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Perdemos mais um grande nome de nossas artes. O ator e diretor Milton Gonçalves faleceu nesta segunda-feira (30), aos 88 anos, em sua casa, no Rio de Janeiro, por problemas decorrentes de um AVC que tivera em 2020, quando chegou a ficar três meses internado. A notícia foi confirmada pelos seus familiares ao G1.
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Nascido em 9 de dezembro de 1933, em Monte Santo (MG), Milton Gonçalves mudou-se ainda criança, com a família, para São Paulo capital. Em 1966, casou-se com Oda Gonçalves, com quem teve três filhos, entre eles, Maurício, que seguiu a profissão do pai.
Conhecido militante do Movimento Negro, Milton sempre defendeu mais espaço para profissionais de sua cor na televisão, desde a época em que atores negros eram apenas lembrados para interpretar bandidos, escravos ou subalternos em novelas.
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Também esteve na política: em 1994, candidatou-se a governador do estado do Rio de Janeiro.
No carnaval de 2021, o ator foi tema do enredo Axé, Milton Gonçalves! No Catupé da Santa Cruz, da escola de samba carioca Acadêmicos de Santa Cruz.
O início no teatro
Iniciou sua carreira no teatro amador, em São Paulo, e estreou profissionalmente em 1957, no lendário Teatro de Arena, com a peça Ratos e Homens. Com o fim da turnê pelo Brasil, deixou o grupo ao estabelecer-se no Rio de Janeiro, em 1958, passando a fazer parte do Teatro Nacional de Comédia.
Ao longo de mais de 60 anos de carreira, esteve em inúmeras peças, tendo trabalhado com os maiores dramaturgos e diretores de cada época, como Eles Não Usam Black-Tie de Gianfrancesco Guarnieri (1957), Revolução na América do Sul de Augusto Boal (1960), O Testamento do Cangaceiro de Chico de Assis (1961), Arena Conta Zumbi de Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal e Edu Lobo (1963), A Pena e a Lei de Ariano Suassuna (1966), Alice no País Divino Maravilhoso de Paulo Afonso Grisolli (1969), Jornada de um Imbecil até o Entendimento de Plínio Marcos (1969), Os Órfãos de Jânio de Millor Fernandes (1980), Vargas de Dias Gomes (1984), Orfeu da Conceição de Vinícius de Moraes (1989), Lima Barreto ao Terceiro Dia de Luiz Alberto de Abreu (1995-1996) e outras.
Mais de 100 filmes
Milton Gonçalves construiu uma prolífica carreira no cinema: foram mais de 100 filmes, inclusive em produções estrangeiras. O primeiro foi O Grande Momento, em 1958.
Esteve em Cinco Vezes Favela (1962), O Grande Sertão (1965), O Homem Nu (1968), Macunaíma (1969), A Rainha Diaba (1975), Lúcio Flávio o Passageiro da Agonia (1977), Barra Pesada (1978), Eles Não Usam Black-Tie (1981), Quilombo (1984), O Beijo da Mulher Aranha (1985), O Rei do Rio (1986), Um Trem para as Estrelas (1987), Natal da Portela (1988), Luar sobre Parador (1988), Orquídea Selvagem (1989), O Que é isso Companheiro? (1997), Orfeu (1999), Bufo & Spallanzani (2001), Carandiru (2003), As Filhas do Vento (2005), Quincas Berro D´Agua (2010), Assalto ao Banco Central (2011), entre outros.
O último filme foi Pinxinguinha, um Homem Carinhoso, lançado em 2021.
Só pelo filme A Rainha Diaba, em que viveu uma travesti inspirada em Madame Satã, o ator recebeu os principais prêmios de melhor ator de 1975: Troféu Candango, Air France, Governador do Estado e Coruja de Ouro.
Começou com a Globo
O ator estreou na TV Globo juntamente com sua inauguração, em 1965, ao fazer parte do primeiro elenco da emissora, tendo participado de suas primeiras produções: o seriado Rua da Matriz e as novelas Rosinha do Sobrado, A Moreninha e Padre Tião, em 1965.
Muito se associa Milton Gonçalves ao seu trabalho de ator de novelas, mas ele também dirigiu várias. Começou como assistente de Daniel Filho em Véu de Noiva, em 1970, emendando em seguida com Irmãos Coragem, mesmo trabalhando nas duas como ator. Em Irmãos Coragem, inclusive, viveu seu primeiro grande papel em novelas: o garimpeiro Brás Canoeiro.
Nos anos 1970, atuou em novelas icônicas da década, como Bandeira Dois (1971-1972), O Bem-Amado (1973), O Espigão (1974), Gabriela (1975) e Pecado Capital (1975-1976). Em 1976, dirigiu a maioria das cenas da novela Escrava Isaura, um dos maiores sucessos da emissora.
Em O Bem-Amado deu vida a um de seus mais queridos personagens: o simplório pescador Zelão das Asas, que acalentava o sonho de voar para pagar a promessa por ter sobrevivido a uma tormenta no mar. Na última cena da novela de Dias Gomes, em um golpe de realismo mágico do autor, Zelão voa sobre os olhos incrédulos do povo de Sucupira. “E Zelão voou. Se você duvida, é um homem sem fé!“.
Em Pecado Capital, Milton pediu à autora Janete Clair um personagem negro que fugisse do estereótipo, do clichê, do lugar comum de negros em novelas (escravos, bandidos, empregados). Assim, viveu o renomado psicanalista Percival Garcia. A autora aproveitou para abordar o racismo em sua trama.
E Baila Comigo (1981), formou par com a atriz branca Beatriz Lyra, como o simpático Otto (detalhe para o nome alemão). O casal da novela chamou a atenção para a questão do preconceito racial. Após a exibição da cena de um beijo entre os dois personagens, a atriz chegou a ser hostilizada na rua.
Em 1986 e em 2006, participou com o mesmo personagem nas duas versões da novela Sinhá Moça: Pai José, velho escravo que morre açoitado no tronco no início da trama.
Como parte da proposta satírica de Que Rei Sou Eu? (1989), o ator fez uma participação como o nobre alemão Herr Whisky, que negocia com os conselheiros do reino a montagem de uma fábrica de carruagens em Avilan.
Outros papeis de destaque na TV foram Reginaldo em Partido Alto (1984), Lídio Corró na minissérie Tenda dos Milagres (1985), Apolinário Santana em Mandala (1987-1988), Zé das Couves em Araponga (1990-1991), Batista em Felicidade (1991-1992), Romildo Rosa em A Favorita (2008) e Cristóvão em Pega Pega (2017).
Os últimos trabalhos foram o especial de Natal Juntos a Magia Acontece (2019 e 2021) e a série do Globoplay Filhas de Eva (lançada em 2021).
O voo de Zelão
Como homenagem ao talento e à carreira de Milton Gonçalves, transcrevo o texto da última cena de O Bem-Amado, protagonizada pelo ator, como Zelão, que finalmente realizava o sonho de voar:
“Aqui a nossa história para. Pois tudo o que sabemos daí em diante é de ouvir contar. Não que a gente não acredite, pois se você for a Sucupira vai ver que lá ninguém duvida…
E Zelão voou! Se você duvida, é um homem sem fé”.