A atriz Elaine Cristina foi uma das maiores estrelas da TV Tupi na década de 1970, tendo atuado em um total de 12 novelas entre 1971 e 1980 (uma atrás da outra, literalmente), algumas de grande sucesso, como Os Inocentes, Ídolo de Pano, A Viagem e O Profeta. A partir dos anos 1990, Elaine passou a ser menos vista em televisão.

Após problemas de saúde – e até um boato de que tinha falecido – a atriz resolveu estreitar laços com os fãs por meio de um canal no Youtube: o Arte de Viver, em que faz reflexões sobre a vida e as relações humanas. A partir do episódio 22, Elaine começa a passar a limpo sua carreira profissional, dando detalhes de suas personagens e dos bastidores das novelas nas quais atuou.

Seguindo uma ordem cronológica dos fatos, a atriz destaca – em uma média de 35 minutos por vídeo – suas impressões pessoais sobre cada trabalho, tendo sua vida particular e a linha reflexiva como pano de fundo. Ao revirar seu baú de memórias, Elaine Cristina presenteia o público com um arsenal fantástico sobre a história da TV brasileira, prestando um valioso serviço à memória de nossa televisão.

Foi como pesquisador e interessado no assunto que a convidei para esse bate-papo. Elaine, com muita simpatia, aceitou prontamente.

Você está afastada da televisão desde 2015, quando atuou na novela Chiquititas, do SBT. E antes dela, estava um tempo longe. Por quê?

As pessoas sempre me perguntaram por que eu não fazia mais televisão. Eu respondia que recebia convites, mas que às vezes não aprovava os personagens que me ofereciam. Eu não queria fazer qualquer coisa. Até hoje, tenho muito cuidado com as escolhas que faço.

Em 2015, Iris Abravanel me chamou para fazer uma participação em Chiquititas, de 10 capítulos, e acabei ficando 8 meses, até o final da novela, com uma personagem fixa. Me senti útil de novo, feliz, podendo exercer a forma que encontrei de me expressar, que é a representação.


Em Kananga do Japão, Chiquititas e O Profeta

Como é a sua relação com o público? Acredito que neste momento de pandemia, seja mais por redes sociais, não?

Tinha preconceito contra rede social, mas, quando entrei, percebi que seria ótimo para manter contato com amigos. E senti que as pessoas queriam esse contato. Em minha carreira, sempre fui reconhecida, principalmente para três gerações.

Sempre senti, através da manifestação das pessoas, que eu não ficava apenas na tela da televisão. Eu entrava na casa delas, era íntima, como se fosse parte da família. As pessoas sempre se aproximaram de mim me abraçando, me beijando, trazendo presentes. Essas pessoas precisavam me ver de alguma forma e eu precisava interagir com elas.

Daí surgiu a ideia do canal no YouTube….

Senti que através de um programa no YouTube, eu poderia levar uma mensagem boa, principalmente pelas experiências que tive de 2011 até hoje, que me modificaram muito como pessoa. Evolui como ser humano, me tornei mais terna, empática.

Senti que, talvez, eu conseguisse passar uma sementinha de amor (vou ficar piegas!) Se eu passar uma sementinha positiva, uma orientação mínima que seja, mas que faça bem, se eu conseguir tocar a alma de uma pessoa através de cada vídeo, eu já estou no lucro. Esse programa nasceu por causa disso.

A princípio, vídeos reflexivos…

Resolvi fazer um programa falando sobre tudo, mas alertando que não sou psiquiatra, psicóloga ou terapeuta. Apenas falando o que acho sobre vários assuntos e a forma como aprendi a lidar com os problemas, falando de minhas experiências de vida e convidando para refletirmos juntos.


Com Rubens de Falco em Sinhá Moça; em O Julgamento; e com Oswaldo Loureiro em A Volta de Beto Rockfeller

E de repente você começa a falar de sua vida profissional, dando detalhes e trazendo curiosidades. Por quê?

