Que dia para esquecer, essa terça-feira, 4 de maio de 2021. Massacre em uma creche em Santa Catarina e mais de 3 mil mortes por Covid-19 (só ontem). Entre as mortes, a de Paulo Gustavo. Nas redes sociais, poucas vezes se viu comoção tão grande quanto à da perda do comediante.

Não me recordo exatamente a primeira vez que assisti Paulo Gustavo, mas acho que foi no filme Divã (2009), no qual o ator vivia o amigo da protagonista (Lília Cabral). Porém, foi em vídeos de esquetes de humor na internet que passei a saber de quem se tratava de fato

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A Senhora dos Absurdos – o primeiro personagem de Paulo Gustavo que lembro de acompanhar – é simplesmente genial. Uma crítica à elite preconceituosa que varre minorias para debaixo do tapete. Infelizmente bem real. “Rica, branca, magra, alta, hétera” virou um bordão divertido que catalisa tudo o que há de mais podre na arrogância humana.

Acho o vídeo das Bibas From Brazil, em que Paulo Gustavo bate um papo em uma roda de “bibas”, um dos mais engraçados da internet, desses atemporais, que você pode assistir dez vezes, mas vai rir sempre. Novamente Paulo Gustavo brinca com o exagero para denunciar o preconceito – no caso, contra o gay afeminado, tão combatido pela sociedade que tenta normatizar o comportamento homossexual.

O humor de Paulo Gustavo era histriônico – talvez por isso tão popular -, mas dava o seu recado. Elevando o deboche à máxima potência, o comediante denunciava, a seu modo, o preconceito. Até mesmo quando foi duramente criticado por não haver beijo gay na cena de casamento do filme Minha Mãe é uma Peça 3. Na ocasião, o ator declarou:

Precisamos sim enfrentar e combater essa era raivosa e preconceituosa! Eu entendo esses questionamentos, acho legitimo e importante! (…) Não sou ativista, militante, mas sou um ser político! Minha bandeira é minha vida!“.

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Em 2016, assisti em São Paulo ao espetáculo Hiperativo. Fiquei impressionado com a capacidade de Paulo Gustavo de segurar uma plateia, que gargalhou por 1 hora e meia, usando apenas sua presença cênica e a fala. A peça se chamava Hiperativo porque o ator não parou de falar um minuto sequer, literalmente.

Minha Mãe é uma Peça é um verdadeiro caso de amor. Não só do Brasil. Meu amigo Daniíl Burov é russo, fala português muito bem e ama tanto Minha Mãe é uma Peça que legendou e dublou, por conta própria, o primeiro filme e atualmente trabalha no segundo. Eu presto uma modesta colaboração explicando ironias, expressões idiomáticas e gírias que ele não entende, ou frases que Paulo Gustavo fala muito rápido e ficam incompreensíveis.

Às vezes, ele me manda o link do vídeo perguntando o que Dona Hermínia falou no trecho tal e nem eu entendo, porque Paulo Gustavo atropela as palavras. Daniíl também tem alguma dificuldade em entender e traduzir as ironias e o deboche nas falas de Dona Hermínia, pois não encontra significados coerentes em dicionários.

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Muito da graça das piadas está no sarcasmo e no sentido figurado, e isso se aprende com a vivência da língua, não no significado literal dos dicionários. Na tradução para sua língua materna, o gringo precisa achar outra expressão tão engraçada quanto. Imagina a dificuldade! Já falei para Daniíl: Dona Hermínia, muitas vezes, é intraduzível!

Porém, mesmo intraduzível em algumas ocasiões, é uma personagem universal. Reconhece-se em Dona Hermínia (inspirada em Dona Déa Lúcia, mãe de Paulo Gustavo) e mãe de todos nós, a mãe de todo mundo, a mãe universal. Por isso encantou um fã russo.

Paulo Gustavo morreu de uma doença que já existe vacina. É impossível não separar a morte de familiares, amigos, entes queridos e ídolos da péssima gestão de combate à pandemia que o país vem tendo. Googla aí: desde o início da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro rejeitou 11 pedidos de oferta de vacinas. Quantas mortes poderiam ter sido evitadas e quantas ainda não poderemos evitar?

SOBRE O AUTOR
Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira.

SOBRE A COLUNA
Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor