Alguns anos depois de estrear o Jornal Nacional, a Globo colocava no ar, em 3 de abril de 1972, mais um noticiário. Tratava-se do Jornal Internacional, que era exibido após a novela das 22 horas e fazia um resumo do que mais importante havia acontecido no mundo.

Marca da Globo

O mais lembrado apresentador do informativo foi também um dos maiores locutores da história do rádio e da televisão brasileira.

Heron Domingues foi testemunha ocular de grandes acontecimentos que noticiou, como o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, e a chegada do Homem à Lua, em 1969. Mas, em 1974, o coração do jornalista não aguentou a emoção após uma edição especial de um telejornal da Rede Globo.

Carreira gloriosa

Heron Domingues
Heron Domingues na TV Continental (Reprodução / Web)

Nascido em São Gabriel (RS) em 4 de junho de 1924, Domingues começou no rádio aos 16 anos, na Rádio Gaúcha, onde, logo de cara, noticiou o bombardeio de Pearl Harbour, nos Estados Unidos, pelos japoneses, durante a Segunda Guerra Mundial.

Em 1944, mudou-se para o Rio de Janeiro (RJ), onde marcou época apresentando o Repórter Esso, principal meio de informação da população na época. Noticiou o fim da guerra, a morte de Carmem Miranda (1955), a renúncia do presidente Jânio Quadros (1961) e muitos outros fatos importantes.

Nos anos 1960 e 1970, trabalhou na televisão. Passou por TV Tupi, TV Continental e TV Rio, onde apresentou o Telejornal Pirelli ao lado de Léo Batista, e ingressou na novata TV Globo, que surgiu na capital fluminense em 1965.

Ida para a Globo

Heron Domingues
Heron Domingues

Na emissora de Roberto Marinho (1904-2003), apresentou o Jornal da Noite e o Jornal Internacional. Também comandou o programa Só o Amor Constrói, aos domingos, antes da estreia do Fantástico.

Foi justamente numa edição do Jornal Internacional que Domingues ficou extremamente emocionado e fez sua última aparição no vídeo.

Em 9 de agosto de 1974, prestes a sair em férias, pediu ao então diretor de jornalismo da Globo, Armando Nogueira (1927-2010), para que pudesse noticiar o principal fato do dia: a renúncia do então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon (1913-1994).

Por um descuido da equipe de transmissão da Casa Branca, o sinal de satélite foi aberto antes da hora e a Globo captou tudo que estava sendo mostrado. Pouco antes de entrar no ar, em meio à grave crise institucional, Nixon estava sorridente, fazendo piadas. Em poucos segundos, fechou o semblante e iniciou seu pronunciamento.

Emoção

No estúdio, Heron Domingues foi certeiro ao narrar as imagens que estavam sendo mostradas:

“A televisão americana comentava a surpreendeu calma e bom-humor de Nixon, ao contrário do que se esperava de um homem acuado por pressões enormes. Nós confirmamos esse detalhe com a imagem espontânea colhida em circuito fechado dos momentos de descontração de Nixon, como um ator antes da novela. Como político que fez sua carreira dominando a televisão e, às vezes, sendo vencido por ela, Richard Milhous Nixon se despediu do cargo mais visado da Terra com um sorriso”, informou.

Muito elogiado por essa edição do Jornal Internacional, Domingues deixou a emissora e foi jantar com amigos. Mais tarde, em casa, foi vítima de um infarto fulminante enquanto dormia, morrendo aos 50 anos.

“Heron Domingues estava visivelmente emocionado. Como sempre ficava, aliás, na narração das grandes notícias de que sua carreira foi pródiga. (…) Heron morreu no impulso de uma grande notícia. (…) Com Heron, segue uma escola de leitura de notícias que ficará entre nós. Com sua morte, ganha foros de legenda a arte de ler para multidões, arte exercitada diariamente por centenas de profissionais. Arte pouco reconhecida, mas de infinita utilidade na sociedade de massas”, descreveu o crítico Artur da Távola (1936-2008) em O Globo de 21 de agosto de 1974.

Dono de uma potente voz, Domingues, no entanto, não se preocupava em preservá-la. Era boêmio, fumante inveterado e bebia em excesso.

Certa vez, uma equipe médica se dedicou a estudar sua voz, que foi considerada um fenômeno.

“Bebo e fumo em excesso”, disse o locutor aos médicos.

“Pois continue bebendo e fumando”, teriam respondido os profissionais.

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Thell de Castro

Apaixonado por televisão desde a infância, Thell de Castro é jornalista, criador e diretor do TV História, que entrou no ar em 2012. Especialista em história da TV, já prestou consultoria para diversas emissoras e escreveu o livro Dicionário da Televisão Brasileira, lançado em 2015 Leia todos os textos do autor