A novela Drácula percorreu, em 1980, um caminho incomum na história da televisão brasileira: começou a ser exibida por uma emissora, a Tupi, que logo faliu, e teve sua produção retomada por outra, a Band, com nova versão.

Mergulhada em dívidas e com seus funcionários em greve, a Tupi praticamente não tinha salvação naquele início de ano. Mesmo assim, a emissora preparava a estreia de duas novelas: além de Drácula, em 28 de janeiro, viria Maria de Nazaré, em seguida. A primeira foi ao ar, com poucos capítulos exibidos. A segunda teve cenas gravadas, mas nem estreou.

Drácula era estrelada por Rubens de Falco, que vivia Vladimir, o próprio Conde Drácula. Nos anos 1920, ele deixava a Transilvânia e vinha ao Brasil para procurar seu filho, Rafael (Carlos Alberto Riccelli). Após encontrá-lo, se apaixonava pela nora, Mariana (Bruna Lombardi), que acreditava ser a reencarnação de seu único amor do passado. Paulo Goulart, Cleyde Yaconis e Isabel Ribeiro também estavam no elenco.

De acordo com o especialista em telenovelas Nilson Xavier, do site Teledramaturgia, a ideia de contar a história do Conde Drácula na televisão nasceu após o diretor Walter Avancini constatar o sucesso do personagem Frank Langella na Broadway, em Nova York. “Com a ideia na cabeça, a Tupi, em sua fase decadente, resolveu fazer a novela, e o supervisor Álvaro Moya chamou Rubens Ewald Filho para escrevê-la. Após vários projetos que não foram adiante na emissora, enfim Rubens emplacava uma trama, justo na fase mais complicada da Tupi“, contou.

A Tupi passava por uma grave crise financeira, que culminou em seu fechamento, em 14 de julho de 1980. Os artistas, técnicos e jornalistas da emissora entraram em greve no dia 25 de janeiro, por não terem recebido o pagamento referente a dezembro de 1979. Alguns não receberam também o salário de novembro e o 13º salário.

Greve paralisa emissora

“No começo da tarde, os artistas e técnicos realizaram uma assembleia para decidir sobre a greve, por falta de pagamento, e foram surpreendidos por um comunicado do diretor do núcleo de novelas, Antônio Abujamra. No comunicado, suspendia as gravações de novelas, antecipando-se à greve geral da categoria”, publicou a Folha de São Paulo no mesmo dia. A Tupi de São Paulo passou a exibir a programação da Tupi do Rio de Janeiro na íntegra, por falta de atrações.

Os jornais nem divulgavam a programação da emissora, pois não se sabia o que seria exibido. No dia seguinte, a greve, que se iniciou em São Paulo, passou a ser geral, com adesão dos cariocas, complicando ainda mais a situação. “A Tupi, às voltas com uma já costumeira paralisação de funcionários, pouco tem para hoje além da ameaça de que Drácula, que estreou ontem, saia do ar, caso persista a greve. No mais, a emissora só tem enlatados”, destacou a Folha no dia 29 de janeiro.

Quando a greve se intensificou, a novela tinha apenas cinco capítulos gravados, dois deles sonorizados. A emissora passou a reprisar os poucos capítulos já exibidos, dizendo ser um pedido do público, mas não passava de uma desculpa para burlar a crise. A novela Como Salvar Meu Casamento teve o mesmo problema e também saiu do ar.

O derradeiro capítulo de Drácula foi apresentado em 6 de fevereiro. A partir do dia 11 daquele mês, começou nova reprise. Em seguida, a emissora passou a reapresentar novelas antigas de sucesso, como O Profeta (1977) e A Viagem (1975).

Extinção da teledramaturgia da Tupi

Muitos funcionários da Tupi passavam necessidades e, para amenizar a situação, foi criado um fundo de greve, que arrecadou 250 mil cruzeiros em seus primeiros dias. Foram realizados shows especiais, com nomes como Dominguinhos, Papa Poluição, Circo Humano e Terra Sol para levantar recursos. Conhecidos autores também promoveram vendas especiais de seus livros, com noites de autógrafos.

No dia 12 de fevereiro, sem qualquer condição de continuidade, a emissora demitiu todo seu elenco de teledramaturgia, incluindo aí os integrantes de Drácula, Como Salvar Meu Casamento e Maria de Nazaré, além dos integrantes do programa vespertino Mulheres.

Por incrível que possa parecer, dada a precária situação da Tupi, Drácula foi elogiada por sua qualidade. A crítica Helena Silveira destacou, dia 1º de fevereiro de 1980, também na Folha, que “em dois capítulos já se criou um clima, uma atmosfera. Muito cedo para dizer se o vampiro não irá degringolar pelos abismos do ridículo. Mas o fato é que alguns dos personagens mais importantes já tiveram seu selo, sua marca registrada. (…) Enfim, a Tupi não está com uma pedra no meio do caminho. Está com uma montanha. É melancólico ver-se uma novela com certo carisma estrear cercada por insegurança. Em todo o caso, o próprio enredo não poderá deixar de ser sinistro

Drácula renasce na Bandeirantes

No dia 6 de julho, a Band, na época ainda chamada de TV Bandeirantes, anunciou que produziria uma nova versão de Drácula, que seria chamada de Um Homem Muito Especial. O elenco seria praticamente o mesmo, bem como a direção, a cargo de Atílio Riccó, e a supervisão de Walter Avancini. Enquanto isso, a Tupi agonizava. Sairia do ar alguns dias depois.

Uma grande festa foi realizada na badalada boate Gallery, em São Paulo, para lançar Um Homem Muito Especial. A trama estreou no dia 21 de julho de 1980 e seguiu, sem as grandes complicações da breve versão anterior, até 7 de fevereiro de 1981. Um fato curioso é que Bruna Lombardi e Carlos Alberto Riccelli deixaram a Bandeirantes pouco antes do final da trama e seguiram para a Globo, sem finalizar suas participações.

No portal Teledramaturgia, Nilson Xavier disse que, na Band, a novela ganhou menos cenários, mais nudez e violência e ainda mais atores. “Com o processo de criação dos mais impecáveis, Um Homem Muito Especial só não teve repercussão por ter passado por diversas fases desestimulantes. Consuelo de Castro terminaria de escrever a novela, que também teve capítulos escritos por Jaime Camargo, e transformou-a num bangue-bangue à brasileira“, comentou. Um fim melancólico para uma novela que começou em ambiente não menos conturbado.


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Thell de Castro

Apaixonado por televisão desde a infância, Thell de Castro é jornalista, criador e diretor do TV História, que entrou no ar em 2012. Especialista em história da TV, já prestou consultoria para diversas emissoras e escreveu o livro Dicionário da Televisão Brasileira, lançado em 2015 Leia todos os textos do autor