Comecei a falar sobre minha carreira porque tenho ouvido muitas bobagens a respeito de nossa profissão. Como se fôssemos “carne de segunda sendo vendida na porta de açougue“. As pessoas estão desacreditando da classe artística, achando que somos vulgares, fáceis, que não trabalhamos, que não temos problemas, achando que vivemos em um mundo de glamour, sonho, leviandade e vícios.

Em minha trajetória de vida pessoal e profissional, nunca prejudiquei ninguém, sempre fui uma pessoa generosa, inclusive profissionalmente. Sempre fui uma atriz intuitiva, fazendo uso de técnica. Busco dentro de mim a personagem. E evidentemente estudo: como ela fala, como senta, qual o tom de voz, o nível social, intelectual. Nunca me preocupei se estou bonita ou não, se meu corpo está bem. Coloquei sempre na frente o personagem e a mensagem que posso passar através desse personagem.

É uma biografia por meio de vídeos?

É uma narrativa sobre minha trajetória de vida e profissional. Não estou fazendo biografia. Já se ofereceram e não aceitei porque nunca gostei de pontos finais. Não sou um ponto final. A única coisa que teve um ponto final em minha vida foi um casamento de 40 anos (como ator Flávio Galvão), que fiz questão de pôr um ponto final. Sempre gostei das reticências. Tudo é em aberto na vida. Mesmo depois da morte, continuamos. Somos reticências, não somos ponto final. Nada acabou ainda, tem muitas coisas que quero fazer, muitos sonhos para realizar.

Você atuou em apenas dois filmes: “Até o Último Mercenário”, de Carlos Miranda, e “Senhora”, de Geraldo Vietri (baseado em José de Alencar). Por que fez tão pouco cinema?

Me identifiquei mais com a televisão e com o teatro. No cinema, a arte é do diretor. Eu não ficava muito à vontade, porque o lado técnico se sobressai demais. Eu não tinha tanto envolvimento no cinema quanto no teatro e na televisão.

Mas você era chamada para fazer cinema, certo?

Eu tinha atrativos físicos e os diretores de cinema me procuravam para fazer “determinados” personagens que rejeitei, pela minha educação, formação e estrutura familiar. Eu não ficaria à vontade em uma cena de nu, por exemplo. Walter Hugo Khouri me chamou e tinha que ficar nua, e eu dizia que não ia ficar à vontade. Ele me dizia: “Ah, eu arrumo uma dublê.” Como eu ia provar para meu pai que a bunda não era minha! (risos) Papai não ia entender. Eu descendo de espanhóis, tive uma educação muito rígida, repressora mesmo. Poderia ter feito filmes muito bons, mas não conseguiria ficar à vontade.


Com Claudio Marzo em Pantanal e com Guilhermina Guinle em O Direito de Nascer

E teatro? Você tem poucas peças em seu currículo.

Amo teatro, mas realmente meu tempo era curto, porque tinha que conciliar com meu trabalho na televisão e minha vida pessoal. Sempre tive que me desdobrar. Cheguei a fazer algumas novelas e teatro ao mesmo tempo, porque eram peças que me interessava fazer.

Tive algumas incursões boas e bonitas – na medida do possível, para não comprometer outras áreas de minha vida: “A História é uma História”, de Millor Fernandes; “Baixa Sociedade“, com Juca de Oliveira e Kito Junqueira; “Batom“, do Walcyr Carrasco, com Fulvio Stefanini, Luiz Gustavo e Ana Paula Arósio; “As Bruxas“, substituindo Ester Góes, com Marly Marley; “Uma Transa Muito Louca“, no Rio de Janeiro, com Rubens de Falco; “Num Lago Dourado“, com Paulo Gracindo, Gracindo Jr. e Nathalia Timberg.

Por que você fez tão poucos trabalhos na Globo?

Nunca fui “atriz global“. Trabalhei em todas as emissoras do Brasil – com exceção da atual Record (da IURD). Nunca fui encantada pela TV Globo. Era apenas mais uma emissora. Eu gostava da TV Tupi, do ambiente, das pessoas. Fui fazer a série Obrigado Doutor na Globo, no Rio, quando a Tupi fechou. Depois fiz Sinhá Moça, trabalho maravilhoso, e depois a novela O Outro. Houve um problema com um diretor de O Outro e, com o fim da novela, não quis renovar com a emissora.

