O prestigiado Troféu da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) promoveu este ano a sua 61ª edição, onde um grupo de críticos especializados tradicionalmente escolhe os melhores do ano em diversas áreas, como Televisão, Música (popular e erudita), Dança, Rádio, Cinema, Artes Plásticas, Literatura e Teatro. Na categoria de Televisão, houve um justo equilíbrio entre produções, ao contrário do controverso Melhores do Ano do Domingão do Faustão, que privilegiou a novela das 21h, A Força do Querer.

A trama de Glória Perez, aliás, foi merecidamente premiada na categoria de Melhor Novela. Com a missão de levantar o ibope do horário após sucessivos fracassos, a novela caiu na boca do povo e levou a faixa a índices que não se viam desde a irregular Amor à Vida (2013-14) e, principalmente, a aclamada Avenida Brasil (2012). Abordando temas como identidade de gênero, sereísmo, MMA e tráfico de drogas, o enredo apostou em personagens carismáticos e humanos, cheios de nuances, além de um elenco competente e mais enxuto, fugindo dos grupos numerosos de tramas anteriores da autora.

Nomes como Isis Valverde, Paolla Oliveira, Juliana Paes, Marco Pigossi, Emílio Dantas, Humberto Martins, Lilia Cabral, Juliana Paiva, Maria Fernanda Cândido, Dan Stulbach, Tonico Pereira, Zezé Polessa e revelações como Carol Duarte, Jonathan Azevedo e Silvero Pereira abrilhantaram este conjunto. Claro, a trama teve defeitos, como a gravidez de Ivana/Ivan, a fraca atuação de Fiuk e a perda de destaque de Ritinha (Isis Valverde) da metade para o fim, porém, as qualidades foram muito maiores.

A novela concorreu com outras elogiadas produções: Novo Mundo (18h), de Alessandro Marson e Thereza Falcão, que foi uma impecável história sobre a Independência do Brasil; Rock Story (19h), de Maria Helena Nascimento, que trouxe os bastidores do mercado musical e valorizou o pop e o rock, gêneros em baixa no atual momento fonográfico; e Malhação – Viva a Diferença, a elogiada temporada assinada por Cao Hamburger, que trouxe uma verdadeira renovação para o seriado em se tratando de personagens e roteiro.

Apenas Os Dias Eram Assim, novela das 23h deste ano, não merecia a indicação. A trama de Alessandra Poggi e Ângela Chaves pretendia falar sobre a ditadura militar brasileira, mas pecou pelo enredo raso, arrastado e excessivamente maniqueísta.

A Força do Querer também rendeu o esperado (e mais que merecido) prêmio de Melhor Atriz para Juliana Paes. A intérprete de Bibi Perigosa vinha em uma grande fase de sua carreira e deu um show atrás do outro interpretando a estudante que largou um amor estável pela adrenalina de uma paixão doentia. Juliana mostrou com maestria todas as facetas de Bibi: perigosa, carinhosa, debochada, obsessiva, sexy, dissimulada e iludida.

Ela concorreu com as talentosas Carol Duarte (revelação do ano, que emocionou como a transgênero Ivana), Elizângela (grande atriz que finalmente foi valorizada como merecia na pele de Aurora, a sofredora mãe de Bibi), Marjorie Estiano (a Dra. Carolina de Sob Pressão, traumatizada por ter sido abusada sexualmente por seu próprio pai) e Paolla Oliveira (intérprete da empoderada policial Jeiza, com a qual protagonizou inúmeros embates que evidenciaram o talento das duas) – quatro atrizes que também honraram suas indicações e brilharam muito neste ano.

Após a surpreendente vitória de Paolla no Melhores do Ano, o APCA fez justiça ao talento de Juliana, notória favorita a vencer os principais prêmios, coroando a grande fase da atriz, que também se destacou como a Madame Catarina em Meu Pedacinho de Chão (2014), a ambiciosa Carolina Castilho em Totalmente Demais (2015-16) e a matriarca Zana na segunda fase de Dois Irmãos (2017). Ainda assim, vale lamentar as ausências sentidas de Letícia Colin, Vivianne Pasmanter e Ingrid Guimarães, grandes destaques de Novo Mundo que também mereciam ser indicadas.

Outra grandiosa produção reconhecida pela entidade paulista foi Sob Pressão. A elogiada série de Jorge Furtado, baseada no livro do médico Márcio Maranhão e no filme homônimo, expandiu a trama do longa-metragem ao retratar o caos na saúde pública do Rio em todas as suas mazelas: corrupção, sucateamento, falta de vagas e estrutura e uma equipe aguerrida em salvar vidas.

