Em pleno 2023, censura em Vai na Fé não faz o menor sentido
14/05/2023 às 12h10
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O título desta crítica é bastante desanimador. É incontestável que a única emissora do país que se preocupa, de verdade, com a diversidade é a Globo. Todas as demais ignoram o tema e parece que praticamente nada mudou nos últimos 20 anos.
Reprodução / GloboJá na líder é visível a mudança ao longo dos anos, tanto na questão dos elencos das novelas quanto nos programas de entretenimento e esporte. Mas de nada adianta tais práticas e tais discursos, se há corte de um beijo entre duas mulheres em uma novela das sete.
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Casal celebrado
Aconteceu nesta quarta-feira (10), em Vai na Fé, justamente o folhetim atual de maior sucesso da Globo. Clara (Regiane Alves) e Helena (Priscila Sztejnman) formam um dos vários excelentes casais da história de Rosane Svartman. Na verdade, as duas ainda não são um par.
A relação vem sendo construída com o maior cuidado através da amizade que surgiu entre a aluna e a sua personal trainer. Clara vive um casamento abusivo com o vilão Theo (Emílio Dantas) e descobriu na amiga uma espécie de porto seguro. É através dos diálogos das duas que as fragilidades da personagem acabam expostas com muita sensibilidade.
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Rosane é uma autora que não faz nada superficial. Há sempre uma boa construção para os pares serem formados e não por acaso emplaca vários em suas novelas, incluindo as duas bem-sucedidas temporadas de Malhação – Intensa como a Vida (2012) e Sonhos (2014). Com Clara e Helena, não tem sido diferente.
Relacionamento em construção
E o início da mudança de ‘chave’ no relacionamento se deu semana passada, quando as amigas saíram para jantar fora. Dois rapazes debocharam e passaram cantadas baratas na dupla.
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Para dar uma resposta direta sobre a relação que tinham, Clara deu um beijo em Helena na frente deles. A personal ficou balançada e não escondeu a satisfação. A cena foi ao ar normalmente e a repercussão nas redes sociais explodiu. Uma avalanche de elogios e de torcida pelo casal.
O relacionamento entre aluna e professora ficou abalado desde o beijo usado para espantar os dois babacas. Há um clima no ar somado ao natural constrangimento mútuo. No capítulo da última quarta, Helena foi até o apartamento de Clara avisar que a academia do condomínio estava interditada, mas não tinha problema porque as duas poderiam ir para uma ali perto.
A esposa de Theo sugeriu que a aula fosse no próprio apartamento porque o marido não estava em casa e nem o filho, Rafael (Caio Manhente). Helena concordou. E no momento da aula, houve um clima e uma tensão sexual no momento em que a personal segurou a cabeça de Clara e as duas se olharam (em uma clara alusão ao icônico momento do beijo protagonizado por Peter Parker e Mary Jane, no filme Homem-Aranha, de 2002).
Beijo censurado
No entanto, houve um corte brusco e não teve beijo algum. Só que a censura da cúpula da emissora destruiu o sentido da cena, já que as duas agiram como se tivessem beijado. “Eu tive vontade”, se justificou Clara. E pelo que deu a entender, o beijo foi um impulso de uma das duas. Ou de Clara ou de Helena. Mas não deu para saber de quem porque o corte acabou com o momento.
A atriz Regiane Alves escreveu no Twitter assim que percebeu a censura:
“Devagar e sempre… Um passo de cada vez para construção de um futuro onde todas as formas de amor possam ser aceitas e celebradas”.
A bonita mensagem camuflou a evidente decepção da intérprete, que gravou a cena juntamente com Priscila. A diretora da sequência, Juh Almeida, também comentou em sua rede social:
“É luta atrás de batalha. Nem toda guerra a gente vence!”, deixando claro que a decisão do corte veio da emissora e não da equipe.
A censura foi tão escancarada que o Gshow, site oficial da emissora, noticiou o beijo das duas no site em 9 de maio. Mas depois já tinham retirado a matéria.
Público chiou
A indignação do público foi imediata nas redes sociais. Um festival de críticas tomou conta das redes, principalmente o Twitter, onde a novela é um sucesso de comentários positivos. A decisão da Globo foi um balde de água fria em quem achava que essa polêmica imbecil em torno de beijos entre duas mulheres ou dois homens já fosse uma página virada, ao menos na emissora.
Que a censura se mantenha na Record, que é comandada por bispos da Universal, é algo esperado. Mas na líder que se diz tão aberta e tem realizado cada vez mais ações em torno da diversidade? Do que adianta produzir especiais como o Falas de Orgulho e ter matérias em seus telejornais sobre a importância da comunidade LGBTQIA+ se em pleno 2023 executivos da empresa optam pelo corte de um beijo de um casal lésbico que está em processo de construção? É de uma hipocrisia assustadora.
Hipocrisia
Vai na Fé é a melhor novela atual e o maior sucesso da Globo. Merecidamente. Rosane Svartman e sua equipe vêm conduzindo de forma primorosa uma história envolvente e repleta de personagens carismáticos, além de ter um grande elenco.
A emissora não tinha o direito de interferir em uma obra que vem sendo tão bem aceita pela audiência. Foi um desrespeito com a autora, os roteiristas, as atrizes que gravaram, os diretores e, principalmente, com o público. Um retrocesso inadmissível.
Alguém precisa avisar aos executivos da empresa que o canal já é odiado por todos os conservadores de extrema direita do Brasil. Não precisa fazer nada para agradá-los porque não vai adiantar. Só de birra, Rosane deveria escrever umas 5 cenas de beijo por semana depois que Clara e Helena começarem a namorar. Vamos ver se a cúpula da empresa vai conseguir cortar todas. No aguardo.