O fenômeno Avenida Brasil, exibido em 2012, colocou João Emanuel Carneiro em um outro patamar. Após três novelas de grande sucesso – Da Cor do Pecado, Cobras & Lagartos e A Favorita -, o autor conseguiu emplacar uma produção que parou o Brasil e virou um dos folhetins mais exportados da Globo. Parecia a consagração da sua carreira. Porém, a trama que marcou o duelo inesquecível de Carminha e Rita virou uma espécie de “maldição” para o escritor. Desde então, João não consegue mais desenvolver uma boa história que prenda o público. Fracassou com A Regra do Jogo, em 2015, e agora produziu o seu pior enredo com Segundo Sol, que chegou ao fim nesta sexta-feira (09/11).

A novela, dirigida por Dennis Carvalho e Maria de Médici, parecia promissora no início, mesmo diante da avalanche de críticas (merecidas) em torno da ausência de atores negros em um enredo ambientado na Bahia. Afinal, a premissa em torno de um fracassado cantor de axé, que se transformava em ídolo nacional quando sua falsa morte era divulgada na imprensa, despertava interesse. Emílio Dantas logo se destacou na pele do carismático Beto Falcão. Porém, logo no segundo capítulo ficou claro que a história verdadeira da novela não era essa e ,sim, sobre Luzia (Giovanna Antonelli), marisqueira que se apaixonava à primeira vista pelo cantor e tinha sua vida arruinada pelas vilãs Karola (Deborah Secco) e Laureta (Adriana Esteves).

Isso não seria um problema se a trama da personagem fosse atrativa e bem conduzida. Mas não foi. A mocinha sofreu o tempo todo e passou a novela inteira fugindo da polícia e das mulheres que a destruíram, enquanto Beto se anulou e teve sua importância bastante diminuída na história. Os ditos protagonistas eram tão burros e passivos que não havia como torcer por eles.
Foram enganados do início ao fim da produção e não tiveram relevância alguma para os desdobramentos da novela.

Luzia foi presa três vezes e até o aguardado momento da revelação a respeito da falsa morte de Beto não devolveu o protagonismo ao personagem. Ele, inclusive, era feito de idiota por Karola constantemente e sua namorada nunca teve coragem de enfrentar a rival. Nem mesmo a vingança que a marisqueira planejou promoveu uma boa virada na história – apenas conseguiu expor a relação extraconjugal da vilã com Remy (Vladimir Brichta).

Mas as vilanias também ficaram devendo. Karola e Laureta começaram formando uma dupla promissora, mas se perderam pelo caminho. A primeira ficou o tempo todo obcecada por Beto e gritando “inferno” a cada cinco minutos. Também ficou refém das repetições em torno do amor incondicional que sentia pelo “filho” Valentim (Danilo Mesquita), protagonizando cenas que pouco influenciavam o andamento do roteiro. Até mesmo o momento em que Karola cortou os cabelos, na reta final, soou algo gratuito, “sacrificando” a atriz para uma cena que não durou nem um minuto.

A segunda, pelo menos, teve o melhor texto da história e Adriana Esteves deu show,
diferenciando-se por completo de Carminha. Suas tiradas sarcásticas eram ótimas. No entanto, ainda assim, a vilã não foi bem desenvolvida. Sua paixão por Ícaro (Chay Suede) cansou e as situações no bordel muitas vezes eram desnecessárias. O tal mistério envolvendo sua relação com o pai, Nestor (Francisco Cuoco, desvalorizado), não convenceu – ela queria se vingar da família de Beto e deixou todo mundo rico com a falsa morte do cantor? – e a personagem se revelar mãe de Karola foi sem qualquer propósito. Para que, então, Laureta incentivava a filha a transar com o próprio tio? Ela não ganhou nada com isso. Aliás, a cafetina ser irmã do 171 desperdiçou uma grande oportunidade de aproveitar a química de Adriana e Vladimir, casados na vida real.