Saindo das produções de humor fácil, a Globo foi certeira em apostar em um drama médico denso, com personagens complexos e enredo arrepiante. Não foi à toa o seu merecido sucesso. A série teve como concorrentes: 3% (Netflix), Um Contra Todos (Fox) e as globais Dois Irmãos e Filhos da Pátria.

Na categoria de Melhor Ator, venceu justamente o protagonista de Sob Pressão, o genial Júlio Andrade – que ganhou também por sua atuação em Um Contra Todos, da Fox, que lhe rendeu a indicação ao Emmy. Júlio é um dos atores mais competentes de sua geração e é conhecido por sua capacidade de sempre escolher personagens de excelência. É o segundo troféu seguido vencido pelo ator, que também ganhou o troféu de Fausto Silva na categoria Ator de Série, acumulando dois prêmios merecidos.

Seus concorrentes foram os excelentes Daniel de Oliveira (Vitor de Os Dias Eram Assim), Marco Ricca (Amaral de ODEA), Tonico Pereira (Seu Abel de AFDQ) e Tony Ramos (um de nossos melhores atores, mas que concorreu pelo Abel Zebu da fraca série Vade Retro).

Entre as ausências, Emílio Dantas (pelo Rubinho de AFDQ) e Vladimir Brichta (pelo Gui Santiago de Rock Story) mereciam mais as vagas de Tonico e Tony. Felizmente, Brichta foi escolhido Melhor Ator na premiação dedicada ao Cinema, por sua composição impecável no ótimo filme Bingo – O Rei das Manhãs, inspirado na história de Arlindo Barreto, famoso intérprete do palhaço Bozo.

O Melhor Diretor, desta vez, foi Luiz Fernando Carvalho. Conhecido pelo seu preciosismo artístico nas séries que produz e roteiriza, LFC levou o Troféu APCA por sua direção em Dois Irmãos, exibida no começo do ano, adaptada do livro do escritor manauara Milton Hatoum. Entre seus concorrentes, estavam Rogério Gomes e Pedro Vasconcellos (A Força do Querer); Vinícius Coimbra (Novo Mundo); Dennis Carvalho e Maria de Médicis (Rock Story) e a dupla Andrucha Waddington e Mini Kerti (Sob Pressão).

O estilo do diretor não é uma unanimidade entre o público, porém sua vitória faz justiça à série, que trouxe Cauã Reymond no melhor momento de sua carreira, como os gêmeos Omar e Yaqub, além de nomes como Eliane Giardini, Antônio Fagundes, Antônio Calloni, a já citada Juliana Paes e o talentoso Matheus Abreu, grata revelação do ano.

Tatá Werneck, por sua vez, consagrou-se como Melhor Apresentadora. E o motivo não poderia ser outro: o sucesso do Lady Night, seu talk show no Multishow. Ali, Tatá brilha no que faz de melhor, o improviso, e traz seus convidados para o clima de bagunça que ela promove com suas tiradas, além de roubar a cena no hilário quadro Entrevista Com o Especialista.

Tatá concorreu com Pedro Bial (do ótimo Conversa Com Bial), Fernanda Lima (que levantou importantes bandeiras na última temporada do Amor e Sexo e mostrou segurança no Popstar), Fábio Porchat (consolidado com seu Programa do Porchat) e Fátima Bernardes (que comanda o Encontro).

Como Melhor Programa, foi escolhido o Terradois, da TV Cultura, apresentado pela atriz Bete Coelho e pelo psicanalista Jorge Forbes, que falam sobre a pós-modernidade em uma mistura de reflexão e teledramaturgia. O programa concorreu com o Bipolar Show (apresentado por Michel Melamed no Canal Brasil), o Papo de Segunda (do GNT) e os ótimos jornalísticos Estúdio I (da GloboNews) e Profissão Repórter.

Ao contrário da “festa da firma” anual de Fausto Silva, o Troféu APCA mais uma vez fez valer a sua credibilidade, uma vez que a ausência de votação popular diminui os riscos de injustiças. Com premiações mais justas e equilibradas (dois prêmios para A Força do Querer e dois para Sob Pressão, respectivamente), o prêmio valorizou alguns dos melhores profissionais deste ano na TV. Que um dia as premiações de televisão consigam ter o mesmo critério justo, favorecendo os que realmente merecem.

Vencedores:

Novela: A Força do Querer
Série: Sob Pressão
Ator: Júlio Andrade (Evandro em Sob Pressão e Cadu em Um Contra Todos/Fox)
Atriz: Juliana Paes (Bibi em A Força do Querer e Zana na 2ª fase de em Dois Irmãos)
Diretor: Luiz Fernando Carvalho (Dois Irmãos)
Apresentadora: Tatá Werneck (Lady Night/Multishow)
Programa: Terradois (TV Cultura)


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