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Envolvente talvez seja a palavra que melhor defina Vai na Fé, a nova novela das sete da Globo, de autoria de Rosane Svartman, com direção artística de Paulo Silvestrini. Diferente da prática usual em demais novelas, Vai na Fé começou em um ritmo desacelerado. A proposta é justamente envolver, aos poucos, o público com os dramas da protagonista Sol, vivida por Sheron Menezzes.
Mulher evangélica, Sol vive um dilema: manter-se fiel à sua fé, sem se corromper – em um momento em que precisa prover sua família, que passa por dificuldades –, ante o apelo do dinheiro fácil, vindo de um universo sobre o qual sua crença se opõe.
Bem x mal
Perceba o apelo deste dilema infalível. Como Sol conseguirá conciliar os dois universos? É uma atualização interessante da dicotomia bem e mal, considerando que uma mulher como Sol, pertencente a um mundo de obrigações morais muito rígidas, entra em conflito com o oposto, onde o mal é representado pelo hedonismo, excesso de liberdade e a moral flexível.
Outra questão interessante é que Sol gosta de estar no palco, se realiza em dançar, cantar e se exibir para a plateia. Contudo, pelo entendimento de seu ambiente familiar, a própria “idoneidade” da protagonista é posta em dúvida por um agravante: o seu passado, de quando, jovem, “rendeu-se às tentações mundanas” e era a princesinha dos bailes funk cariocas.
Partindo do perfil da protagonista, a novela questiona: qual o mal em transitar por universos conflitantes mantendo-se ciente do lugar que ocupa em cada um deles?
Imoralidade subjetiva
O prazer e a satisfação pessoal que a religiosidade traz à alma pode também conviver com a satisfação de uma atividade “mundana”? A resposta lógica seria sim, mas o mundano pode ser questionável quando considerado “imoral”. Contudo, a imoralidade por si só pode ser um conceito bastante subjetivo.
E aí está o apelo de Vai na Fé!
Ao envolver o público com os dramas da protagonista, Vai na Fé é cautelosa em não apontar o certo e o errado, em não formar julgamento de valor. A princípio, a novela trabalha com o consenso de que a religião é o bem por manter-se nos limites morais impostos pela sociedade, em contrapartida com o mundano, que representa, sob a visão de seu contraponto, o desvio do “bom caminho”, ou o mal.
Neste campo subjetivo, um bom trunfo do texto é não estereotipar a religiosidade, o que evita, assim, a armadilha da sátira. Apesar da rigidez moral da família de Sol (advinda da religião), seu núcleo não é pesado. A novela tampouco foca nesta ou naquela comunidade evangélica, ou (neo) pentecostal, mantendo-se na representação sistêmica sem se prender a alguma igreja em particular.
A autora tem em mãos uma heroína que precisa cativar o público. Para isso, traça um perfil envolvente de Sol, de um mulher bondosa, honesta, batalhadora e carismática que não abre mão de sua religiosidade e a deixa evidente. Soma-se a isso a interpretação solar de Sheron Menezzes (perdão, não resisti ao trocadilho!). Sol é apaixonante, como era Paloma (Grazi Massafera) em Bom Sucesso (2019).
E mais…
– A discussão sobre racismo e diferenças de classes está sendo muito bem conduzida no núcleo da faculdade de Direito, em que os bolsistas favorecidos pelo Prouni não por acaso são pretos. Em tempo: o Prouni é um programa de bolsas de estudos do Governo Federal para faculdades particulares.
As abordagens são eficientes, didáticas sem panfletagem, desde as situações criadas – como a prisão de Yuri (Jean Paulo Campos) – até as discussões em sala de aula.
– Renata Sorrah e José Loreto – como o cantor Lui Lorenzo e sua mãe Wilma – estão ótimos, divertidos, entregues aos seus personagens, e prometem render muito.
– A princípio, estranhei as imagens da abertura, mas sosseguei quando soube que são cenas cotidianas reais que passam uma mensagem positiva, alegre, embaladas por uma música contagiante, cantada por Negra Li e MC Liro: “Quero ver minha família bem / Meus amigos bem / Todo mundo bem…”. Traz alento, é gostoso de ver e de ouvir.
– O coral em que Sol canta na igreja é real oficial: o Grupo Vocalis. Vale uma espiada em seu perfil no Instagram. Lembrando que a intenção da autora é fazer uma representação global das igrejas evangélicas, agregando vários elementos sem se fixar em alguma específica. Daí a liberdade criativa em cima de cenários, figurinos, símbolos e expressões faladas.