias.

Não se sabe se essa ‘moda’ vai continuar por muito mais tempo ou se voltarão aos velhos costumes, priorizando canções específicas para personagens ou casais. Mesmo na era do streaming, é inegável que o público sente falta de associar uma música a um par ou a um perfil qualquer da novela.

Isso, inclusive, beneficia muito os cantores ou bandas, que acabam emplacando grandes sucessos graças a esse costume. Tomara que os diretores e suas equipes acordem enquanto é tempo. Nem tudo o que é ‘moderno’ funciona.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor