Marcílio Moraes é um dos maiores autores de novela deste país, fato. De sua mente criativa, brotaram diálogos de Roque Santeiro (1985) – onde colaborou com Dias Gomes e Aguinaldo Silva -, a revolucionária Vidas Opostas (2006) e as séries A Lei e o Crime (2008) e Plano Alto (2014). Lamentavelmente, Marcílio hoje está “encostado” no departamento de teledramaturgia que ajudou a consolidar. Cada vez mais arraigada a folhetins bíblicos, a Record não parece mais disposta a produzir textos do autor, hoje sucesso com a reprise de Ribeirão do Tempo (2010) nas tardes, constantemente vice-líder.

Resta torcer por sua saída e, quem sabe, uma consequente volta à Globo – a emissora-líder só teria a ganhar. Por lá, Marcílio roteirizou Roda de Fogo (1986) e Mandala (1987), as minisséries As Noivas de Copacabana (1992) e Dona Flor e Seus Dois Maridos (1998) e respondeu pela titularidade de Sonho Meu (1993), uma das maiores audiências do horário das 18h na década de 1990. Foi para esta faixa que o autor desenvolveu, com Flávio de Campos, a sinopse de Alto da Serra.

As primeiras informações desta novela datam de abril de 1998. Nesta ocasião, o diretor-geral Ignácio Coqueiro deixava de capitanear Malhação (1995), por “discordâncias artísticas e operacionais” com o alto comando da casa. Ignácio então concedeu uma entrevista a Patrícia Kogut, do jornal O Globo, onde afirmou estar envolvido com as primeiras pesquisas para o folhetim de Marcílio e Flávio.

“É um folhetim delicioso, muito bem armado. Conta a história do amor impossível entre Júlia, uma costureira com tendências monarquistas, e Demétrio, um republicano abolicionista militante”, declarou. Ambientada no Brasil pré-republicano, Alto da Serra trazia ainda uma pitada de mistério: a mãe do protagonista, Demétrio, havia desaparecido quando ele era criança, deixando apenas uma carta. Já o pai, que ele desconhecia, surgiria ao longo da narrativa. E o irmão, seu único parente, empreendia na conquista de Júlia. Em paralelo, a guerra pela abolição e a imigração alemã.

A empolgação de Coqueiro com o folhetim era tamanha que ele ensaiava repetir uma experiência de sua novela anterior, O Amor Está no Ar (1997): a de compor músicas para a trilha. O diretor-geral planejava usar sua formação erudita – violinista clássico – na concepção do repertório de Alto da Serra.

Outra ideia ambiciosa: a de rodar as primeiras cenas num castelo na Inglaterra: “Acho que o Demétrio tem que ser apresentado de uma maneira forte, que cause impacto. Quero que ele apareça pela primeira vez duelando dentro de um castelo. A luta continuará do lado de fora, num lindo jardim. E, só quando ele matar o inimigo, aparecerá em close”. O roteiro, contudo, era todo centrado na belíssima Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro.

A Globo vivia, na época, uma “crise de identidade” às 18h. Após um período de calmaria, do início da década até História de Amor (1995) – apesar da equivocada Gente Fina (1990), da apagada Salomé (1991) e do insosso remake de Irmãos Coragem (1995) -, a emissora viu a audiência fugir da confusa Quem é Você (1996), texto de Ivani Ribeiro, conduzido por sua habitual colaboradora Solange Castro Neves e pelo tarimbado Lauro César Muniz. Vieram as esquecidinhas Anjo de Mim (1996) e O Amor Está no Ar. Em 1997, o bem-sucedido remake de Anjo Mau, do núcleo de Carlos Manga.

Era Manga o diretor de criação por trás do projeto de Alto da Serra. Foi ele quem levou a Marluce Dias da Silva, então todo-poderosa do canal, a sinopse da novela. Onerosa, a novela se aproveitaria da nova regra estabelecida para o horário das 18h no ano anterior: o custo por capítulo, após Anjo Mau, havia atingido o mesmo patamar da novela das 20h e das 19h de então, R$ 80 mil.

Sabe-se lá porquê Alto da Serra não foi adiante. Para substituir Era Uma Vez… (1998), a Globo chegou a cogitar o remake de Dancin’ Days (1978). Sem acordo com o responsável pelo texto, Gilberto Braga – que queria a regravação às 20h – a emissora reeditou Pecado Capital (1975), clássico de Janete Clair, atualizado por Gloria Perez. No ano seguinte, a volta dos folhetins de época às 18h com Força de um Desejo, sinopse de Alcides Nogueira, em parceria com Gilberto, ocupante da vaga reservada para ‘Alto’. Marcílio Moraes, neste mesmo 1999, colaborava com Lauro César Muniz na minissérie Chiquinha Gonzaga.


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Apaixonado por novelas desde que Ruth (Gloria Pires) assumiu o lugar de Raquel (também Gloria) na segunda versão de Mulheres de Areia. E escrevendo sobre desde quando Thales (Armando Babaioff) assumiu o amor por Julinho (André Arteche) no remake de Tititi. Passei pelo blog Agora é Que São Eles, pelo site do Canal VIVA e pelo portal RD1. Agora, volto a colaborar com o TV História.