Pantanal não é sucesso absoluto coisa nenhuma”. Foi assim que Roberto Marinho (1904-2003), então presidente das Organizações Globo, definiu as primeiras semanas da novela da Manchete em 1990 – que chegou ao fim há 27 anos. A declaração foi dada à revista Veja em uma reportagem que falava sobre o estrondoso sucesso da trama de Benedito Ruy Barbosa, maior fenômeno da história da extinta emissora de Adolpho Bloch (1908-1995).

Na verdade, mais do que desmerecer o sucesso de Pantanal, Marinho se ressentia por sua emissora ter perdido a oportunidade de produzir a novela. Não foram poucas as vezes que Benedito Ruy Barbosa, desde meados dos anos 1980, procurara a direção da casa para oferecer a trama, como o próprio autor contou na reportagem de 9 de maio de 1990.

“Benedito Ruy Barbosa ofereceu repetidamente a novela a diversos escalões da diretoria da Globo, que sempre a recusaram como se fosse um projeto mirabolante de um autor excêntrico. Agora, os responsáveis pela recusa de Pantanal, ao lado dos caça-talentos da emissora, encarregados da renovação do quadro de atores, estão justamente entre os funcionários a quem a Globo atribui um quinhão alentado de responsabilidade pela derrota diante da Manchete no horário das nove e meia”, explicou o texto.

De acordo com o autor, depois de muita insistência, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que dirigiu a emissora durante três décadas, autorizou um estudo de viabilidade. “Dois diretores da emissora, Herval Rossano [1935-2007] e Atílio Riccó, voaram para o Pantanal, mas era época da cheia e eles voltaram no mesmo dia atestando a inviabilidade de gravar uma novela na região. ‘O voto contrário mais forte foi de Daniel Filho’, informou Benedito Ruy Barbosa'”, ressaltou a publicação.

O próprio Boni falou sobre o sucesso da novela da Manchete, parabenizando a emissora pela produção. “Ela trouxe uma paisagem nova e atraente para a televisão. Há também uma maior ousadia no tratamento dado às cenas de sexo, sem ultrapassar o limite do bom gosto. Embora lenta e arrastada, inegavelmente a narrativa tem apelo. Como profissional, considero saudável uma concorrência que busca a qualidade, especialmente quando jovens de talento, como Jayme Monjardim [diretor de Pantanal], estão envolvidos no processo”, disse.

Exploração do sexo

À Veja, Roberto Marinho disse que havia de tomar alguns cuidados ao se avaliar Pantanal. “A novela não é essa estrela que a Manchete diz ter acendido” disparou. “Ela não é um sucesso absoluto coisa nenhuma, pois para conseguir sucesso real seria preciso colocar no ar uma novela no mesmo horário das da Globo e vencê-las”, ponderou.

O todo-poderoso empresário também considerou que Pantanal fazia “exploração do sexo”. Mesmo assim, não entendia porque, apesar dessas restrições, a Globo não adquiriu os direitos de Pantanal quando eles lhe foram oferecidos. “A Globo poderia até apresentar a novela, mas sem as apelações sexuais”, decretou.

A Veja buscou entender as razões para a recusa. “Quando se tem 80% de audiência com novelas gravadas no próprio Rio de Janeiro, é difícil aceitar a ideia de gastar mais tempo, mais dinheiro, viajar até o Pantanal e arriscar-se a produzir uma novela sem garantias de agradar ao público”, explicou a reportagem.

A revista citou Twin Peaks, que havia revolucionado o jeito de produzir séries e estava sendo exibida nos EUA naquele momento – o sucesso chegou ao Brasil em 1991, pela própria Globo. “A diferença é que o seriado revolucionário de David Lynch foi bancado pela rede ABC, enquanto a Globo refugou ante uma novela muito mais adaptada às normas da televisão brasileira, como é o caso de Pantanal”, ressaltou a reportagem.

Enquanto isso, Silvio Santos adorou a novidade da concorrência. “A Manchete realmente acertou com o seu Pantanal de paisagem magnífica”, aplaudiu, na mesma reportagem.

Benedito Ruy Barbosa voltou em 1992 para a Globo, onde fez sucessos como Renascer (1993), O Rei do Gado (1996) e Terra Nostra (1999). Ano passado, esteve envolvido em Velho Chico, antigo projeto seu desenvolvido por Bruno Luperi e Edmara Barbosa, seu neto e sua filha.

Já a grande preocupação da Manchete, a partir dali, foi encontrar uma sucessora para Pantanal, que ainda teria sete meses no ar. Veio A História de Ana Raio e Zé Trovão, que não repetiu o fenômeno. Amazônia, no ano seguinte, foi um grande fiasco. Após sucessivas crises, a “TV do ano 2000”, como era conhecida a Manchete, fechou as portas em 1999.


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Thell de Castro

Apaixonado por televisão desde a infância, Thell de Castro é jornalista, criador e diretor do TV História, que entrou no ar em 2012. Especialista em história da TV, já prestou consultoria para diversas emissoras e escreveu o livro Dicionário da Televisão Brasileira, lançado em 2015 Leia todos os textos do autor