Já o núcleo da família do corrupto Severo Athayde (Odilon Wagner) era um dos maiores trunfos de Segundo Sol, repleto de perfis dúbios. As brigas generalizadas daquela família problemática rendiam grandes cenas e os atores brilhavam. Maria Luisa Mendonça esteve ótima como a instável Karen, Caco Ciocler convenceu como o destemperado Edgar, Odilon deu show como Severo, Giovanna Lancellotti foi valorizada como merecia na pele da cruel Rochelle, Fabricio Boliveira pôde mostrar seu talento como o vingativo Roberval e Claudia Di Moura foi uma grata revelação como a submissa Zefa.

Porém, após muitos embates e tensão, os personagens acabaram descaracterizados pelo autor à medida que os meses se passavam. E a redenção ‘grupal’ em virtude de um interminável sequestro foi estapafúrdia. Todos passaram a se amar depois do assalto e viraram pessoas queridas. A regeneração de Rochelle, por meio da síndrome de Guillain-Barré, foi um clichê menos pior. Mas a relação harmoniosa de todos não deu para engolir. Se ainda fosse ao menos gradativa…

E o que dizer do triângulo constrangedor formado por Maura (Nanda Costa), Selma (Carol Fazu) e Ionan (Armando Babaioff)? João decidiu repetir o padrão de todas as suas novelas anteriores que exploraram um trio envolvendo um gay. O pior é que o contexto da homossexualidade começou bastante atrativo e a cena em que a policial revelou para a mãe sobre sua condição foi bem bonita. Mas depois tudo acabou destruído e o interesse da personagem por Ionan ficou difícil de acreditar.

Para culminar, o enredo em torno da ciumenta Doralice (Roberta Rodrigues) nunca emplacou e no final das contas a esposa de Ionan tinha razão. A trama da inseminação artificial se mostrou uma bobagem e foi difícil não se irritar vendo Maura trair Selma com o colega de trabalho e depois bancar a vítima inocente. Nem adiantou o autor juntar as duas e reconciliar Ionan com Doralice no último capítulo. O roteiro já havia sido aniquilado.

Por sinal, é impossível citar destruição sem mencionar Rosa. Letícia Colin roubou a cena no início da novela e a controversa personagem conquistou público e crítica. A prostituta tinha muita ambição, mas suas virtudes também se faziam presentes. Sua relação quente com Ícaro evidenciava a imensa química entre Letícia e Chay Suede. Não demorou para a discípula de Laureta virar a ”mocinha moral” do folhetim. Mas, provavelmente com medo de Luzia ficar cada vez mais ofuscada, o autor acabou minando o papel que tinha tudo para ser o melhor da carreira da atriz.

A pá de cal foi a cena da prostituta aceitando dar um golpe da barriga em Valentim, saindo da condição de chantagista para chantageada. Não fez o menor sentido. A ideia de colocá-la como algoz de Laureta e Karola, deixando as vilãs na sua mão e não contando o segredo do roubo do filho de Luzia, foi ousada e válida. Mas Rosa nunca foi burra. Jamais aceitaria fingir uma situação facilmente desmascarada por um exame de DNA e por um “mísero” apartamento. Seria muito mais simples seguir com sua chantagem. Com isso, a personagem se apagou. A esperta garota de programa virou uma idiota que bancava a vítima com frequência e sempre choramingando pelos cantos.

