A Rede Globo viveu uma situação inusitada em 1989, quando foi acusada de fazer campanha para os candidatos à presidente Fernando Collor de Mello e Luís Inácio Lula da Silva em diferentes novelas que exibia. Em novembro daquele ano, o Brasil teria sua primeira eleição direta para o principal cargo do Executivo após décadas.

Na faixa das sete, estava no ar Que Rei Sou Eu?, ambientada no século 18, mas completamente ligada à realidade brasileira da época. Os personagens viviam falando sobre pacotes econômicos, reformas monetárias, inflação e muitos outros acontecimentos do momento.

Muita gente acusava a trama de Cassiano Gabus Mendes (1929-1993) de fazer campanha para Collor. “Entre tantas semelhanças com a realidade, não faltaram vozes a acusar a novela de ser um veículo a mais para conduzir o então candidato Fernando Collor de Melo à presidência da República, já que enxergaram o político na figura do herói da trama, Jean-Pierre, vivido por Edson Celulari”, descreveu nosso colunista Nilson Xavier em seu site Teledramaturgia.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE


No livro “Gabus Mendes, Grandes Mestres do Rádio e Televisão”, o pesquisador Elmo Francfort garante que essa nunca foi a intenção do autor. “Ele pretendia que Jean-Pierre representasse o povo brasileiro, cansado de sofrimento e querendo justiça e igualdade social a todos”, informou.

Mais tarde, na faixa das oito, era a vez de O Salvador da Pátria entrar no ar e ser acusada de emular em Sassá Mutema (Lima Duarte) a trajetória de Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores.

“Trata-se de uma parábola sobre a liderança. Quero falar de um Brasil forte, num ano decisivo para a nossa história, quando vai surgir um presidente eleito pelo povo. Como é um ano de esperança, quero falar de um país que acredita na luz no fim do túnel”, declarou o autor Lauro César Muniz em entrevista na época.

A trama, inclusive, foi alterada por conta disso. O lavrador Sassá chegaria a comandar o país, mas acabou ficando somente como prefeito da pequena cidade do interior onde vivia.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE


“Em 1989, já não havia mais a censura formal, mas houve uma interferência direta de Brasília na cúpula da Globo. Era o primeiro ano de eleições diretas, Lula contra Collor, e acharam que o Sassá Mutema fazia apologia à esquerda. Assim, acabou vindo uma pressão na emissora para que a trama fosse mudada. Tive de abandonar o aspecto político da história e focalizar apenas o policial”, destacou o autor à Folha de S.Paulo em maio de 2002.

No mesmo ano, a emissora foi acusada de favorecer Collor na edição do debate entre os candidatos exibida no Jornal Nacional. O PT moveu uma ação contra o canal no Tribunal Superior Eleitoral e os próprios artistas globais protestaram na porta da sede. A partir deste episódio, a Globo decidiu, segundo ela própria, não mais editar debates políticos, limitando-se a apresentá-los na íntegra e ao vivo.

Compartilhar.
Thell de Castro

Apaixonado por televisão desde a infância, Thell de Castro é jornalista, criador e diretor do TV História, que entrou no ar em 2012. Especialista em história da TV, já prestou consultoria para diversas emissoras e escreveu o livro Dicionário da Televisão Brasileira, lançado em 2015 Leia todos os textos do autor