Estava no Rio e liguei para o Jayme Monjardim (então diretor artístico da TV Manchete) e perguntei se havia lugar para mim na Manchete. A novela Kananga do Japão estava sendo escalada e ele disse que sim. Fiz Kananga, depois Pantanal e vim embora para São Paulo. A Globo aconteceu em minha vida o tempo que tinha para acontecer. Anos depois recebi convites para voltar à Globo, inclusive da pessoa que não foi elegante comigo na novela O Outro.


Com Flávio Galvão em 1975 e em O Outro

Por que nesta época, em que você era casada com Flávio Galvão, ele fez mais novelas que você?

Eu era casada com Flávio Galvão entre quatro paredes. Nunca tivemos envolvimento profissional. Eu não gostava do processo do “casalzinho de televisão“. Ele tinha a carreira dele e eu tinha a minha. Eu vim embora para São Paulo (em 1991) e Flávio continuou no Rio. Ele vinha para casa aos fins de semana e, durante a semana, trabalhava no Rio. E foi assim por uns 14, 15 anos. Eu não quis mais voltar para o Rio.

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Você afirmou em um de seus vídeos que fugia das badalações. Talvez por isso tivesse sido pouco chamada (ou vista)? Há outros motivos?

As badalações nunca me atraíram. Gosto de ter amigos, sair, bons papos, fazer jantares em minha casa com amigos. Essa superficialidade de ser obrigada a ir a determinadas festas, badalações, para aparecer e para as pessoas lembrarem de você, eu não estava disposta a fazer.

Era através do meu trabalho que as pessoas me conheciam, me telefonavam, me escalavam. E eu correspondia à expectativa. Eu não quis participar dessa passarela, não me sinto bem com isso. Pode ser um erro meu. Não estou dizendo que eu esteja certa, mas este era o meu movimento.


Com o elenco de Os Inocentes

Você fez uma sequência de novelas de Ivani Ribeiro em personagens de grande destaque: Daisy de Os Inocentes, Lisa de A Viagem, Sônia de O Profeta e Cecília de A Deusa Vencida. Como era sua relação com Ivani?

Conheci Ivani Ribeiro, e outros autores, nos tempos da Rádio São Paulo (anos 1960). Nunca fomos amigas, nunca visitei a casa de Ivani. Simplesmente era escalada porque tinha contrato com a emissora e acabava sendo escalada para as novelas de Ivani. Eu e Tony Ramos formamos a dupla romântica jovem da TV Tupi. Eva Wilma e Carlos Zara era a dupla mais madura.

Com Ivani, era uma relação de respeito e admiração. Eu gostava dos textos dela, ela gostava de mim quanto atriz, da forma que eu executava os personagens que ela pedia para eu fazer. E era muito agradável, novelas de muito sucesso, algumas refeitas na Globo, inclusive.


Com Tony Ramos em A Viagem e Ídolo de Pano

Você assiste à trabalhos do passado? Gosta de se ver na televisão?

Houve uma época em que reprisaram Sinhá Moça, O Direito de Nascer e Chiquititas. A Globo, aliás, me deve 93 países de direitos conexos pela exibição de Sinhá Moça, nunca me pagou, nem pela reprise do Viva.

Gosto de me ver nas reprises, não todos os capítulos, mas sempre que posso, dou uma olhada. Às vezes eu gosto, às vezes eu penso que faria diferente, se fosse hoje em dia. A gente melhora com o tempo, a gente se aperfeiçoa. Com o passar da idade, a gente fica melhor em tudo. Inclusive como atriz.

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Desde criança, Nilson Xavier é um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: no ano de 2000, lançou o site Teledramaturgia, cuja repercussão o levou a publicar, em 2007, o Almanaque da Telenovela Brasileira. Leia todos os textos do autor