O núcleo de Nice (Kelzy Ecard) e Agenor (Roberto Bonfim) foi outro que se perdeu pelo caminho. O enredo em torno da mulher humilhada pelo marido já havia sido apresentado pelo autor em A Favorita e A Regra do Jogo. A situação humilhante vivida pela mãe de Rosa e Maura rendeu grandes cenas para Kelzy, outra grata revelação da trama. E Roberto também se destacou. Todavia, as repetições ultrapassaram qualquer limite. A personagem ficou praticamente a novela toda sendo enganada e xingada pelo marido. Até mesmo na reta final voltou a acreditar na redenção dele, mesmo depois de ter incendiado o restaurante de Cacau (Fabíula Nascimento). Aliás, o sujeito não ter sido denunciado pelo crime foi um absurdo. Ninguém no lugar da irmã de Luzia teria se omitido daquela forma. Vale, inclusive, mencionar a reconciliação de Cacau com Roberval. O filho de Zefa rasgou o vestido da personagem e a chamou de vagabunda para baixo em plena igreja. A agrediu publicamente. Como pode os dois terminarem juntos e felizes?

Outro ponto negativo da produção foi o núcleo da família de Beto Falcão. Em mais uma tentativa de reeditar a icônica família do Tufão (Murilo Benício), o autor tentou abusar das brigas generalizadas e situações pretensamente cômicas. Mas não funcionou. Arlete Salles não conseguiu brilhar com uma apagada Naná, José de Abreu fez o que pôde na pele do irrelevante Dodô e a dupla Clóvis (Luis Lobianco) e Gorete (Thalita Carauta) logo esgotou, apesar do talento dos atores. Todos os conflitos apresentados se mostraram limitados e nada convidativos. Nem mesmo a fofura do Davi Queiroz “interpretando” o simpático Badu salvou. É preciso citar ainda outra família que não deu certo: a dos traficantes. Não deu para entender o objetivo de colocar Manu (Luisa Arraes) como vítima de bandidos que eram parentes. Tuca Andrada, Osmar Oliveira (Narciso) e Ingra Lyberato conseguiram poucos bons momentos, apesar das atuações convincentes. Outros atores desvalorizados foram João Acaiabe (Pai Didico mal apareceu), Roberta Rodrigues (Doralice sumiu da trama quando Ionan se juntou com Maura) e Gabriela Moreyra (a atriz protagonizou com talento Escrava Mãe, na Record, mas Renatinha teve pouquíssimas falas). É preciso criticar, ainda, a falta da identidade da trilha sonora. Não houve música tema de qualquer personagem ou casal. Uma bagunça.

A reta final da novela combinou com o fraco conjunto da produção. Sem ter mais história para contar, o autor enrolou o quanto pôde a prisão de Luzia e a revelação sobre o passado de Laureta com Severo se mostrou sem o menor cabimento. Os dois serem pais de Karola foi uma saída de última hora de João Emanuel, até porque chegou a ser divulgado no começo da trama que Laureta seria a ex-mulher de Nestor. Mas, como ficaria estapafúrdio a personagem ter idade para um romance na época da ditadura, houve uma mudança de planos. O problema é que essa alteração se mostrou tão sem lógica quanto. Ao menos houve um ponto positivo nas últimas semanas: a entrada da grande Renata Sorrah na pele da descompensada Dulce. A mãe de Laureta roubou a cena e protagonizou cenas impagáveis. Deveria ter entrado muito antes. Mais uma bola fora do escritor, que perdeu a chance de aproveitar o show da veterana por um tempo bem maior. Ela deveria ter sido a reviravolta programada para o famigerado capítulo 100.

É preciso, todavia, fazer justiça e ressaltar as boas atuações do elenco, que conseguiram tirar leite de pedra. Adriana Esteves brilhou como Laureta; Chay Suede viveu seu melhor momento na televisão com o debochado Ícaro; Letícia Colin emocionou na pele de Rosa (apesar de todos os problemas na condução da personagem); Deborah Secco começou exagerada e acertou o tom de Karola ao longo da novela; Emílio Dantas novamente mostrou o ótimo ator que é e merecia muito mais destaque; Kelzy Ecard e Claudia Di moura foram gratas revelações; Giovanna Lancellotti se entregou como Rochelle; Nanda Costa convenceu como Maura; Caco Ciocler conseguiu cenas intensas com Edgar; Odilon Wagner se destacou como Severo, Danilo Mesquita brilhou com o chato Valentim, Fabíula Nascimento foi ótima como Cacau e Roberto Bomfim esteve muito bem vivendo o asqueroso Agenor.

