Em 1964, dramalhão cubano fez o Brasil virar o país das telenovelas

07/12/2017 às 8h30

Por: Thell de Castro
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O Brasil é o país das novelas por culpa de um cubano. Tudo começou, indiretamente, em 1946, quando Félix Caignet escreveu a radionovela O Direito de Nascer, um grande sucesso, exibida em vários países e com diversas reedições ao longo das décadas.

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A primeira versão da história foi transmitida pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro no início dos anos 1950. Mas, a partir de 7 de dezembro de 1964, quando a TV Tupi de São Paulo passou a exibir O Direito de Nascer diariamente às 21h30, o Brasil parou para assistir à telenovela, rotina que se repetiria inúmeras vezes nas décadas seguintes.

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A história era simples, com elementos típicos de dramalhão mexicano: “Um filho natural (a mãe envergonhada foi ser freira e o pai, canalha, desapareceu), criada por uma mãe negra, cresce, forma-se médico, tem uma namorada, mas não consegue desvendar o mistério de sua origem, porque quem sabe de tudo perdeu a voz e só vai recuperá-la, evidentemente, no último capítulo”. Assim definiu reportagem especial da revista Veja de 7 de maio de 1969, que abordou a febre de telenovelas que tomava conta do Brasil, dessa vez pelo sucesso de Beto Rockfeller, também da Tupi.

As crianças passaram a nascer com o nome de Albertinho Limonta e Isabel Cristina. Nas cidades, o grau de utilização da rede sanitária caiu sensivelmente na hora da novela. Os encontros nacionais, desde sessões de Senado até ofícios religiosos, foram habilmente deslocados para não perturbar a audição do drama da paternidade desconhecida”, destacou a Veja.

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Os integrantes do elenco de O Direito de Nascer tornaram-se celebridades nacionais: Nathalia Timberg era Maria Helena, a mãe que virou freira; Amilton Fernandes vivia o abandonado Albertinho Limonta; Isaura Bruno era a Mamãe Dolores, que o criou; e Guy Loup era sua namorada, Isabel Cristina. Também participaram nomes como José Parisi, Rolando Boldrin, Henrique Martins, Luiz Gustavo e Oswaldo Loureiro, entre outros.

A mesma reportagem traçou um panorama da revolução que estava em andamento naquela época na televisão brasileira: “A partir de O Direito de Nascer, o brasileiro começa a consumir as telenovelas em doses cavalares. As histórias, que antes se resolviam modestamente em um máximo de 50 capítulos e transmissões duas ou três vezes por semana, passam a exibir centenas de sessões diárias. Quatro anos depois, a telenovela é uma epidemia nacional. Na semana passada, todos os dias, 9 milhões de brasileiros receberam de 43 emissoras pelo menos uma das 24 novelas que caem sobre o país juntamente com as trevas da noite. Das 18h30 às 22h, 80% dos 3,5 milhões de aparelhos de TV puxam para dentro das casas desfiles de personagens tão variados e ricos em roupagens e cenários quanto monótonos e esquemáticos em suas relações”.

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Repercussão sem precedentes

Para se ter uma ideia do sucesso de O Direito de Nascer, exibida até 13 de agosto de 1965, uma grandiosa festa foi realizada para encerrar a trama. Todo o elenco percorreu as ruas de São Paulo em carro aberto, da sede dos Diários Associados até o Ginásio do Ibirapuera.

No Rio de Janeiro, onde a trama foi exibida pela TV Rio, a festa foi ainda maior, no Maracanãzinho. Como define o especialista em novelas Nilson Xavier, “uma neurose coletiva, sem precedentes, já que nenhum ator brasileiro, em qualquer época, tivera as honras de tanta ovação”.

Guy Loup, inclusive, passou a assinar Isabel Cristina em seus trabalhos seguintes, tamanha a repercussão da novela.

Tupi do Rio abriu mão da novela

Naquela época, a Tupi ainda não era uma rede nacional propriamente dita. As emissoras de São Paulo e do Rio de Janeiro não precisavam exibir, necessariamente, a mesma programação. Por divergências internas, a Tupi carioca desdenhou da novela e não quis exibi-la, provavelmente se arrependendo da decisão depois.

Em seu livro O Circo Eletrônico, o diretor Daniel Filho conta como foi a negociação. “A Tupi do Rio de Janeiro não aceitou O Direito de Nascer no ar. Mas o Boni [José Bonifácio de Oliveira Sobrinho], pessoalmente, junto com o Walter Clark, comprou os direitos da novela. Félix Caignet, o autor cubano, que vivia no México, quis receber o pagamento em dinheiro vivo. Dercy Gonçalves e David Raw foram os portadores dos dólares, que viajaram costurados no casado de pele da Dercy, e trouxeram os textos originais. A TV Record de São Paulo não se interessou, mas Cassiano Gabus Mendes, diretor da Tupi, aceitou produzir a novela para exibição em todo o Brasil, deixando a praça carioca para a TV Rio”.

O Direito de Nascer teve duas outras versões produzidas no Brasil: em 1978, pela própria Tupi, já em seus últimos tempos, com Eva Wilma e Carlos Augusto Strazzer, e em 1997, no SBT, com exibição somente em 2001, com Guilhermina Guinle e Jorge Pontual. Esta última será reapresentada pela TV Aparecida, a partir de 14 de fevereiro.


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