A atual novela das nove de Walcyr Carrasco faz jus à velha máxima de que audiência e qualidade nem sempre andam juntas. Com enredo limitado, situações inverossímeis e abordagens de temas importantes sem o cuidado necessário, beirando a caricatura, O Outro Lado do Paraíso falha ao se pretender uma coisa que não é. Ironicamente, isso parece não incomodar o grande público, a julgar pelos excelentes números conquistados – a média geral da novela atualmente é de 34,6 pontos, mantendo a tendência de alta conquistada pela antecessora A Força do Querer.

É no núcleo de Samuel (Eriberto Leão), médico que tinha vergonha de sua própria homossexualidade e por isso a reprimia posando de homofóbico, onde mora o maior perigo. Ainda assim, mesmo em uma situação de roteiro bastante adversa, as sequências recentes permitiram brilhantes desempenhos de duas peças-chave deste entrecho: Ellen Rocche e Ana Lucia Torre.

A ideia central do núcleo parte da relação de fachada de Samuel com Suzy (Ellen), uma fogosa enfermeira do hospital, com a qual o psiquiatra se envolve para agradar a mãe, Adinéia (Ana Lucia), e que constantemente tentava seduzi-lo – o que o obrigava a injetar substâncias que permitiam que ele tivesse prazer com ela. Tudo isso sem nem imaginar que ele chegava ao ponto de roubar suas roupas (e suas lingeries) para se encontrar com Cido (Rafael Zulu), motorista de Sophia (Marieta Severo).

A farsa veio à tona através de Clara (Bianca Bin). A mocinha elegeu o médico como primeiro alvo de sua vingança, por ter autorizado a internação forjada pela ex-sogra. Com apoio de Renato (Rafael Cardoso), a protagonista fingiu convidar a mãe do médico para um jantar e o levou até o apartamento, onde esta flagrou o filho vestido de mulher. O choque foi imediato, pois Adinéia fazia questão de alardear a virilidade do mesmo; contudo, ela pediu perdão ao filho por não ter enxergado antes que ele era homossexual, se culpando por não aceitá-lo como realmente era.

Logo depois, foi a vez de Suzy descobrir o segredo do marido, igualmente pelas mãos da mocinha (e de forma semelhante). Porém, Samuel não teve a mesma “sorte”: a revolta da enfermeira foi maior. Chocada ao vê-lo travestido e fazendo uma performance teatral para Cido, a loira não poupou palavras: partiu para cima dos dois, numa explosão de fúria por ter sido enganada pelo marido. E não parou por aí. A enfermeira ainda fez questão de humilhar o psiquiatra na frente de todos no hospital, expondo sua homossexualidade.

Exibidas nas semanas passadas, as sequências foram válidas porque, mesmo expondo a visível incompatibilidade entre o roteiro de Carrasco e a direção de Mauro Mendonça Filho, valorizaram o talento das duas intérpretes. Ainda que sob uma abordagem caricatural, em contraponto ao naturalismo adotado por Glória Perez na trama anterior das 21h, Ellen Rocche e Ana Lucia Torre brilharam absolutas e dominaram por completo as sequências das quais participaram.

Com inúmeras personagens em tramas marcantes como Dona Xepa (1977) e Tieta (1989), Ana Lucia tem sido presença frequente nas obras de Walcyr Carrasco desde Alma Gêmea – parceria que foi interrompida entre 2011 e 2014, quando participou das inconstantes Insensato Coração (2011), Amor Eterno Amor (2012) e Joia Rara (2013-14), mas retomada na elogiada Verdades Secretas (2015).

Embora novamente esteja em um núcleo fraco, como em Ita Mundo Bom (2016), a veterana mostra sua maestria em todos os momentos, sendo perfeita na comédia e no drama. E a cena em que Adinéia descobre a homossexualidade do filho foi uma grande prova da parceria entre atriz e autor. Ana Lucia driblou todas as barreiras do texto nada sutil de Carrasco e protagonizou sua melhor cena na novela até aqui.

Ellen Rocche, por sua vez, também experimenta um ótimo momento na carreira. Conhecida como assistente de palco de programas como Fantasia e Qual é a Música, no SBT, a loira chamava atenção pela beleza exuberante. Em função disso, muitas de suas participações na TV eram pautadas na exploração de sua boa forma física. Até que, em 2011, a atriz começou a quebrar a ideia de “apenas um rosto /c orpo bonito na TV”, vivendo a misteriosa Valéria, assistente de Herculano Quintanilha (Rodrigo Lombardi) no remake de O Astro.

Em 2013, se destacou como a mulher-fruta Brunetty / Mulher Mangaba, em Sangue Bom. Sua veia cômica já era bem evidente e ficou ainda mais forte ao reviver Capitu, a sensual personagem de Cláudia Mauro, na nova edição da Escolinha do Professor Raimundo, que está em sua terceira temporada; e a interesseira Leonora Lammar, na novela Haja Coração (2016), inspirada na personagem homônima vivida por Irene Ravache. Agora, Ellen mostrou que também se sai bem no drama e deu um show nas cenas da revolta de Suzy ao flagrar Samuel com Cido e, mais tarde, humilhar o marido no hospital. A exemplo de Ana Lucia, este também foi o melhor momento de Ellen na novela.

Ellen Rocche e Ana Lucia Torre, cada uma com sua carreira e experiência, merecem todos os elogios por serem os principais expoentes do problemático núcleo de Samuel, prejudicado não apenas pelo estilo “Zorra Total” adotado pelo autor, mas pelo inexpressivo desempenho de Eriberto Leão na pele do médico – um personagem difícil que merecia um ator com mais estofo, enquanto Rafael Zulu, como Cido, faz um trabalho apenas correto. As intérpretes de Suzy e Adinéia dão dignidade a um contexto que por vezes beira o surrealismo e as sequências da revelação da homossexualidade do psiquiatra permitiram que as duas se destacassem nos recentes capítulos de O Outro Lado do Paraíso.


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