Os últimos capítulos acabaram fazendo jus ao conjunto de erros da trama. Com cenas sem emoção e irrelevantes, a novela foi fechando os núcleos de forma rasa e forçada. Rosa ter ficado com Valentim, depois de enganá-lo a história inteira, foi um completo absurdo, assim como suas brigas sem qualquer necessidade com Ícaro. Aliás, a personagem deveria ter ficado sozinha ou morta no final, depois de toda a condução deprimente do autor. Cacau voltar para Roberval mostrou que todo o sofrimento exibido no dia que a irmã de Luzia foi humilhada e agredida pelo rapaz em pleno altar não teve importância para João Emanuel. E Luzia ter perdoado Karola depois de tudo o que passou foi uma das situações mais esdrúxulas do enredo. Até porque foi a mocinha que procurou a vilã e não o contrário. Fugiu do primeiro ao último mês de novela e nem punir as vilãs conseguiu. Surreal. E o casamento da protagonista com Beto nem conseguiu emocionar. Vale citar ainda Karola e Remy que continuaram com um caso mesmo depois que descobriram que eram sobrinha e tio. Claro, problema deles se queriam seguir com a relação, mas nenhum personagem da história questionou o parentesco. Ninguém se surpreendeu ou se chocou. Qual a lógica? As únicas cenas merecedoras de elogios foram a morte de Dulce e a reabilitação de Rochelle.

O último capítulo só valeu pelo desfecho de Laureta, debochando de todos e tendo uma vida de rainha na cadeia. A personagem ter sido libertada pela Justiça, mesmo diante de tantos crimes, expôs a nojeira do Brasil e foi genial vê-la se candidatando a deputada. Adriana Esteves maravilhosa. Já a cena que resultou nessa prisão foi constrangedora. Apesar do bom efeito em câmera lenta, foi risível ver Karola sendo mais rápida que a bala do revólver de Laureta. A rival de Luzia acabou atingida por se jogar na frente de Valentim e morreu. Uma cena que não teve nem a metade do impacto desejado para um momento em que uma mãe mata a própria filha. Luzia, para variar, foi golpeada pela cafetina e nem relevância teve no final. Ionan voltar com Doralice foi raso, assim como Ícaro ficar com uma nova marisqueira. E o trio elétrico com o elenco principal não teve emoção. Ironicamente, o final tosco de Clóvis e Gorete perdidos em alto mar acabou funcionando. E Badu em cima da palavra “fim” foi fofinho, embora gratuito.

Segundo Sol parecia uma novela atrativa em seu início, mas foi perdendo o rumo até virar uma trama repleta de problemas. O massacre das críticas foi justo e até a audiência acabou abaixo das expectativas: obteve uma média geral de 33 pontos, mesma que a morna Império, exibida em 2014, e seis pontos abaixo que o fenômeno O Outro Lado do Paraíso (39) – vale lembrar que A Força do Querer, outro grande sucesso recente, conseguiu 36 de média geral. João Emanuel Carneiro precisa urgentemente se renovar e procurar novas referências. Esse folhetim expôs sua crise de criatividade com apenas seis novelas no currículo. Seu talento é conhecido e incontestável – vide Da Cor do Pecado, Cobras & Lagartos, A Favorita, A Cura e Avenida Brasil -, no entanto, está na hora de mudar de horário e tentar um novo enredo na faixa das 23h, uma série ou então voltar para o horário das sete. A sua história ambientada na Bahia já foi tarde e não deixará um pingo de saudade.


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Sérgio Santos é apaixonado por TV e está sempre de olho nos detalhes. Escreve para o TV História desde 2017 Leia todos os textos do autor