Uma das qualidades de A Força do Querer é o bom espaço que os núcleos paralelos têm no enredo, sendo funcional também para a trama principal. Glória Perez conseguiu corrigir um erro frequente em seus folhetins, cujos conflitos secundários quase sempre se mostravam aleatórios e desinteressantes. Tanto que uma das situações mais atrativas da produção da Globo foi o drama de Silvana, vivida pela sempre grandiosa Lília Cabral.

A personagem é uma viciada em jogo e esse conflito cumpre a função de merchandising social (drama com função educativa), sempre presente nas novelas da autora. No caso desse enredo, divide espaço com a questão da transexualidade de Ivana (Carol Duarte). A arquiteta é uma mulher com excelente condição financeira, muito em virtude do seu casamento com o empresário Eurico (Humberto Martins). Apaixonada pelo marido e mãe de uma filha exemplar, a sensata Simone (Juliana Paiva), tinha tudo para ter uma vida perfeita. Mas, a jogatina destrói isso.

O que inicialmente era apenas a diversão de uma ricaça, acabou virando um tormento, implicando em uma sucessão de mentiras cada vez mais absurdas. Na exibição original, o público acompanhou essa ‘saga’ da cunhada de Joyce (Maria Fernanda Cândido) desde o início da novela e houve uma grande demora no andamento dessa questão. Várias vezes, as situações pecaram pela repetição, embora não tenham chegado a se esgotar por completo em virtude do talento dos atores envolvidos.

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Ela chegou a fingir que comprou uma bolsa de cinquenta mil reais para esconder a quantia perdida em uma rodada de pôquer e até teve o carro roubado durante uma ida a cassinos clandestinos, precisando mentir sobre o local do furto. O que não faltou foi mentira, além de problemas.

E em meio a tantas confusões, Lília Cabral foi se destacando e comprovando pela enésima vez a extraordinária atriz que é. Sua parceria com a ótima Karla Karenina, intérprete da empregada e cúmplice, Dita, se mostrou um grande acerto, funcionando como uma espécie de exposição total do descontrole de Silvana. Até porque, até o final da novela, ela nunca admitiu que era uma viciada, fazendo questão de frisar para a aliada que podia parar a hora que quisesse. Ainda dava uma gorjeta para a amiga cada vez que faturava no jogo. As cenas das duas sempre foram repletas de humor, provocando inevitáveis risadas em quem assistia.

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Aliás, apesar do vício ser um assunto sério, Glória optou por mesclar momentos cômicos com dramáticos, o que foi muito benéfico. Além de deixar o contexto leve em alguns conflitos, a autora ainda conseguiu explorar todas as facetas de Lília, igualmente competente na comédia e no drama.

O lado mais pesado só começou a criar forma recentemente, quando Nonato (Silvero Pereira) descobriu o vício da patroa e a mesma passou a enfiar os pés pelas mãos, sem conseguir mais mentir como antes. O instante que provocou uma comoção maior foi quando Silvana perdeu uma grande quantia em um cassino clandestino e se viu presa no local, sendo intimidada por marginais. Ela acabou salva por Bibi (Juliana Paes), cúmplice dos criminosos, chorando copiosamente. Lília deu um show ao lado de Juliana quando Silvana confessou a Bibi que perdeu no jogo todo o dinheiro que a ex de Rubinho deu para ela guardar.

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A atriz ainda faz uma excelente parceria com Humberto Martins, que imprimiu um tom cômico formidável para Eurico. Os dois têm química e o casal é bonito. Todas as vezes que Silvana fez o marido de trouxa primaram pela deliciosa sintonia entre os atores. E ambos se destacaram quando o empresário finalmente descobriu que a esposa seguia viciada, o enganando esse tempo todo.

Vale destacar, ainda, a dupla formada com Juliana Paiva. Foi a própria Lília que sugeriu o nome da colega para viver sua filha, tendo a decisão imediatamente acatada pelo diretor Rogério Gomes. E a escolha da veterana foi certeira. Juliana foi muito bem vivendo um tipo distante dos perfis cômicos que a consagraram, protagonizando grandes momentos com a experiente intérprete. Simone é mais mãe da mãe do que filha e as duas emocionaram com a maior proximidade entre as personagens. O único erro, realmente, foi a enrolação da conclusão desse núcleo. Deixar tudo para o último capítulo prejudicou o conjunto, implicando em uma correria desnecessária.

Lília Cabral é uma profissional que cresce em qualquer papel e ganhou um perfil riquíssimo na novela de Glória Perez. Foi um privilégio acompanhar seu desempenho em A Força do Querer, sendo necessário citar também os bons embates entre Silvana e Irene (Débora Falabella), expondo um lado mais imponente da arquiteta diante da vilã dissimulada. A viciada em jogo provocou risos, choros e torcida por sua recuperação, envolvendo o telespectador em um drama bem real. E como é bom ver uma atriz tão talentosa vivendo um tipo assim.

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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor